Os obstetras que aceitem fazer horas extraordinárias nos serviços de urgência do SNS vão ser compensados com um reforço do valor pagos por cada hora de serviço já a partir de janeiro. Por outro lado, o Ministério da Saúde prepara-se também para criar um incentivo — com base num conjunto de indicadores — a atribuir às equipas obstétricas (constituídas por obstetras, pediatras, anestesistas, enfermeiros e auxiliares) de forma a fixar os profissionais no SNS. As duas medidas fazem parte de um plano para tentar estancar a ‘sangria’ de profissionais desta área do setor público para o setor privado.
“O valor da hora/extra dos obstetras vai ser aumentado por categoria profissional”, confirmou ao Observador fonte do Ministério da Saúde, salientando que esse valor ainda não está definido e só será discutido no final desta semana, numa reunião com a secretária de Estado da Gestão da Saúde, Cristina Vaz Tomé. O que já é certo é que cada grau da carreira médica terá direito um valor/hora diferente pelo trabalho extraordinário prestado — isto é, os assistentes graduados (o segundo grau da carreira) receberão mais do que um médico assistente (o primeiro patamar) e menos do que os assistentes graduados séniores (o terceiro e último nível da carreira).
Por outro lado, o Ministério da Saúde vai também avançar com uma outra medida nesta área: um modelo de incentivos às equipas de Obstetrícia — que serão aferidos a partir de indicadores assistenciais e outros. “A partir de janeiro, teremos um modelo de incentivos para fixar os profissionais da Obstetrícia no SNS“, diz ao Observador Alberto Caldas Afonso, o presidente da Comissão Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente (CNSMCA), a comissão nomeada em julho pela ministra da Saúde, Ana Paula Martins, para apresentar medidas na área da Obstetrícia e da Pediatria (duas das especialidades onde é mais visível a carência de médicos no SNS).
Equipas receberão incentivos com base em indicadores
O incentivo às equipas de Obstetrícia vai ser aferido a partir de um conjunto de indicadores que está a ser ultimado, num trabalho conjunto entre a Comissão Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, o Ministério da Saúde e a Administração Central do Sistema de Saúde. O modelo vai ser semelhante ao que já existe nas Unidades de Saúde Familiares modelo B, em que os médicos de família têm um incentivo associado ao desempenho, baseado em indicadores. Na Obstetrícia, também “haverá uma série de indicadores que, sendo atingidos, permitem majorar o vencimento” dos profissionais. Um deles está relacionada com a taxa de cesarianas.
No entanto, no caso da Obstetrícia serão adicionados outros critérios para a definição dos incentivos (não relacionados com o desempenho nem com a qualidade dos cuidados), que vão beneficiar mais os hospitais com maior carência de profissionais e mais afastados dos grandes centros urbanos. Entre estes parâmetros estão, segundo fonte do Ministério da Saúde, o número de partos, a complexidade do hospital, o número de elementos nas equipas e a distância da unidade hospitalar aos grandes centros urbanos.
Encaminhadas para os privados 32 grávidas nos primeiros dois meses do ano
“Temos de perceber que um incentivo no interior não tem de ser o mesmo dos grandes centros. Há características próprias nesses território que têm de ser valorizadas”, realça Caldas Afonso, acrescentando que os indicadores “têm de ser suficientemente latos para não prejudicarem nenhum dos profissionais” do SNS abrangidos.
O objetivo de ambas as medidas é aumentar a disponibilidade das equipas de Obstetrícia para prestarem serviço no SNS, tornando menos aliciante a saída para os hospitais privados e atraindo os profissionais que já saíram dos hospitais públicos. “Sem estes incentivos, é difícil podermos estimular o regresso dos profissionais ao SNS e fixá-los no SNS. O que é importante é o compromisso de manter a atividade“, diz o pediatra Caldas Afonso, lembrando que, à semelhança da Pediatria, a Obstetrícia “é a especialidade em que mais profissionais têm saído do SNS”. Fonte da tutela concorda e revela que o objetivo do Governo é aproximar os valores pagos pelo trabalho extraordinário no público ao que é oferecido pelos hospitais privados. “Se os médicos receberem um valor semelhante, acreditamos que não saiam e que até possam voltar”, diz a mesma fonte.
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Medidas avançam em janeiro e fazem parte de plano para reorganizar cuidados
Desta forma, as duas medidas (aumento do valor/hora aos obstetras e um incentivo financeiro às equipas) são vistas pela tutela como soluções de caráter estrutural para fixar e atrair profissionais para o SNS e deverão ter um impacto orçamental significativo no montante destinado à área da saúde no próximo ano. “Isto envolve alguma despesa, tem de ter enquadramento orçamental”, admite o presidente da Comissão Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, referindo-se aos incentivos às equipas.
As duas medidas vão entrar em vigor no início do próximo ano, precisamente quando deixar de vigorar a portaria (aprovada em julho) que estabeleceu o pagamento de um suplemento — que pode variar entre 40 e 70% do ordenado-base — aos médicos do SNS que aceitem fazer pelo menos mais 40 horas em serviço de urgência para lá das horas extraordinárias exigidas por lei.
Ao avançar com um reforço do valor/hora pagos aos médicos e com os incentivos às equipas, o Ministério da Saúde deixa cair definitivamente a ideia de avançar com um pagamento às equipas obstétricas tendo por referencial os número de partos realizados acima da média por cada hospital. Uma medida que chegou a ser equacionada, mas que acabou por não ser bem recebida pelos médicos obstetras — que consideraram o valor (de 750 euros) demasiado baixo. “Durante as auscultações, percebeu-se que não iria ter impacto, porque o valor seria a dividir por muitos profissionais”, diz fonte ministerial.
Assim, as duas medidas estão inseridas, argumenta fonte do Ministério, no último ponto da área “Bebés e Mães em Segurança” do Plano de Emergência para a Saúde, numa medida denominada “Estabelecimento de novas estruturas organizacionais para blocos de parto/Obstetrícia”, e que está classificada como estruturante no documento apresentado em maio. O objetivo, esclarece fonte da tutela, é criar novas estruturas organizacionais baseadas num modelo de pagamento alternativo. “A Obstetrícia é um problema diferente e para problemas diferentes temos de arranjar soluções diferentes“, argumenta.
Ou seja, ao mesmo tempo que tenta garantir o funcionamento das urgências obstétricas (de modo a não encerrar definitivamente nenhum serviço), o Ministério da Saúde vai também avançar com as urgências referenciadas, em que as grávidas terão de passar por uma triagem — feita por um enfermeiro especialista de Saúde Materna e Obstétrica — antes de serem vistas por um médico obstetra. Se o enfermeiro considerar que não se trata de uma situação emergente, a utente é referenciada para uma consulta programada. “Quando o enfermeiro especialista achar que a pessoa não precisa de cuidados urgentes, a pessoa é encaminhada para uma consulta aberta nas 24 horas seguintes. Se puder esperar até 48 horas, é encaminhada para o centro de saúde”, diz fonte do ministério.
Uma das vantagens, explica a mesma fonte, é que este modelo permite desviar médicos com mais de 55 anos (que estão dispensados de trabalhar em serviço de urgência e representam quase metade dos 76o especialistas em Obstetrícia que trabalham no SNS) para as consultas abertas, dando resposta a múltiplas situações que hoje sobrecarregam as urgências de Obstetrícia e podem ser resolvidas num outro serviço ou até através de cuidados que a própria pessoa pode assegurar.