O Ministério Público (MP) acusa Manuel Pinho de ter sido corrompido por Ricardo Salgado enquanto ministro da Economia do Governo de José Sócrates. Salgado e Pinho foram acusados individualmente de dois crimes de corrupção ativa (Salgado) e passiva (Pinho) e de branqueamento de capitais pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto. Já o ex-ministro foi ainda acusado do crime de fraude fiscal.

Alexandra Pinho é acusado em regime de co-autoria com o marido dos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Num despacho de acusação com 574 páginas datado desta 5.ª feira, dia 15 de dezembro, os procuradores pedem que Manuel Pinho continue com a medida de coação de prisão domiciliária e deixam cair as medidas de coação de proibição de viajar para o estrangeiro e apresentações periódicas para Alexandra Pinho.

Recorde-se que a defesa de Pinho deu entrada esta quinta-feira com um pedido de libertação imediata no Supremo Tribunal de Justiça por prisão ilegal.

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Quer a mulher do ex-ministro, quer Ricardo Salgado vão ficar apenas com a medida de coação mínima.

O ex-ministro terá recebido ilicitamente, como o Observador noticiou em exclusivo em abril de 2018, uma avença mensal de 14.963, 94 euros através da sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, o famoso saco azul do Grupo Espírito Santo (GES).

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O ex-ministro da Economia terá alegadamente recebido um total de pagamentos de cerca de 3,9 milhões de euros do GES por ordens de Ricardo Salgado, ex-líder do Banco Espírito Santo (BES), para alegadamente favorecer o grupo da família em diversos dossiês, nomeadamente na aprovação das herdades da Comporta e do Pinheirinho como “Projeto de Interesse Nacional” — um ‘selo’ criado pelo Governo Sócrates que declarava determinados projetos de investimento como prioritários, com as respetivas vantagens fiscais e administrativas.

O MP explica em comunicado que os alegados benefícios destes dois empreendimentos turísticos tinham como fim a organização da Ryder Cup, uma competição internacional de golf, e que Pinho “atuou, em detrimento do interesse público, na prossecução de interesses particulares do GES/BES e de Ricardo Salgado.”

Uma boa parte dos pagamentos foram feitos a partir da ES Enterprises e circularam igualmente por outras sociedades offshore de Manuel Pinho e da sua mulher Alexandra: Tartaruga Foundation, Masete e Blackwade. Uma parte desse valor serviu para comprar um apartamento perto de Times Square, em Nova Iorque.

Já Ricardo Salgado foi acusado pela terceira vez do crime de corrupção ativa. Depois da Operação Marquês e do caso Universo Espírito Santo, o ex-líder do BES vê o MP imputar-lhe um terceiro “pacto corruptivo”, desta vez com Manuel Pinho, e também um crime de branqueamento de capitais — crimes pelos quais tinha sido constituído arguido em abril de 2018.

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Alexandra Pinho, que tinha sido constituída arguida em dezembro de 2021, foi acusada do crime de branqueamento de capitais em regime de co-autoria com o seu marido Manuel Pinho. É que, além de ter recebido cerca de 7 mil euros mensais como remuneração do seu trabalho como curadora da coleção BES Art, os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto descobriram igualmente que a mulher de Manuel Pinho recebeu mais de 263.500 euros do BES — que os magistrados entendem que eram destinados ao seu marido.

Estes são os principais acusados do processo principal do caso EDP, que termina ao fim de quase onze anos, após a abertura de um inquérito que começou com seis denúncias. Mesmo tendo em conta que a investigação só se iniciou na prática em 2014, são oito anos de uma investigação que teve muitas evoluções.

As razões para a acusação contra Pinho

Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto entendem que Manuel Pinho não poderia ter tomado qualquer decisão enquanto ministro sobre interesses do BES ou do GES por quatro razões essenciais:

  • Por ter trabalhado para o BES até 2004;
  • Por ter continuado a alegadamente receber uma avença mensal do GES de cerca de 15 mil euros durante todo o tempo em que foi ministro da Economia;
  • Por a sua mulher Alexandra Pinho continuar a trabalhar no BES durante o período em que foi ministro da Economia, tendo um salários de cerca de 7 mil euros como curadora da coleção de fotografia BES Art;
  • E por ter alegadamente recebido 500 mil euros do GES cerca de dois meses após ter iniciado as funções de ministro da Economia.

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Para fundamentarem a sua posição legal, os magistrados invocam o Código de Procedimento Administrativo, que proíbe qualquer governante ou responsável da administração pública de decidir sobre processos em relação aos quais exista “razoabilidade” para “duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão”. Ou seja, Manuel Pinho deveria ter pedido escusa sobre decisões relacionadas com o GES.

Mexia e Manso Neto continuam a ser investigados

Uma das evoluções do processo é a extração de certidão das suspeitas reunidas contra António Mexia (ex-presidente executivo da EDP), João Manso Neto (ex-líder da EDP Renováveis e autal CEO da Green Volt), João Conceição (atual administrador da empresa REN — Redes Energéticas Nacionais e ex-assessor de Manuel Pinho no Ministério da Economia) e Miguel Barreto (ex-diretor-geral de Energia).

Ou seja, do ponto de vista prático, estes arguidos vão continuar a ser investigados num processo à parte e não foram agora acusados. O mesmo acontece com Manuel Pinho, refira-se, que é suspeito de ter sido corrompido por António Mexia e por João Manso Neto.

Mexia e Manso Neto foram constituídos arguidos por suspeitas de corrupção ativa de Manuel Pinho, tal como Salgado. O MP imputou aos então líderes da EDP alegados pagamentos de 620 mil euros por via de um patrocínio da principal elétrica nacional à Universidade de Columbia. Tal patrocínio, segundo o MP, tinha como único objetivo que Pinho fosse contratado como professor por aquela prestigiada universidade norte-americana, como veio a acontecer.

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Essa terá sido uma alegada contrapartida por Pinho ter supostamente beneficiado a EDP na legislação à criação dos novos 32 contratos de fornecimento de energia, designados de CMEC – Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) mas também na extensão da concessão do Domínio Público Hídrico pela exploração das 27 barragens.

Com a ajuda de peritos da ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, a Autoridade da Concorrência (AdC) e da REN – Redes Energéticas Nacionais, o MP quantificou tais alegados benefícios em cerca de 1,2 mil milhões de euros. 

Estas suspeitas foram alvo de extração de certidão por razões que estão explanadas no respetivo despacho dos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto — despacho esse que ainda não é conhecido.

As suspeitas sobre João Conceição e Miguel Barreto

Também João Conceição, o ex-consultor de Manuel Pinho no Ministério da Economia, e Miguel Barreto, ex-diretor-geral de Energia, vão continuar a ser investigados.

O MP entende que João Conceição, atual administrador da empresa REN – Redes Energéticas Nacionais, “aderiu” em janeiro de 2007 ao “pacto” acordado originalmente entre o ex-ministro da Economia, António Mexia e João Manso Neto para conceder alegados benefícios de 1,2 mil milhões de euros à EDP. Daí ter-lhe imputado dois crimes de corrupção passiva para ato ilícito no interrogatório que decorreu a 28 de novembro de 2019.

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Mais: os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto entendem que tais alegados favorecimentos terão permitido que António Mexia e João Manso Neto “se mantivessem à frente da EDP (…), permitindo-lhes receber durante todos estes anos os inerentes salários, prémios e regalias de vários milhões de euros, ainda concretamente por determinar”, lê-se no despacho de indiciação de João Conceição, consultado pelo Observador nos autos do caso EDP.

Segundo o MP, os salários de João Conceição enquanto consultor do ministro Manuel Pinho terão sido alegadamente “suportados pela EDP” através da consultora BCG e do Millennium BCP entre janeiro de 2007 e maio de 2009.

Além dessas contrapartidas, os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto entendem ainda que Conceição só terá ganho o seu cargo de administrador da REN por Pinho, “com conhecimento e em conjugação de esforços com os arguidos António Mexia e João Manso Neto”, ter alegadamente diligenciado pela sua nomeação para a administração daquela empresa. Mexia e Manso Neto são suspeitos de terem alegadamente corrompido João Conceição.

Já Miguel Barreto, que entre 2004 e 2008 liderou a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), foi o nono arguido do caso EDP a partir do verão de 2017 por suspeitas de corrupção passiva, tráfico de influências e participação económica em negócio.

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Tal como o Observador noticiou em junho de 2017, Miguel Barreto é suspeito de ter alegadamente beneficiado a EDP por ter concedido como diretor-geral uma licença ilimitada de exploração da central térmica de Sines à EDP com a data de 28 de junho de 2007.

Mais tarde, em maio de 2008, apenas quatro meses após ter deixado de ser diretor-geral, Miguel Barreto propôs à Martifer a criação da empresa Home Energy II, SA, para operar no mercado da certificação energética e que veio a constituída com capital social de 50 mil euros, sendo o mesmo detido em 60% pela Martifer e em 40% por Miguel Barreto.

No início de 2011, a Home Energy foi vendida por 3,4 milhões de euros à EDP, tendo Miguel Barreto encaixado cerca de 1,4 milhões de euros relativo aos 40% do capital que detinha.

A questão do Príncipe

Outra questão que foi alvo de certidão para continuação das investigações foi um crime de participação económica em negócio que o MP imputa a Manuel Pinho em alegada co-autoria com António Mexia e João Manso Neto.

Está em causa um alegado favorecimento pela adjudicação da construção da barragem do Baixo-Sabor à  Odebrecht. Ou seja, a EDP foi a dona da obra e existem suspeitas de um alegado favorecimento à subsidiária nacional da construtora brasileira.

Estão em causa alegados pagamentos ilícitos de 4,7 milhões de euros que foram descobertos na contabilidade clandestina da casa-mãe brasileira da Odebrecht no âmbito do caso Lava Jato. O nome de código de quem recebeu tais pagamentos é o “Príncipe”, mas por detrás deste nome podem estar várias pessoas — cuja identidade ainda não foi possível descobrir.

Mais de 80% das luvas alegadamente pagas pela Odebrecht a propósito da construção da barragem do Baixo Sabor terão ocorrido durante o Governo de José Sócrates.

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O projeto para a construção da barragem foi oficialmente apresentado em agosto de 2007 por António Mexia e José Sócrates e foi adjudicado no ano seguinte ao consórcio Odebrecht-Bento Pedroso Construções e Lena Construções. As obras, contudo, só tiveram início em 2011.

O caso Odebrecht foi alvo de fusão com o caso EDP e é neste processo que os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto estão a investigar estes pagamentos, tendo feito uma relação entre as datas que constam na contabilidade paralela da construtora brasileira e as agendas do Ministério da Economia sobre as reunião do então ministro Manuel Pinho e do seu então consultor João Conceição — ambos arguidos pelo crime de corrupção passiva no caso EDP. No momento em que foram realizadas as alegadas transferências de 3,8 milhões de euros, António Mexia já era presidente da EDP.

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