O Tribunal de Contas considera que a execução por parte da Portugália de contratos de locação de aeronaves antes do visto prévio imposto por lei foi uma ilegalidade, suscetível de determinar responsabilidades financeiras a vários gestores da companhia detida pela TAP, incluindo a ex-presidente Christine Ourmières-Widener.
A decisão conhecida esta quarta-feira resulta do facto de a Portugália ter remetido para visto prévio dois aditamentos a contratos de locação de aeronaves que já tinham sido celebrados e estavam a ser executados, nos valores de um milhão de euros e 2,1 milhões de euros, respetivamente.
Estes aditamentos estavam sujeitos à obrigação de visto prévio por a Portugália ter passado a ser uma empresa pública. O Estado ficou com a totalidade do capital da TAP, na sequência da injeção financeira feita em 2021. No entanto, a gestão da TAP e da Portugália continuaram, em algumas matérias, a seguir as regras aplicáveis às empresas privadas, situação que aliás resultou na negociação e pagamento de uma indemnização à ex-gestora Alexandra Reis, à revelia do estatuto do gestor público.
Só depois de rebentar este caso é que ficou claro para a então gestão da TAP que tinha de seguir as regras aplicáveis às empresas públicas. Apesar de algumas exceções definidas em diploma, o grupo TAP não ficou isento da obrigação de obter o visto prévio para despesas acima de um determinado valor.
No início de 2023, ainda durante a gestão de Christine Ourmiéres-Widener, começaram a ser enviados contratos para o Tribunal de Contas. E, em alguns casos, como noticiou o Observador, os contratos remetidos pela TAP e PGA para visto já estavam a produzir efeitos, o que configura uma infração financeira punível com multa. À data tinham sido devolvidos mais de 30 contratos à TAP sem visto por se encontrarem já materialmente e financeiramente executados.
O Tribunal de Contas (TdC) não identifica os gestores sancionados pela ilegalidade, mas refere expressamente “que os responsáveis pela prática desta infração são a ex-presidente e o atual presidente do conselho de administração”, identificados como B e C, “e os à data vogais do mesmo órgão F, D, E, G, H e I, respetivamente. A ex-presidente é Christine Ourmières-Widener que foi demitida da presidência da TAP por causa do caso Alexandra Reis, mas só deixou funções em meados de abril.
Mas em relação a outros visados, a decisão dos juízes é a de relevar (absolver) a responsabilidade financeira sancionatória imputada a C — que será o atual presidente do conselho de administração da TAP e Portugália, Luís Rodrigues, a H e I. Isto tendo em consideração a data de entrada em funções dos indiciados, a 27 de abril e 24 de maio de 2023.
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Com Luís Rodrigues entraram na TAP e na Portugália, os administradores Mário Chaves e Maria João Cardoso e, mais recentemente, Mário Cruz. Continuaram no conselho de administração da PGA vindos da anterior gestão Sofia Lufinha e Gonçalo Pires, que é administrador financeiro da TAP. Faziam também parte da administração da companhia até 2023 Ramiro Sequeira e Silvia Mosquera Gonzalez. O Observador já questionou a TAP e o Tribunal de Contas para confirmar quem são os visados neste processo de responsabilização financeira e quem se livra da sanção, mas ainda sem respostas.
De acordo com a lei orgânica do Tribunal de Contas, as primeira e segunda secções podem relevar a responsabilidade por infração financeira quando for evidente que a falta só pode ser imputada ao autor: a título de negligência; quando não existir recomendação prévia do TdC ou órgão de controlo interno para corrigir a irregularidade; ou por ter sido a primeira vez que é feita uma censura ao autor pela sua prática.
A decisão agora conhecida é relativa a um contrato entre a Portugália e a Bulgaria Air para a locação de aeronaves que foi assinado originalmente em abril de 2022 e que um ano depois a companhia portuguesa quis renovar. Estes aditamentos não poderiam produzir efeito antes da pronúncia do Tribunal de Contas. No entanto, indica o TdC, a Portugália deu-lhe “execução material a partir de 1 de abril de 2023 e financeira (com o pagamento de duas faturas) efetivado”. Uma fatura foi paga a 29 de março, tendo apenas sito autorizada pelo Tribunal a 12 de maio. Houve ainda outras faturas que foram efetivadas entre o final de abril e março antes do visto emitido a 13 de julho e, até alguns pagamentos foram realizados antes da remessa do pedido de visto prévio ao Tribunal.
Nos contraditórios apresentados, a Portugália e os responsáveis indiciados argumentaram, por um lado, que era “sua convicção” que os contratos não estavam sujeitos à fiscalização prévia do TdC. “Por outro lado, consideravam que estavam perante uma urgência imperiosa atenta às consequências financeiras e reputacionais da não execução destes aditamentos”.
Numa fase seguinte de contraditório, os mesmos responsáveis alegaram igualmente a “verificação de uma causa de exclusão da ilicitude (conflito de deveres), a ausência de culpa por violação de deveres de mandato ou de exclusão de culpa como a atuação em estado de necessidade desculpante, terminando com pedidos de arquivamento do processo ou de relevação da responsabilidade financeira sancionatória ou ainda de dispensa da aplicação de multa”.