Foi um cenário de pavor próprio do “Halloween” (Dia das Bruxas), festa que coincide com a última semana de campanha para as presidenciais dos Estados Unidos, que Donald Trump apresentou num comício em Atlanta, que acabou com metade do público inicial.

Depois do comício esgotado de domingo no emblemático Madison Square Garden de Nova Iorque, Trump voltou na última noite (madrugada em Lisboa) a território democrata, a universidade Georgia Tech na principal cidade do crucial estado da Georgia, que poderá decidir as eleições de 5 de novembro.

“Isto parece maior até do que o Madison Square Garden”, gabou-se Trump no início de uma intervenção de uma hora, para a qual entrou ao som a música rock “Proud to be an American” (“Orgulho em Ser Norte-americano), e em que misturou o discurso preparado e introduzido no teleponto com divagações, grande parte insultuosas para os seus adversários políticos, pontuadas por vídeos sobre crimes cometidos por imigrantes.

Às referências à adversária democrata, Kamala Harris, o público gritava “lock her up” (“prendam-na”), como na campanha de 2012 para Hillary Clinton. “Sejam simpáticos”, pedia Trump, cujo ar divertido evidenciava falta de sinceridade no pedido.

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No espírito do Dia das Bruxas, usou para Kamala Harris o rótulo de “fascista“, para a ex-presidente da Câmara dos Representantes Nancy Pelosi o de “ladra” e para a ex-primeira-dama Michelle Obama o de “assanhada”.

Como habitualmente, apontou o dedo à comunicação social também: “muitos ‘fake news’ lá ao fundo [da sala]… falsificadores”, afirmou em direção à zona dos jornalistas, para apupos da multidão.

Pouco depois, criticava a “demonização e ódio da campanha” democrata.

A arena de cerca de nove mil lugares, inicialmente cheia, foi-se despindo a partir de meio da intervenção, e muitos não chegaram a assistir aos vídeos passados pela campanha, com Trump no palco: dois sobre alegados crimes de imigrantes, com excertos de reportagens sobretudo da cadeia de televisão conservadora Fox News, e outro sobre militares transgénero.

Elogios teve para o bilionário Elon Musk, seu aliado político que continua a fazer campanha por Trump, e para os carros elétricos produzidos por este.

Ensejo para uma divagação sobre os malefícios dos carros a hidrogénio e como a congressista republicana Marjorie Taylor Greene ficaria irreconhecível se tivesse um acidente num carro deste género que explodisse.

Greene, que juntamente com vários dirigentes republicanos da Georgia e assessores de campanha aqueceu a multidão antes da chegada do ex-presidente, exultou por “chegar de Nova Iorque” que “esteve em brasa” na véspera com “centenas de milhares” de pessoas no comício republicano. Na realidade, a capacidade do “Garden” é de menos de 20 mil pessoas.

Conhecida por insultar e destratar jornalistas que põem em causa as suas afirmações — que incluíram recentemente o controlo do clima pelo governo para lançar ciclones sobre certas comunidades — Greene ameaçou processar os media por “dizerem mentiras”, atacou as vacinas contra a covid-19 (“estúpidas”), mas ainda teve tempo para se declarar ofendida por alguns terem qualificado o comício de Trump na véspera de nazi.

A vitória de Joe Biden na Georgia nas presidenciais de 2020 foi decisiva para a derrota de Donald Trump, mas a curta margem da mesma (perto de 12 mil votos), levou a que este rejeitasse os resultados e iniciasse um processo de contestação que foi derrotado nos tribunais, mas culminou no violento assalto ao Capitólio pelos seus apoiantes em janeiro de 2021.

Quatro anos depois, Trump continua sem reconhecer que perdeu as eleições, quando a campanha entra numa tensa reta final.

De acordo com as últimas sondagens, Trump e Harris estão praticamente empatados neste estado que tem aproximadamente a mesma população de Portugal.

Luke, 28 anos, de Atlanta, assistiu pela primeira vez a um comício presidencial, trajado a rigor de gravata e suspensórios, e afirmou-se entusiasmado com a aproximação de 5 de novembro e uma mudança política.

“Entusiasma-me que [Trump] nos tire de guerras no estrangeiro, estabilize a economia (…) com tarifas sobre produtos estrangeiros para reforçar a indústria norte-americana”, disse à Lusa o jovem.

Nick, 32 anos, também se declarou “relativamente confiante” numa vitória de Trump, até porque “o outro lado baixou o jogo recentemente” e “está nervoso”.

Nascido e criado em Atlanta, religioso e adepto da “hospitalidade do sul” pela qual a Georgia é conhecida, assume que há comportamentos de Trump com que não se identifica, e que às vezes se sente “como um forasteiro” em meios jovens da cidade tendencialmente democrata.

No exterior, o evento de segunda-feira lembrava uma gigantesca feira a céu aberto, com todo o tipo de “merchandising” de Trump à venda, desde os tradicionais bonés vermelhos “Make America Great Again” a artigos invocando episódios recentes da campanha como o atentado contra o ex-presidente na Pensilvânia – uma camisola com um gato com uma cabeleira loira dizendo “Falharam – 9 vidas, querido” — a condenação por fraude em Nova Iorque – “eu voto pelo condenado” – e até o “trabalho” numa cozinha do McDonald´s — “as melhores batatas fritas, deliciosas, inacreditáveis”.

Lá dentro, com o discurso de Trump a aproximar-se do fim e a sala a ficar despida, o pessoal de campanha mostrava-se nervoso e convidava pessoas a sentarem-se nas zonas filmadas pela televisão, conforme observou a Lusa.

“Não quer sentar-se ali?”, perguntava um elemento de campanha, apontando a um homem que se dirigia ao WC a zona por onde Trump deixaria a sala. “Olhe que ele é capaz de lhe dar ‘cinco’ ao sair”, acrescentou.

*Paulo Dias Figueiredo (texto) e Nuno Veiga (foto), da Agência Lusa