Em dia de eleições gerais em Moçambique, o Presidente cessante, Filipe Nyusi, apelou à tranquilidade durante a votação, recordando que, tal como num jogo de futebol, o vencedor só é declarado no final. Os “jogadores” também se pronunciaram: o candidato da Frelimo, Daniel Chapo, pediu um “ambiente de festa” e repetiu o pedido para que decorra sem violência, enquanto o candidato independente, Venâncio Mondlane — que procura destronar a Frelimo da presidência, lugar que ocupa desde a independência em 1975 — apelou ao voto, mas denunciou “um esquema fraudulento”. As mesmas críticas foram deixadas por Lutero Simango, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
“O jogo tem 90 minutos. Depois do apito é que se sabe qual é o resultado. Evitamos anunciar resultados antes do tempo, quando se está a jogar 15 minutos, 20 minutos, ou no intervalo, proclamar o vencedor uma equipa” disse Nyusi, que não se recandidata ao cargo nestas eleições, pouco depois de votar, às 7h05 (6h05 em Lisboa), na Escola Secundária Josina Machel, a maior do centro de Maputo. “Vocês conhecem equipas que viram o resultado à última da hora, então, por isso mesmo, temos de estar todos concentrados e não no sentido de perturbar o processo”, apelou ainda.
Com a capital a amanhecer com chuva, que classificou como uma “bênção”, Nyusi voltou a apelar à adesão dos eleitores às mesas de voto em todo o país e em nove outros países, pedindo um processo “limpo” e “transparente”. “Que tudo corra como nós, moçambicanos, queremos, para que a nossa democracia ajude ao desenvolvimento do nosso país (…) Pedir também que não haja um grupo de cidadãos a ameaçar os outros, a ameaçar. Que tudo aconteça dentro da paz e da tranquilidade”, insistiu.
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Os apelos de Nyusi foram repetidos por Daniel Chapo, o candidato presidencial do seu partido, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), que pediu que o “ambiente de festa” da campanha das eleições gerais continue na votação e que o processo eleitoral siga “sem violência”.
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“Conseguimos perceber que durante a campanha eleitoral todos os moçambicanos estiveram em festa, por isso a campanha foi ordeira, pacífica, sem violência. E o nosso apelo é que continuemos assim durante o dia de hoje [quarta-feira] e mesmo depois de encerrar as urnas e durante o processamento dos resultados, ou melhor, a contagem, mas também depois da divulgação dos resultados”, disse o candidato, após votar em Inhambane, sul do país.
“Que seja um momento de festa para todos moçambicanos, do Rovuma ao Maputo, dos 30 anos da democracia multipartidária e que todos nós possamos chegar ao fim e dizer que estas eleições foram eleições livres, justas e transparentes”, sublinhou em declarações aos jornalistas, após a votação, cerca das 7h30 locais (6h30 em Lisboa).
Daniel Chapo, um dos quatro candidatos à sucessão de Nyusi, reforçou o apelo ao voto: “Agradecer a toda a população moçambicana por esta oportunidade que temos hoje, que é um direito e ao mesmo tempo um dever, de ser eleito e de eleger. Pedir para que todos eleitores possam-se fazer hoje às urnas para exercerem este direito de votar e aqueles que também vão ser eleitos também têm este direito”.
“Não fiquemos em casa, que não haja abstenções, que todos aqueles que se recensearam, que estão em idade eleitoral possam se deslocar de casa ou de qualquer outro local onde se encontram para irem votar, tanto a nível nacional, como aqueles nossos irmãos que se encontram na diáspora”, acrescentou Chapo.
Dos apelos da Frelimo às críticas da oposição:
Contrariando as afirmações animadoras de Nyusi e Chapo, o candidato presidencial Venâncio Mondlane afirmou estar montado a nível nacional um “esquema fraudulento”, descrevendo um cenário de “banditismo eleitoral”, ainda que, mesmo assim, tenha apelado ao voto.
“Temos cadernos adulterados, temos muitos casos de delegados da candidatura do Podemos que estão a ser proibidos de se fazer à sala. Temos vários casos em que não se emitiram credenciais em número suficiente. É isto, está montado aqui um sistema mais do que perfeito para se operacionalizar uma fraude”, afirmou, após ter votado em Maputo, na Escola Primária 25 de Setembro.
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Ainda assim, Mondlane assegurou não ter “nenhum receio” em relação à base social de apoio. “Se votarmos em massa, mesmo que eles façam todos os truques que estão aqui a fazer, mesmo que eles façam todo este esquema fraudulento, babilónico, de desvirtuar a vontade do povo, se nós votarmos em massa nós temos a possibilidade de que a vontade popular não seja adulterada”, sustentou, expressando ainda esperança em que seja feita história nestas eleições. “Hoje é um dia fulcral para o nosso futuro. Eu penso que é um momento histórico. (…) A história está ansiosa, anunciando uma transição geracional, uma alternância democrática”, acrescentou.
Em pouco menos de um ano, o antigo militante da terceira força no parlamento (MDM) candidatou-se ao Município de Maputo pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), foi impedido de concorrer à liderança do maior partido da oposição e lançou uma candidatura independente ao mais alto cargo da nação, procurando destronar a Frelimo.
Os receios de Mondlane acerca de possíveis fraudes eleitorais ouviram-se também pela voz da plataforma de observação eleitoral Sala da Paz, constituída por observadores moçambicanos e internacionais, que considerou que a fraca presença de delegados de candidatura dos partidos políticos pode afetar a transparência das eleições.
“A Sala da Paz entende que a fraca presença de delegados de candidatura, se não for corrigida nas próximas horas, pode limitar os partidos políticos de acompanhar o processo de forma detalhada, o que pode, de alguma forma, afetar a transparência do processo”, refere a entidade, em comunicado, em que avalia o ambiente de abertura das assembleias de voto.
O candidato presidencial e líder do MDM, Lutero Simango, também denunciou que elementos indicados pelo seu partido, representado no parlamento, estão a ser impedidos de estar nas mesas das eleições gerais, configurando uma “fraude”.
“A recusa da presença dos elementos do MDM e recusa de entrega das credenciais aos nossos delegados só cheira a fraude. Por isso, quero informar a todos que nas próximas horas eu pessoalmente vou deslocar-me para todas as mesas nesta cidade de Maputo, para ter a certeza que estão lá os meus elementos. E continuando assim esse processo até ao fim do dia só significará fraude, fraude, fraude”, disse Simango, em declarações aos jornalistas pouco depois de votar, na capital, cerca das 07h30 locais (6h30 de Lisboa).
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A Sala da Paz diz que das 3.297 mesas de voto visitadas pelos seus 800 observadores eleitorais, 2.982 mesas (92.8%) tinham pelo menos um delegado de candidatura. A Frelimo, partido no poder, está presente em mais mesas eleitorais, num total de 2.709 (82,6%), seguida pela Renamo, 2.016 mesas, (61,1%), Podemos, 1.659 mesas, (50,3%), e pelo MDM, 1.428 mesas (43,3%), refere a Sala da Paz.
“Os restantes partidos políticos mostraram fraca presença dos seus delegados de candidatura nas mesas de votação”, diz-se na nota. A Sala da Paz salienta que, de um modo geral, das 3.297 mesas visitadas pelos seus observadores, 2.709 (82,7%) abriram pontualmente, cumprindo o que está previsto na legislação eleitoral, as restantes mesas, 567 (17,3%) abriram muito depois da hora e 42 não estavam abertas.
“Relativamente às causas dos atrasos, destacam-se motivos organizacionais tais como: demora na chegada de material de votação, verificação de documentos, demora na colocação de selos nas urnas antes do início de votação e lentidão dos membros das mesas de voto”, assinala-se no comunicado.
Mas, no geral, “os observadores da Sala da Paz, no terreno, caracterizam o ambiente à volta das mesas de votação como calmo”.
As eleições gerais desta quarta-feira incluem as sétimas presidenciais – às quais já não concorre o atual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que atingiu o limite constitucional de dois mandatos – em simultâneo com as sétimas legislativas e quartas para assembleias e governadores provinciais.