O ex-ministro da Saúde Manuel Pizarro disse esta quarta-feira que na passagem de pasta alertou que era necessário responder à situação dos helicópteros de emergência médica com urgência, considerando que não há outra solução que não seja aumentar o valor base do concurso.
Ouvido na Comissão Parlamentar de Saúde sobre o INEM, a pedido do PSD, Manuel Pizarro disse que chamou a atenção para a necessidade de alterar a resolução do conselho de ministros que define os valores do concurso, para se poder aumentar o valor base, uma vez que o concurso de janeiro “ficou deserto”.
“Estou até curioso para saber quais são as soluções alternativas que vão ser encontradas. Algumas delas, segundo tenho lido, até bastante miríficas”, afirmou.
O ex-governante disse que nas consultas efetuadas ao mercado, o Governo e o INEM estavam convencidos de que o aumento (+60% do valor) que já tinha sido autorizado “era suficiente” para encontrar alguma empresa, mas que o resultado do concurso de janeiro mostrou o contrário.
“Não havendo decisão até final de junho [quando terminou o anterior contrato], o doutor Luis Meira [ex-presidente do INEM] decidiu pelo ajuste direto“, afirmou o responsável, recordando a posição do Tribunal de Contas sobre esta decisão.
Em agosto, o Tribunal de Contas concedeu visto ao contrato por ajuste direto com a empresa Avincis, no valor de 12 milhões de euros e com a validade de um ano, para o fornecimento de helicópteros de emergência, mas deixou recados à tutela para atribuir as verbas necessárias.
Ao dar luz verde ao ajuste direto, o tribunal ilibou o INEM de responsabilidades neste processo, avisando ainda o Ministério da Saúde para assegurar no futuro as condições financeiras necessárias ao instituto para abrir um concurso com o preço em linha com os valores que são praticados no mercado.
Sobre a opção futura, Manuel Pizarro disse não ter dúvidas de que é necessário aumentar o valor base do concurso, afirmando: “o concurso de 2024 mostrou que não há resposta no mercado por esse valor”.
Quanto às alternativas para garantir o transporte aéreo de emergência que têm vindo a público pela comunicação social, que admitem inclusive a colaboração da Força Aérea, disse: “ficaria surpreendido que venham a funcionar, mas o que interessa é servir o interesse dos portugueses”.
Questionado sobre se achava aceitável que se tivesse transferido 90 milhões de euros em 2020 do INEM para o combate à pandemia, Pizarro disse que tendo em conta a circunstância, a opção era “muito aceitável”.
“Não tem nada de anormal. A pandemia foi algo com que nunca nenhum de nós tinha sido confrontado na vida”, afirmou o ex-ministro, considerando que, em 2020, “as circunstancias orçamentais do país não eram tão tranquilas como as de 2023 ou até de 2024, em que se prevê um superavit”.
Além disso — sublinhou — a requisição de saldos transitados do INEM para equipamentos de proteção durante a pandemia “está de acordo com as regras”.
Sobre esta requisição de verbas, lembrou que a qualquer momento o Orçamento do Estado pode repor estes valores.
A propósito da situação financeira do INEM, referiu que nos últimos anos o valor receita cobrada pelo instituto tem aumentado, passando de cerca de seis milhões de euros, em 2020/2021, para quatro milhões, em 2021/2022, e 8,6 milhões, em 2022/2023.
“Aumentou 20% no agregado destes seis anos”, sublinhou.
Pizarro disse ainda não partilhar da análise negativa que tem sido feita sobre a qualidade do trabalho do INEM, lembrando que a atividade do instituto em 2023 foi “a maior de sempre”, com os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) a atender mais de 1,5 milhões de chamadas e a serem acionados 1.422.055 meios, o que representa 3.896/dia.
“Refuto que se possa por em causa qualidade trabalho do INEM, o que não quer dizer que não haja problemas e coisas que devem ser melhoradas, mas a imagem de que temos um mau sistema de emergência é desmentida pelos números”, concluiu.
Também foi ouvida a antiga secretária de Estado da Saúde, Cláudia Joaquim
A antiga secretária de Estado do Orçamento Cláudia Joaquim justificou esta quarta-feira a devolução de saldos das entidades da administração pública, como aconteceu com o INEM em 2020, com uma norma do Orçamento do Estado introduzida em 2015 pelo governo PSD/CDS.
“A norma que habilitou a transferência de saldos do INEM (…) é uma norma do Orçamento do Estado. Não é uma questão de racional, mas de legalidade”, afirmou Cláudia Joaquim, que foi secretária de Estado do Orçamento entre 15 de junho de 2020 a 30 de março de 2022, lembrando que, em 2015, o Governo era PSD/CDS.
Cláudia Joaquim falou depois de o ex-presidente do instituto ter dito que o INEM foi obrigado a transferir para o Ministério da Saúde 90 milhões de euros em 2020 por causa da pandemia e que isso prejudicou a gestão financeira, designadamente a renovação de frota de ambulâncias.
Questionada pelos diversos partidos, a antiga governante lembrou que, em 2020, quando a Assembleia da República aprovou o orçamento suplementar “aprovou a integração e uso de saldos dos organismos ligados à saúde no valor de 159 milhões de euros, onde estavam saldos do INEM”.
Explicou ainda que a norma em causa define que os saldos de execução orçamental das entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde – excluindo hospitais, unidades locais de saúde e centros hospitalares — “são integradas automaticamente no orçamento da ACSS” [Administração Central dos Sistemas de Saúde].
Cláudia Joaquim disse ainda que a Saúde é a área em que os saldos de receitas gerais “não são devolvidos ao Estado, mas integrados na ACSS”, sublinhando que isto permite uma “melhor gestão orçamental em cada ano”.
“Isto permite que haja gestão no Ministério da Saúde de todas as necessidades. (…). Isto significa que, se uma entidade transferiu [para a ACSS], por exemplo, saldos de 10 milhões que gerou, pode beneficiar de mais, porque estão ali saldos transitados de outras entidades”, acrescentou.
Segundo a antiga governante, isto permite “fazer face a uma gestão mais flexível”.
Lembrando que “o INEM já tinha devolvido saldos em 2016”, e questionada sobre os despachos de transferência de saldos do INEM que entraram em vigor antes da sua entrada em funções, afirmou: “admito que os despachos de início de 2020 o que fizeram foi antecipar devolução”, face ao aumento das despesas que seria previsível por causa da pandemia.
Defendeu ainda que a ideia que os saldos são propriedade das entidades “não é compatível com uma boa gestão anual”. “É por isso que há concentração de saldos na ACSS e é por isso que existem no Ministério das Finanças dotações para fazer face a receitas urgentes e inadiáveis”, acrescentou.
A ex-governante referiu que há sempre, na gestão orçamental anual, a possibilidade de “reforço do orçamento das entidades, por exemplo, para investimento” e disse que, relativamente ao INEM, nos anos em que exerceu funções, não teve qualquer “sinalização de necessidade de orçamento com dotação superior” justificando tal situação com “a cobrança de receita superior ao orçamentado e ainda mais superior relativamente à despesa efetuada”.
Cláudia Joaquim insistiu na ideia de que “quando são gerados saldos significa que a receita foi superior à despesa” e lembrou que os saldos do INEM rondaram os 14 milhões de euros em 2021, 12 milhões em 2022 e seis milhões em 2023.
Questionada sobre a utilização, denunciada pelo ex-presidente do INEM, de verbas para subscrição de títulos dívida pública, disse que a decisão foi da responsabilidade do conselho diretivo do instituto.
Já sobre a possibilidade de o Governo de que fez parte poder ter alterado a norma de 2015 (na altura da ‘troika’), respondeu: “O Governo tem capacidade para alterar normas, mas não normas da lei do Orçamento do Estado”.
“Essas, só a Assembleia da República (…) e não me recordo de sugestões de alterações de redação desta norma em concreto, o que significa que não houve propostas [dos outros partidos] de alteração desta lógica de gestão orçamental”, concluiu.