Durante a madrugada desta segunda-feira, na Cova da Moura, Amadora, um homem foi baleado por um agente da PSP, na sequência de uma perseguição policial, acabando por morrer. Já esta noite, um grupo de 30 pessoas incendiou vários caixotes do lixo no bairro do Zambujal, onde morava o homem morto a tiro. Um vídeo amador, gravado dentro do bairro e divulgado pela CMTV, mostra mesmo alguns moradores a atirarem objetos contra a polícia.

Em vídeos partilhados nas redes sociais, pode ler-se que os atos são de “retaliação”. A PSP cercou o bairro, bloqueando as entradas. Uma residente do bairro relatou àquela televisão que foram ouvidos vários tiros, com alguns deles disparados pela PSP.

Um autocarro da Carris Metropolitana ficou com vários vidros partidos depois de ter sido atingido por pedras, confirmou aos jornalistas o motorista que o conduzia. Dentro do veículo, que terminaria o percurso na Cova da Moura, seguiam alguns passageiros que não sofreram ferimentos.

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À meia-noite a subcomissária da PSP Ana Ricardo confirmou “situações de desordem” no Bairro do Zambujal e salientou que houve uma “reação violenta” contra os agentes da PSP que entraram no bairro para escoltar os bombeiros que iam apagar os focos de incêndio. A responsável da PSP detalhou aos jornalistas que os agentes foram recebidos com “arremesso de garrafas e pedras”, ao qual responderam com “tiros para reposição de ordem pública”. Depois disso, as equipas de intervenção rápida e do corpo de intervenção da PSP entraram no bairro do Zambujal, pelas 22h30.

Ana Ricardo referiu que não há, para já registo de feridos nem detidos. O dispositivo policial vai manter-se no bairro do Zambujal “pelo tempo que for necessário”, disse a subcomissária. “Pedimos calma e não vamos tolerar comportamentos de uma minoria que ponham em causa a maioria”, avisou.

De acordo com o Correio da Manhã, a PSP e a GNR estarão já a reforçar a segurança e, a título preventivo, a colocar equipas de intervenção em esquadras perto de vários bairros da zona de Lisboa e da Margem Sul, com o objetivo de evitar o efeito de cópia.

Esta manhã, segundo confirmou à Rádio Observador o subintentendente da PSP Sérgio Soares, a PSP mantinha a monitorização não só dentro do bairro, mas também em todo o concelho da Amadora. A mesma fonte confirmou que não houve quaisquer detidos durante a operação durante a noite — nem ninguém ficou ferido.

Por volta das 2h00 a polícia, que tinha barrado a entrada e saída do bairro, passou a normalizar o acesso às ruas e casas. Os jornalistas da CMTV entraram então no bairro e mostraram um caixote do lixo ainda a arder e vários outros a fumegar no centro de cruzamentos, vidros partidos e pedras no meio das estradas, sinais de trânsito destruídos e paragens de autocarros partidas, por exemplo. As brigadas dos bombeiros começaram na mesma hora a limpar as ruas sob a proteção da polícia.

De acordo com a PSP, o homem de 43 anos que morreu esta segunda-feira terá fugido das autoridades na Avenida da República pelas 5h43, também na Amadora, e dirigiu-se para o bairro da Cova da Moura. “No interior do bairro, o condutor entrou em despiste, abalroando viaturas estacionadas, tendo o veículo em fuga ficado imobilizado”, lê-se no comunicado emitido por esta força de segurança.

Já fora do carro, o homem terá resistido à detenção, terá tentado agredir os agentes com uma arma branca, “tendo um dos polícias, esgotados outros meios e esforços, recorrido à arma de fogo e atingido o suspeito”. O homem ainda foi transportado para o Hospital São Francisco Xavier, acabando por morrer pouco tempo depois.

[Já saiu o terceiro episódio de “A Grande Provocadora”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de Vera Lagoa, a mulher que afrontou Salazar, desafiou os militares de Abril e ridicularizou os que se achavam donos do país. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube. E pode ouvir aqui o primeiro episódio e aqui o segundo.]

Vida Justa contesta versão da polícia sobre homem baleado na Amadora

O movimento Vida Justa contesta a informação avançada pela PSP e pede “uma comissão independente para investigar as mortes em circunstâncias estranhas que ocorrem na periferia” de Lisboa. Flávio Almada, porta-voz do movimento, disse à Lusa que, segundo relatos dos moradores do bairro da Cova da Moura, “a versão da polícia é totalmente falsa”, .

Flávio Almada, morador no bairro, onde fica a associação Moinho da Juventude, na qual trabalha, diz que “a história está muito mal contada” e que se assiste à construção de “uma narrativa” que justifique a ação policial. A sua perspetiva é que o que aconteceu foram “dois tiros num trabalhador desarmado”.

Disse não ser “a primeira vez” que algo semelhante acontece na Cova da Moura referiu-se a uma “cultura de impunidade” policial, instando a PSP a “assumir a sua responsabilidade” e a desencadear uma investigação “séria e isenta”.

“Uma pessoa foi morta, não é brincadeira”, sublinha Flávio Almada, questionando: “Por que acertaram numa parte vital? Por que não deram um tiro no pé?” Para o Vida Justa, este é “mais um habitante dos bairros” morto pela polícia.

Ministério quer apurar circunstâncias da morte

A ministra da Administração Interna determinou um inquérito para apurar “as circunstâncias em que ocorreram os factos” que levaram os agentes a disparar. Em comunicado, o Ministério da Administração Interna (MAI) revela que a ministra “determinou, hoje, à Inspeção-Geral da Administração Interna a abertura de inquérito, com carácter de urgência, para apuramento das circunstâncias que envolveram agentes da Polícia de Segurança Pública (…)”.

Durante a manhã, uma nota da PSP já dizia que seriam apuradas “em sede de inquérito criminal e disciplinar” as circunstâncias do disparo, tendo a informação sido já remetida para o Ministério Público e para a Polícia Judiciária.

Reagindo à abertura de um inquérito por parte do MAI disse: “O que sabemos é que, ao longo de décadas, dizem que investigam, mas depois a vítima é transformada em agressor, julgada e condenada no espaço público, e é o morto que vai parar ao banco dos réus”, aponta. “Os habitantes dos bairros precisam de paz e não de serem assassinados”, reclama o representante do movimento, reforçando “o pedido” para ser recebido pela ministra da Administração Interna, “para que se ponha cobro ao assédio e violência policial que sofrem as comunidades”.

(Atualizada às 02h20 com mais informação )