Inundações “históricas”, rios a transbordar, deslizamentos de terras, casas parcialmente ou totalmente submersas, ruas completamente alagadas, moradores resgatados por helicópteros. As imagens são reveladoras do caos e destruição que a tempestade Boris deixou no norte de Itália, aonde chegou na quinta-feira, depois de passar pela Europa Central e de Leste: já provocou um morto, dois desaparecidos e mil pessoas deslocadas.

“Estamos a afogar-nos”. Tempestade Boris causa 8 mortos e milhares foram evacuados na Europa central e do leste

Nos últimos dias Boris afetou cidades da Europa Central e de Leste causando 24 mortes: sete na Polónia, outras sete na Roménia, cinco na República Checa e mais cinco na Áustria. Destruiu pontes, afundou carros e causou danos que custaram às famílias mil milhões de euros. De tal forma que a presidente da Comissão Europeia visitou uma zona inundada na Polónia e anunciou uma verba de 10 mil milhões de euros para ajudar os países europeus mais afetados. E esta sexta-feira Bruxelas divulgou que vários Estados-membros se mobilizaram para enviar ajuda à República Checa e à Polónia.

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Em Itália, a tempestade conseguiu encerrar vários serviços além de escolas e ligações ferroviárias. As autoridades aconselharam as pessoas a protegerem-se em casa e a evitar deslocações que não sejam necessários. Também as empresas foram recomendadas a funcionar em teletrabalho. Quatro províncias e cidades como Lugo emitiram ordens de evacuação para casas térreas.

Nas redes sociais estão a ser divulgadas imagens da força das águas, que arrastam tudo o que encontram à sua passagem e cenários de aldeias e cidades alagadas.

Já tinha havido chuvas torrenciais, nestas zonas de Emília-Romanha em Itália, em maio de 2023, que deixaram um prejuízo no valor de 8,5 mil milhões de dólares (7,6 mil milhões). Agora, para além da destruição causada, a tempestade levou ao desaparecimento de duas pessoas em Traversara di Bagnacavallo, uma aldeia na província de Ravenna, depois de o rio Lamone ter inundado as imediações.

Segundo o The Guardian, os bombeiros já efetuaram mais de 500 operações de resgate e tiveram de recorrer ao helicóptero porque as pessoas estavam a ficar presas dentro das casas e a afundar-se. A preocupação cresce. Os impactos estão a estender-se para as regiões  vizinhas como Toscana e Marche. A presidente da câmara de Ravenna, Michele De Pascale explicou à Rádio 24: “Estamos numa situação de emergência total… o evento é muito semelhante ao que tivemos em maio passado”.

Os habitantes nem querem acreditar no que se está a passar. “É impensável que, passados 365 dias, uma catástrofe como esta volte a acontecer. É um desastre constante. Está a chover há 36 horas e é uma catástrofe”, disse um dos moradores à BBC.  “Disseram-me que onde temos damasqueiros, há três metros de água por cima.. Imaginem isso. Três metros de água”, relata um outro residente, dando conta que as pessoas subiam aos telhados dos prédios para fugirem da água.

A Europa Central e do Leste ainda não se encontra fora de perigo, e prepara-se para enfrentar inundações devastadoras. Wroclaw, na Polônia, espera uma grande enchente do rio Oder. O governo polaco, sob a liderança de Donald Tusk, mobilizou 16.000 soldados para reforçar as defesas ao redor da cidade.

Apesar das defesas de Wroclaw parecerem conseguir resistir, a cautela tem de ser máxima neste momento. O primeiro-ministro polaco enfatizou a importância de monitorizar o aumento dos níveis dos rios “com a maior precisão possível”.

E na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orbán anunciou que o Danúbio atingirá o pico em Budapeste no sábado, apesar das expectativas apontarem para um nível da água menor do que o recorde de 2013.

Mas, afinal, qual é a origem desta tempestade?

O que explica a força da Boris? Ao Observador, Pedro Matos Soares, especialista em alterações climáticas,  esclarece a origem desta tempestade: “Tínhamos um chamado vale de pressão sobre a Europa Central, que transporta uma massa de ar fria do Ártico. Ao mesmo tempo, no sul, no Mediterrâneo, temos temperaturas muito elevadas e uma atmosfera mais quente e húmida. Quando estas massas de ar colidiram, criaram um grande gradiente, o que por sua vez, formou uma frente com alto conteúdo de água, provocando assim esta precipitação intensa”.

O investigador do Instituto Dom Luiz da Universidade de Lisboa detalha ainda que a frente de água, que se estende por mais de mil quilómetros, “resultou numa ‘cut-off flow'” — um sistema de baixa pressão que se mantém estacionário, aprisionando essa massa de ar, o que agrava a intensidade das chuvas. “E por isso é que estamos a viver uma situação nos Apennines, na Emília-Romanha, em que tivemos precipitações de 300 milímetros que são valores muito elevados. E agora, em toda esta zona, que é uma zona com relevo, os rios estão todos com níveis muito elevados, e por isso é que estamos a assistir a estas inundações na região” acrescentou o professor da UL.

Texto atualizado às 11h26 do dia 24 de setembro com as declarações de Pedro Matos Soares