Aumentos para funcionários públicos e pensionistas, aumento do salário mínimo, contratos de arrendamento por dez anos ou o fim total das propinas. Estas são só uma parte das 14 propostas que o PCP apresentou no encerramento das suas jornadas parlamentares, para tentar alterar o Orçamento do Estado. Tudo enquanto assegurava que, mesmo que o Governo não páre de avisar que praticamente não há margem para aprovar propostas de alteração, há “recursos” suficientes para isso — pode é faltar vontade política.
Na sua intervenção final nestas jornadas, dedicadas ao processo orçamental, a líder da bancada comunista, Paula Santos, fez uma lista das propostas com que o PCP vai avançar na fase de especialidade, se o Orçamento lá chegar (sendo aprovado num primeiro voto, o do generalidade). Desde logo, os aumentos em 15% para a Função Pública, com um valor mínimo de 150 euros, e a aceleração da subida do salário mínimo, que o PCP quer antecipar para mil euros em janeiro de 2025 — e não em 2028. Também para as pensões ficaria previsto um aumento de 5% (mínimo de 70 euros).
Mas as propostas vão mais longe e tocam várias áreas: o PCP critica a ausência de medidas para fixar profissionais no SNS e volta a propor um regime de exclusividade voluntária que majore em 50% a remuneração base e em 25% na contagem do tempo de serviço para os efeitos de progressão; critica também as medidas “avulsas e limitadas” para combater a falta de professores e propõe um apoio à habitação de até 700 euros para professores deslocados, a somar a um apoio à deslocação; quer acabar com as propinas em todos os cursos, mestrados e doutoramentos; garantir contratos de arrendamento com duração de dez anos e limitação do aumento do valor e voltar à proposta de que sejam os lucros da banca a suportar os efeitos das altas taxas de juro.
Além disso, o PCP volta a mais uma das suas bandeiras para propor de novo a criação de uma rede pública de creches que disponibilize 100 mil vagas até 2028 e mais 148 mil até 2030; uma rede pública de lares para idosos com 80 mil vagas até 2026; adotar “medidas de emergência” para garantir a aquisição de material para a CP e desbloquear a contratação de trabalhadores para as empresas do Estado.
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Em termos de “justiça fiscal”, como já tinha antecipado, o partido quer voltar a tentar reduzir a taxa do IVA da energia (que foi reduzida parcialmente em junho, numa votação que uniu quase toda a oposição no Parlamento) para o valor mínimo, de 6%, e eliminar benefícios fiscais em sede de IRC “que para 2025 se estima que atinjam 1800 milhões de euros”. E quer garantir que os lucros gerados em Portugal são efetivamente tributados em Portugal, impedindo as empresas de poderem beneficiar de regimes fiscais mais favoráveis ao colocar sedes noutros países.
Ora dado que boa parte das medidas, cujo custo o PCP não especificou, teriam um impacto orçamental relevante e que o Governo já foi avisando que a margem para acomodar novos propostas será praticamente nula, os comunistas foram questionados sobre como se garantiria o equilíbrio das contas públicas caso estas propostas fossem adotadas. E a líder da bancada respondeu em duas frentes: por um lado, há medidas que o PCP apresentou — nomeadamente a eliminação de benefícios fiscais ou a tributação obrigatória de lucros gerados em Portugal — que permitiriam arrecadar receita.
Por outro, o PCP critica o princípio de “trabalhar para um único objetivo, que é o excedente”, que vê plasmado neste Orçamento. E garante que o problema “não é de recursos” — exemplificando que há 1500 milhões previstos para garantir as Parcerias Público-Privadas — mas de “vontade política”. Ter “responsabilidade” passará não por garantir que o excedente se mantém, mas por “dar resposta aos problemas”, atirou Paula Santos.
Durante a intervenção, a líder dos deputados comunistas aproveitou ainda para criticar o conteúdo do Orçamento. Desde logo, pegando no IRS Jovem, prova de “injustiça fiscal”, sentenciou, e uma forma pouco eficaz de travar a fuga de jovens para outros países — muitos estão isentos de IRS, pelo que a situação só melhorará com salários mais altos, avisou.
Por outro lado, insistiu, a argumentação dos partidos de direita sobre “a redução do IRC ser essencial para captar investimento” não passa, para o PCP, de um “mito”: “Os dados estatísticos revelam que em muitos dos países com maior índice de desenvolvimento humano, os salários são mais elevados e a tributação sobre a capital é superior”.
O PCP critica ainda o investimento público em Portugal, inferior à média dos países da UE, e a degradação dos seviços públicos. Mas também a “falta de soberania orçamental”, que já na tarde anterior tinha sido amplamente discutida, numa sessão com economistas sobre o Orçamento do Estado, e em que se ouvira Paulo Coimbra dizer que os “burocratas” de Bruxelas “dizem ao país quanto dinheiro pode usar” e que o país “transfere o poder soberano de decidir como se governa para a UE”, ou Carlos Graça a defender que o país aceitou “eutanasiar-se” perante as ordens de Bruxelas.
Paula Santos insistiu neste ponto: “Cada vez mais o que é central nas decisões orçamentais não é decidido em Portugal, mas pelas instituições da UE. Estamos a assistir à subordinação do Governo às imposições da União Europeia e do Euro”, criticou, acusando o Governo de se focar em prioridades erradas, como a redução da dívida sem que se aposte num aumento da produção nacional e do crescimento económico.
Voltando a juntar a direita e o PS — cujas políticas da maioria absoluta se prolongam, para o PCP, neste Orçamento — no mesmo saco, a deputada rematou: “Este é um orçamento que não serve o povo, nem serve o país”. O voto contra do PCP não seria surpresa mas ninguém, mas foi justificado a fundo durante estes dois dias — que o PCP também usou para se distanciar de qualquer partido (leia-se PS) que pondere viabilizar o documento.