Um falso bispo que se apresentava como “exorcista do Vaticano” — e que no ano passado se tornou conhecido por organizar retiros e exorcismos em hotéis na cidade de Fátima — foi este mês denunciado pela diocese de Roma como uma fraude e como não tendo autorização para realizar celebrações religiosas em nome da Igreja Católica.
Em causa está o italiano Salvatore Micalef, de 50 anos, que se apresenta como bispo primaz de uma suposta organização intitulada “Prelatura Católica de São Pedro e São Paulo”.
O caso veio a público no verão de 2023, quando a diocese de Leiria-Fátima denunciou a existência de retiros mensais sob o lema “Cura e Libertação”, numa unidade hoteleira nas imediações do Santuário de Fátima, com o tal falso bispo como protagonista. Na altura, a diocese afirmou que Micalef tinha sido “ordenado padre e bispo sem o mandato do Santo Padre”, pelo que não estava “em comunhão com a Sé Apostólica”.
“A diocese demarca-se claramente destes retiros, realizados fora da comunhão eclesial e informa que (…) já reportou o caso às autoridades da Santa Sé”, disse na altura a diocese de Leiria-Fátima.
Mais de um ano depois desta denúncia, a diocese de Roma também publicou um comunicado a demarcar-se de Micalef.
“Informa-se que o senhor Salvatore Micalef, autoproclamado patriarca e bispo da Prelatura Católica de São Pedro e São Paulo, não está em comunhão com a Igreja Católica e não possui as faculdades ministeriais necessárias para administrar os sacramentos”, lê-se na nota. “Consequentemente, não pode participar nem celebrar os sacramentos da fé católica no território da Diocese de Roma.”
Diocese de Leiria demarca-se de retiros com exorcista do Vaticano em Fátima
Apesar da denúncia da diocese de Leiria-Fátima, Micalef continuou a estar presente em retiros regulares num hotel em Fátima — eventos organizados por Francisco Marques, um jovem português que se apresenta como seminarista e amigo do Papa Francisco.
No ano passado, o comunicado da diocese de Leiria-Fátima também denunciava este jovem como fraude, sublinhando que Francisco Marques “não é seminarista em nenhum Seminário, nem de Portugal nem da diocese de Roma”. As fotografias que apresentava dele próprio junto ao Papa Francisco, “além de antigas, resultam de encontros acidentais com o Santo Padre, em audiências gerais, e não podem servir para credibilizar uma atividade que não está em comunhão com a Igreja”.
Contudo, em declarações à Agência Lusa, Francisco Marques rejeitava essas acusações e garantia que é seminarista e que o seu “percurso de discernimento” estava a ser acompanhado pelo Papa Francisco.
“Foi o Papa que me procurou, depois de ler o meu livro Da Superstição à Devoção, e sabe e apoia estes retiros”, alegou mesmo, chegando a dizer que “os advogados do bispo já enviaram uma carta à diocese a ameaçar colocá-la em tribunal se disserem que o bispo é falso”.
Após as denúncias, o jovem português continuou a organizar retiros em Fátima, incluindo com a presença de Micalef. Em janeiro deste ano, o Correio da Manhã dava nota do regresso do falso bispo a Portugal para um retiro num hotel a poucos metros do Santuário de Fátima, com a organização a pedir um donativo entre os 15 e os 20 euros a cada participante; através do Facebook, Francisco Marques continua a promover ainda hoje retiros em Fátima.
Nascido em Itália em 1974, Salvatore Micalef foi ordenado padre em 2009 pelo antigo arcebispo Emmanuel Milingo, da Zâmbia — numa altura em que Milingo já se encontrava excomungado pela Igreja Católica. De acordo com o jornal Crux, Milingo tornou-se especialmente famoso nas décadas de 1980 e 1990 em Itália por se dedicar aos exorcismos, mas também por ter lançado um álbum musical.
A realização de exorcismos sem autorização do Vaticano levou-o inicialmente a ser suspenso; depois, em 2006, foi novamente punido pelo Vaticano por ter casado — e fundado um movimento em defesa dos padres casados. Já casado, ordenou quatro bispos sem autorização do Vaticano, razão pela qual foi excomungado.
Micalef, ordenado por um bispo já excomungado, continuou o seu percurso eclesiástico sempre à margem da Igreja Católica oficial. Em 2014, foi ordenado bispo por dois outros bispos americanos — ambos membros do movimento fundado por Milingo para a defesa dos padres casados, e também eles ordenados sem autorização do Vaticano.
O italiano acabaria depois por fundar a chamada “Prelatura Católica de São Pedro e São Paulo”, uma organização não reconhecida pela Igreja Católica, através da qual se dedica à organização de retiros e sessões de exorcismos, incluindo em Roma e em Fátima.
Apesar da denúncia tornada pública no verão de 2023 por parte da diocese de Leiria-Fátima, não tinha até agora havido uma tomada de posição pública a partir de Roma.