António Mexia foi o beneficiário económico da sociedade offshore Miamex Ventures Limited, com sede no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, até 2020. E a sua fortuna total, além dos ativos depositados em nome da Miamex, ascenderia a 20 milhões de dólares em 2019, revelou esta quinta-feira à noite o semanário Expresso. Este facto pode levar a novas investigações criminais contra o gestor — que já está a ser alvo de escrutínio criminal em dois inquéritos do chamado caso EDP — por alegadas suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais.
A prova documental de ativos de António Mexia até agora desconhecidos foi encontrada numa nova investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas que cruzou informação da base de dados do Pandora Papers com uma nova fuga de informação para aquele consórcio com origem numa empresa de gestão de fortunas de Zurique chamada Boreal Capital Management.
“Manuel Pinho terá causado um prejuízo de 1,2 mil milhões de euros aos portugueses”
As provas documentais reveladas pelo Expresso demonstram que os ativos da Miamex, geridos pela EFG Capital de Bernardo d’ Orey — um financeiro especializado em gestão de ativos e de fortunas que tinha escritório no mesmo edifício que albergou a sede do Banco Espírito Santo em Miami, nos Estados Unidos —, chegaram em junho de 2017 a um valor total de 5,9 milhões de dólares (cerca de 5,17 milhões de euros à epoca).
Tal montante dividia-se por fundos de investimento (1,4 milhões de dólares), obrigações (2,7 milhões de dólares) e depósitos bancários (cerca de 1,7 milhões de dólares).
Contudo, revela o Expresso, a fortuna de Mexia ascenderia a cerca de 20 milhões de dólares, segundo uma apresentação feita por Bernardo d’ Orey em 2019 à sociedade suíça Boreal Capital Management.
A conta da Miamex gerida pela EFG Capital — cujos valores mobiliários e bancários encontravam-se à guarda de um banco internacional que não é revelado — terá tido movimentos entre 2014 e 2019. Mexia foi presidente executivo do Grupo EDP entre 2006 e 2020, logo o período em questão abrange o período em que liderou a elétrica em Portugal. Contudo, o semanário não revela em que data é que a sociedade offshore Miamex foi criada ou a partir de que data é que passou a ser controlada por António Mexia.
O Observador contactou João Medeiros, advogado de António Mexia nos processos do caso EDP que estão em investigação no Departamento Central de Investigação e Ação Penal, mas o causídico recusou fazer comentários.
Sociedade offshore de Mexia pode levar a novas investigações
Ao que o Observador apurou junto de várias fontes judiciais, a revelação deste património de António Mexia até agora desconhecido poderá levantar questões fiscais e até de branqueamento de capitais. Vários juristas consultados pelo Observador admitem como provável que Mexia seja chamado pelo Ministério Público a esclarecer a origem dos capitais que foram depositados em contas bancárias abertas em nome da Miamex Ventures Limited.
A questão clássica das sociedades offshore é sempre a mesma: não é crime ter uma sociedade offshore maspode haver suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais se os rendimentos em causa tiverem sido ganhos em Portugal e a respetiva tributação pelo Fisco nacional não tiver ocorrido. Ler mais aqui.
Resta saber a data a partir da qual Mexia passou a controlar a Miamex e a origem dos capitais que alimentaram as contas bancárias internacionais daquela empresa. Seja como for, o ónus da prova em processo criminal recai sobre o Ministério Público.
Como se combatem os paraísos fiscais. E é possível acabar com eles?
Recorde-se que António Mexia está ser investigado em dois inquéritos autónomos do chamado caso EDP. No chamado processo principal do caso EDP, Mexia foi mesmo constituído arguido em junho de 2017 e é suspeito de ter alegadamente corrompido o ex-ministro Manuel Pinho para beneficiar a EDP na legislação à criação dos novos 32 contratos de fornecimento de energia, designados de CMEC – Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) mas também na extensão da concessão do Domínio Público Hídrico pela exploração das 27 barragens.
Mexia foi constituído arguido em 2017 pela alegada prática dos crimes de corrupção ativa e de participação económica em negócio no chamado caso EDP. Esse processo foi dividido em dois em dezembro de 2022: os factos relacionados com os contratos de fornecimento de eletricidade e com as barragens foi autonomizado, enquanto que as suspeitas de corrupção que envolviam apenas o ex-ministro Manuel Pinho e o ex-banqueiro Ricardo Salgado levaram a uma acusação que foi dada como provada em julgamento em junho de 2024.
António Mexia está ainda sob investigação num segundo inquérito relacionado com a barragem do Baixo Sabor — uma obra adjudicada pela EDP e que está sob suspeita de corrupção. Também estes factos estiveram sob investigação no processo principal do caso EDP mas o Ministério Público extraiu uma nova certidão desses factos em março de 2024 com o objetivo de arquivar os autos.
Está em causa saber quem é o “Princípe” — nome de código de uma ou várias pessoas que terão recebidos alegados subornos da Odebrecht para que esta construtora brasileira ganham a adjudicação da construção da barragem de Baixo Sabor por decisão da EDP então liderada por António Mexia. As autoridades brasileiras descobriram na Operação Lava Jato prova documental na contabilidade paralela da Odebrecht de que teriam sido feitos pagamentos de 4,7 milhões de euros em ‘luvas’ para um ou mais destinatários.
Novas informações sobre a contabilidade paralela da Odebrecht enviadas pelas autoridades brasileiras em 2020 permitiram esclarecer que cerca de 80% das alegadas “luvas” pagas pela construtora brasileira terão sido transferidas durante o Governo de José Sócrates. Ou seja, cerca de 3,8 milhões de euros, de um total de 4,7 milhões de euros, terão sido pagos entre 2008 e 2010, sendo que a obra foi adjudicada pela EDP em junho de 2008, a obra iniciou-se apenas em 2011 e a barragem só entrou em funcionamento em 2016.
Caso Odebrecht. 81,5% de alegadas luvas terão sido pagas durante Governo Sócrates
Tendo por base a contabilidade clandestina da construtora brasileira Odebrecht (que fazia parte do consórcio construtor da barragem do Baixo Sabor após adquirir a construtora portuguesa Bento Pedroso), o MP Federal brasileiro fez uma ligação entre a entrega de três milhões de reais a André Gustavo (publicitário contratado pelo PSD de Pedro Passos Coelho) com um alegado financiamento da campanha do PSD nas eleições de 2015, como o Observador noticiou logo em agosto de 2020 aqui e aqui. Contudo, o facto de o grosso dos pagamentos terem sido feitos entre 2008 e 2010 — o período da adjudicação e da preparação da obra — sempre foi encarado como o período mais relevante para o alegado favorecimento à Odebrecht.
Há ainda um terceiro inquérito relacionado Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia do Governo de Passos Coelho, que foi constituído arguido por suspeitas de corrupção passiva por alegadamente ter beneficiado a EDP.
Tudo porque o alegado crime de corrupção passiva imputado pelo MP a Trindade está assente em prova indiciária de que a entrada o ex-secretário de Estado para a liderança da sociedade OMIP, SGPS — operador do mercado regulamentado ibérico de eletricidade e gás — terá tido a alegada influência de António Mexia e João Manso Neto, constituídos arguidos pelo alegado e respetivo crime de corrupção ativa.
Além disso, também o pai de Artur Trindade terá sido contratado pela EDP em 2013 para o Comité das Autarquias da elétrica — outro facto que o MP vê como uma alegada contrapartida pelos alegados benefícios que Trindade terá alegadamente concedido à EDP no processo relacionado com a Contribuição Extraordinária do Setor Energético (CESE).
Texto alterado às 23h37