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"Manuel Pinho terá causado um prejuízo de 1,2 mil milhões de euros aos portugueses"

Ministério Público indicia ex-ministro da Economia por ter recebido 'luvas' de 4,5 milhões para alegadamente favorecer EDP e Grupo Espírito Santo. Só a EDP terá sido beneficiada em 1,2 mil milhões.

Texto de 11 de setembro de 2019 republicado devido ao novo interrogatório de Manuel Pinho marcado para 30 de julho de 2021

A quarta tentativa de interrogar Manuel Pinho está marcada para as 15h desta sexta-feira mas o ex-ministro da Economia já sabe desde setembro de 2019 qual é a indiciação que o Ministério Público (MP) lhe imputa no caso EDP. Aquando da terceira tentativa de o interrogar, o MP confrontou-o com o despacho de indiciação que, no seu ponto central, resume-se assim:  o ex-ministro da Economia terá alegadamente recebido ‘luvas’ de cerca de 3,9 milhões de euros do Grupo Espírito Santo (GES) e de cerca de 620 mil euros da EDP, entre 2005 e 2014, para alegadamente favorecer a principal elétrica nacional em cerca de 1,2 mil milhões de euros obtidos com as alterações legislativas dos contratos de fornecimento de eletricidade promovidas por Pinho.

O Observador consultou o despacho de indiciação nos autos do caso EDP, no qual os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto afirmam que o total de 4,5 milhões de euros recebidos por Pinho correspondem ao “produto do crime” e que os 1,2 mil milhões de euros são um “prejuízo” que o “arguido Manuel Pinho (…) terá causado aos cidadãos residentes em Portugal (…), bem como uma distorção da concorrência, nomeadamente ao criar as condições para a EDP manipular as ofertas dos serviços de sistema entre 2009 e 2013”, lê-se no despacho indiciação de Manuel Pinho consultado pelo Observador nos autos do caso EDP.

Caso EDP. Pinho recebeu meio milhão do GES quando era ministro. Ricardo Salgado vai ser arguido

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Ricardo Sá Fernandes, advogado do ex-ministro da Economia, afirmou ao Observador em setembro de 2019 que Manuel Pinho “quer contribuir para uma investigação séria acerca das relações entre as empresas de energia, o sistema financeiro e o aparelho do Estado.”

O acordo entre Salgado e Pinho

No centro do despacho de indiciação de Pinho estão as transferências mensais de 14.963, 94 euros realizadas pela sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, por alegadas ordens de Ricardo Salgado, para as contas controladas por diversas sociedades offshore alegadamente controladas por Manuel Pinho no Banque Privée Espirito Santo, como o Observador noticiou em exclusivo em abril de 2018. A transferência deste valor mensal a partir do famoso ‘saco azul’ do GES iniciou-se em 2002, quando Manuel Pinho era administrador executivo do BES, mas os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto apenas contam com as transferências que se verificaram após a tomada de posse de Pinho como ministro da Economia de José Sócrates a 12 de março de 2005.

De acordo com o despacho de indiciação, Ricardo Salgado fez um acordo com Manuel Pinho antes da cerimónia de investidura do Governo de José Sócrates e ter-lhe-á prometido o seguinte:

  • “A continuação do recebimento mensal de 14.963, 94 euros” através da Operação Permanente n.º 100276  com origem em fundos do ‘saco azul’ do GES e para o “a 8 de março de 2005 (quatro dias antes da tomada de posse como ministro) o arguido Manuel Pinho criou uma nova sociedade, a Tartatuga Foundation, com sede no Panamá”;
  • “O pagamento de 500 mil euros a curto prazo, o que ocorreu a 11 de maio, quando o arguido Manuel Pinho já exercia funções governativas há cerca de dois meses” — pagamento este feito para a conta da Masete II, a offshore mais antiga alegadamente controlada por Pinho;
  •  “O regresso posterior ao GES/BES” após a saída do Governo;
  •  “A passagem à reforma aos 55 anos com uma pensão equivalente a 100% do salário pensionável (cerca de 62 mil euros mensais). Carta de Ricardo Salgado que Pinho mostrou na ação cível que interpôs contra o Novo Banco: “em nome do BES que represento”, Salgado reafirma “os direitos adquiridos enquanto prestou serviços ao BES, logo completar os 55 anos de idade solicitar a passagem à reforma, auferindo 100% do salário pensionável”, lê-se no despacho de indiciação.

Segundo os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, estas quantias pagas “por ordem do arguido Ricardo Salgado ao arguido Manuel Pinho” tinham como objetivo que o então ministro da Economia alegadamente beneficiasse direta e indiretamente “os interesses diretos ou indiretos do grupo BES/GES e do próprio Ricardo Salgado, em prejuízo do interesse público”.

O MP imputa a Manuel Pinho o alegado favorecimento do GES na aprovação das herdades da Comporta (controlada pela família Espírito Santo) e do Pinheirinho como “Projeto de Interesse Nacional” — um ‘selo’ criado pelo Governo Sócrates que declarava determinados projetos de investimento como prioritários, com as respetivas vantagens fiscais e administrativas.

A história da casa do ministro que não via problemas em fazer negócios com o GES

Apesar de não estar na origem de nenhum crime imputado a Manuel Pinho, o MP recorda contudo os negócios imobiliários que Manuel Pinho teve com o GES em 2004, antes de entrar para o Governo de José Sócrates, nomeadamente a compra de um prédio em Campo de Ourique, em Lisboa. Pinho pagou cerca de 789 mil euros a uma empresa de gestão imobiliária do GES, recuperou o imóvel e revendeu as frações com uma mais-valia de mais de 4 milhões de euros.

Por exemplo, em julho de 2009, uma semana depois de Pinho ter saído do Governo, um fundo imobiliário do GES pagou 1,5 milhões de euros por duas das quatro frações recuperadas por Manuel Pinho e a mulher, segundo revelou a Visão em abril.

O alegado favorecimento da EDP

O principal alegado favorecimento imputado a Manuel Pinho está relacionada com a EDP. Desde logo, a nomeação de António Mexia para “presidir aos destinos” da principal elétrica nacional. O MP considera que Pinho acordou com Salgado a ida de Mexia (que antes tinha sido ministro das Obras Públicas do Governo de Santana Lopes) para a EDP, tendo sido o próprio ministro da Economia e Inovação a anunciar publicamente a nomeação de Mexia, “seu compadre e amigo dos tempos em que trabalhava no BES”, enfatizam os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto.

Nesse mesmo dia (5 de janeiro de 2006) em que se ficou a saber que António Mexia seria o presidente executivo da EDP, “o BES assumia em comunicado ao mercado uma posição qualificada de 2,185% no capital social da EDP. Em dezembro de 2006, essa empresa já representava a segunda maior exposição acionista do BES a nível internacional e a maior em Portugal (superior à que ocorria na PT). Tal decorre do relatório e contas de 2006 do BES”, lê-se no despacho de indiciação.

O objetivo central, diz o MP, foi o alegado conjunto de benefícios de Manuel Pinho à EDP que provocaram um alegado prejuízo de cerca de 1,2 mil milhões de euros, “bem como uma distorção da concorrência, nomeadamente ao criar as condições para a EDP manipular as ofertas dos serviços de sistema entre 2009 e 2013, com consequências ainda bem manifestas para o sistema elétrico nacional”, afirmam os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto.

Caso EDP: uma história de poder, suspeitas de corrupção e portas giratórias

No centro dessa suspeita está a legislação que promoveu uma mudança profunda no fornecimento e distribuição de eletricidade com o fim do regime dos CAE – Contratos de Aquisição de Energia (celebrados em 1996) e a criação dos novos contratos em regime de Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC). A saber:

  • 32 contratos celebrados em 1996 assinados com a Companhia Portuguesa de Produção de Eletricidade (posição herdada pela EDP) sobre 27 centrais hidroelétricas (barragens) e cinco centrais térmicas passaram do regime CAE para o regime CMEC;
  • E abriu-se um processo de extensão da concessão do Domínio Público Hídrico (DPH) pela exploração das 27 barragens desde o fim da vigência dos CAE até ao fim da vida útil dessas barragens.

Os alegados benefícios ilícitos concedidos à EDP foram quantificados por diversas entidades públicas, como a ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, a Autoridade da Concorrência (AdC) e empresa REN – Rede Elétrica Nacional (que em 2006 era uma empresa pública e regulador do mercado) em diversos relatórios produzidos entre 2004 e 2012.

Como é que o MP chega ao número de 1,2 mil milhões de euros? Da seguinte forma (e com base em contas da ERSE, da AdC e da REN):

  • 339,5 milhões de euros – sobrevalorização do valor inicial dos CMEC como compensação pelo fim dos 32 contratos CAE celebrados em 1996;
  • 852 milhões de euros – valor da extensão da concessão do Domínio Público Hídrico (DPH) que a EDP não pagou pela continuação da exploração de 27 barragens, seguindo a avaliação da REN;

A estes dois benefícios alegadamente ilícitos que o Ministério Público imputa ao Governo de José Sócrates, acresce ainda um terceiro, igualmente concreto:

  • 55 milhões de euros – valor de Taxa de Recursos Hídricos que, por despacho governamental de Manuel Pinho, foi considerado pago no âmbito do procedimento do valor da extensão da concessão do DPH, mas que os peritos entendem que deveria ter sido cobrado.

“Um processo muito pouco transparente” – podia ser o título de um livro sobre este caso EDP, mas é mesmo uma frase escrita pelos peritos do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) da Procuradoria-Geral da República (PGR) no relatório que apresentaram em junho de 2015 e que explica em pormenor todos estes alegados favorecimentos que são recordados no despacho de indiciação do MP.

Os 227 mil euros por reunião no BES África e a Ryder Cup

De acordo com o despacho de indiciação do MP, Manuel Pinho terá continuado alegadamente a beneficiar a família Espírito Santo depois de ter saído do Governo de José Sócrates.

Em 2010, por exemplo, Pinho liderou a Comissão Executiva da candidatura portuguesa à organização em 2018 da Ryder Cup — uma das provas mundiais mais prestigiadas de golfe. O MP acusa o ex-ministro da Economia de ter beneficiado o GES. “Assim que foi convidado” para liderar a candidatura à Ryder Cup de 2018, “Manuel Pinho acordou novamente com Ricardo Salgado que no exercício dessas funções públicas influenciaria no que se revelasse necessário para a escolha da Herdade da Comporta”, lê-se no despacho de indiciação.

De facto, foi o que veio a acontecer — sob protestos intensos da região de turismo do Algarve e forte críticas a Manuel Pinho, como se pode verificar aqui.

O maior pagamento que foi feito a Manuel Pinho até nem teve a ver com o saco azul do GES. Foi o BES África que lhe pagou entre junho de 2010 e dezembro de 2014 um total de 2,5 milhões de euros para se deslocar a cerca onze reuniões da administração daquela holding do GES. Os procuradores fazem mesmo questão de evidenciar que Pinho recebeu a quantia de 227 mil euros por cada reunião em que esteve presente.

Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto entendem que, devido a esse alegado benefício ao GES, o ex-ministro da Economia terá recebido cerca de 180 mil euros pelo ano em que desempenhou essas funções. Na realidade, esse valor corresponde à soma das transferências mensais de 15 mil euros da ES Enterprises para as contas das offshores de Pinho na Suíça.

Contudo, o maior pagamento que foi feito a Manuel Pinho até nem teve a ver com o ‘saco azul’ do GES. Foi o BES África que lhe pagou entre junho de 2010 e dezembro de 2014 cerca de 39 mil euros mensais para se deslocar a cerca de onze reuniões da administração daquela holding do GES. Os procuradores fazem mesmo questão de evidenciar que Pinho recebeu a quantia de 227 mil euros por cada reunião em que esteve presente, visto que não prestou qualquer serviço à empresa nem nunca teve nenhum trabalho efetivo enquanto administrador não executivo do BES África.

Isto é, o MP considera que esse cargo no BES África correspondeu ao cumprimento do alegado acordo feito entre Ricardo Salgado e Manuel Pinho de que este seria reintegrado no grupo da família Espírito Santo após sair do Governo de José Sócrates. Logo, os procuradores consideram que os cerca de 2,5 milhões de euros (mais concretamente 2.496.649 euros) pagos a Manuel Pinho correspondem a uma alegada contrapartida pelos alegados favorecimentos de Pinho à EDP e ao GES.

O patrocínio da EDP à Universidade de Columbia

Além das contrapartidas de cerca de 3,9 milhões de euros alegadamente concedidas pela GES de Ricardo Salgado, também a EDP é acusada, através do seu líder executivo António Mexia e do seu administrador João Manso Neto, de ter ajudado Manuel Pinho a ser contratado pela Universidade de Columbia entre 2010 e 2014.

Tal como o Observador já tinha noticiado, foi Manuel Pinho quem se ofereceu à Universidade de Columbia para dar aulas e quem sugeriu à prestigiada universidade norte-americana com sede em Nova Iorque que procurasse o patrocínio da Horizon, uma empresa do grupo EDP.

Os procuradores do caso EDP citam vários emails trocados entre os responsáveis de Columbia e António Mexia para indiciarem que o próprio líder da EDP estava a par das diligências de Pinho e terá discutido o nome de Manuel Pinho como professor a ser contratado com os fundos do patrocínio da EDP.

Universidade de Columbia. Manuel Pinho quis esconder patrocínio da EDP

De facto, a 21 de novembro de 2009, o professor John H. Coatsworth informou Manuel Pinho que tinha falado com António Mexia sobre um patrocínio de 300 mil dólares por ano que “permitirá contratar professores (incluindo você). António [Mexia] referiu que você e ele têm trocado mensagens nas quais você descreveu a forma como o projeto da Horizon poderia ser incluído” nos cursos a criar na Universidade de Columbia. Mais tarde, a 2 de dezembro de 2009, Coatsworth informou ainda Mexia de que o patrocínio da EDP servirá também para pagar o salário de um professor e  “que a primeira pessoa a ser ponderada será Manuel Pinho”.

Também é citado um email do chefe de gabinete de António Mexia para Manuel Pinho a informá-lo antecipadamente do protocolo que virá a ser assinado com a Universidade de Columbia.

Devido a todos estes indícios, o MP considera que a contratação de Manuel Pinho pela Universidade de Columbia foi influenciada pela EDP e corresponde a uma alegada contrapartida pelos benefícios concedidos pelo ex-ministro da Economia. Daí que os procuradores considerem que os cerca de 620 mil euros que Pinho recebeu de Columbia correspondem a alegados “pagamentos indevidos”.

Os mistérios da agenda de Ricardo Salgado

Há um elemento indiciário que consta do despacho do Ministério Público que causa mais pontos de interrogação do que respostas claras: a agenda de Ricardo Salgado que foi apreendida no âmbito do processo principal do Universo Espírito Santo e que foi transmitida aos autos do caso EDP.

A ideia dos procuradores passava por confrontar o arguido com o conteúdo da agenda, o que não foi possível porque o interrogatório não chegou a realizar-se. Tudo porque Ricardo Salgado terá tido mais de 30 encontros com Manuel Pinho e a sua mulher Alexandra entre 2009 e 2012. Pelo menos, a informação sobre os encontros constam das agendas.

Algumas das inscrições registadas pela mão de Salgado, contudo, são misteriosas. Se podemos ler vários registos de almoços e jantares com “M. Pinho” ou com “Alexandra Pinho” (que trabalhou no BES), também é possível ler entradas como as seguintes:

  • “20-12-2009 — Mês 25000 euros/mês  50 fora – 50xxx”
  • “01-3-2010 — 750xxx/671277xxx António Mexia EDP (pinho)” — sendo que a “referência a Pinho e a Mexia foi apagada”, segundo o despacho de indiciação.
  • “4-2-2013 – Chamar M Pinho – Chora xxx”
  • “7-2-2013 –  Manuel Pinho – residente Eu America – ver concorrência xxx – Chora e Bloco (?)”
  • “14-2-2013 –  Ver com jackson – M Pinho residência em Miami?”
  • “23-5-2013 –  11h: Jean Luc Schneider – M Pinho – falar com J Costa BPrivée fazer declaração de serviços de consultadoria 2011 e 50% em 2012″

São perguntas que vão continuar sem resposta até Manuel Pinho e Ricardo Salgado serem interrogados pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto.

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