O Chega inaugurou a fase de apresentação de propostas para alterar o Orçamento do Estado com medidas que podem representar uma dor de cabeça para o Governo. Por um lado, porque, como prometido, complica as contas na questão do IRC, recuperando a proposta de descida do imposto de que o Governo tinha abdicado numa tentativa de chegar a acordo com o PS; por outro, porque avança com uma proposta de aumento permanente das pensões, um ponto em que poderá estar em sintonia com a esquerda.

Nesta primeira leva de propostas de alteração — que começarão a ser discutidas em detalhe, no Parlamento, na semana de 22 de novembro, sendo o documento final votado no dia 29 de novembro — o Chega propõe um aumento adicional de 1,5% nas pensões até 1018,52 euros (dois IAS), justificando que “o Governo já admitiu que existe alguma folga orçamental para o próximo ano”. Neste ponto, o PS está a ponderar se avança com proposta própria — tendo Pedro Nuno Santos, durante o debate sobre o Orçamento do Estado na generalidade, admitido que quer ver as pensões reforçadas no próximo ano.

Como tem acontecido repetidamente no Parlamento, isto não significa necessariamente que o PS alinhe na proposta do Chega ou nos seus moldes — mas pode haver uma votação de propostas com o mesmo princípio de aumento das pensões, mesmo que em valores ou moldes diferentes, em que alguma acabe por passar. Até ver, o Governo não aceitou nenhum aumento permanente, tendo remetido para uma análise sobre a execução orçamental, durante o verão, que permita perceber se é possível atribuir um novo “bónus” aos pensionistas. Propostas para aumentar as pensões também poderão previsivelmente contar com o apoio dos partidos mais à esquerda — esta segunda-feira, o Bloco confirmou que também irá avançar com uma proposta própria sobre o assunto.

Também o IRC pode representar uma nova dificuldade para o Executivo. O Chega vai puxar pelo tema, voltando à proposta — originalmente do Executivo — para baixar o imposto, de forma transversal, em dois pontos percentuais, sendo que durante as negociações com o PS o Governo diminui a descida prevista para um ponto percentual. Ora mais à direita essa descida é vista como insuficiente; e mais à esquerda, no PS, não há disponibilidade para permitir nenhuma descida do IRC. 

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PS votará contra IRC na especialidade, mas ainda avalia se avança com proposta para aumento extra das pensões

Fica por perceber se o Chega poderia, por exemplo, acabar por viabilizar a redução proposta pelo Executivo, por representar, ainda que de forma que para o partido é insuficiente, uma descida do imposto. Já se o PSD deixasse passar a versão do Chega, isso alteraria a versão do Orçamento que o PS prometeu viabilizar — mas essa promessa já foi deixada, de forma incondicional, por Pedro Nuno Santos. De qualquer forma, para o Chega a competitividade fiscal de Portugal tem neste momento um “péssimo desempenho”, que é preciso corrigir.

As outras medidas com que o Chega avança têm a ver com bandeiras do partido ou com temas com que tem insistido relativamente a classes profissionais específicas, como bombeiros ou polícias. No caso dos primeiros, o partido de André Ventura propõe que tenham direito a um suplemento mensal remuneratório que tenha em conta o risco da profissão e a necessidade de haver uma disponibilidade permanente, “composto por uma componente variável fixada sobre a remuneração base e por uma componente fixa, em termos a regulamentar”.

No caso dos polícias, o Chega insiste no aumento do suplemento de risco para GNR e pessoal com funções policiais da PSP, assim como o Corpo da Guarda Prisional, para que não haja um “sentimento de menorização” graças aos aumentos previstos para algumas carreiras da Polícia Judiciária. O acordo do Governo com PSP e GNR, “que se traduziu num escalonamento progressivo do aumento da componente fixa destes suplementos até ao máximo de 400 euros”, não correspondeu à vontade de parte das associações de forças de segurança, lembra o Chega, que quer uma “equiparação” destes suplementos ao suplemento de missão que a PJ recebe. “É, na convicção das forças de segurança em causa, a única forma de reparar a injustiça que o Governo criou entre elas e a Polícia Judiciária”, argumenta o Chega.

Como já tinha proposto no contexto da campanha eleitoral, o Chega volta à carga com uma medida para impedir que os imigrantes tenham acesso a uma série de apoios a menos que já tenham descontado durante cinco anos para a Segurança Social em Portugal. Diz o partido que o acesso dos imigrantes a esses direitos “constitui matéria de preocupação, face ao crescente fluxo migratório”, e argumenta mesmo que Portugal se terá tornado “um destino de imigração” por estes motivos.

“Quem cá chega, independentemente de contribuir para o sistema da Segurança Social há 1 mês, 1 ano, 10 anos, ou sequer ter contribuído, todos têm o mesmo direito”, lê-se na proposta do Chega, defendendo que os imigrantes “tenham primeiro garantido a sua permanência no país com descontos durante um período mínimo de 5 anos, contribuindo para a sustentabilidade do instituto de segurança social”. Em resposta a esta medida, vários partidos têm notado que as contribuições dos imigrantes para a Segurança Social têm gerado de forma consistente um saldo positivo (este ano, até agosto, o saldo entre o que descontam e aquilo que recebem em termos de prestações sociais já ia nos 1818 milhões de euros).

O partido propõe ainda que durante o período de vigência do Plano de Recuperação e Resiliência fiquem isentos de pagamento do IMI todos os prédios urbanos de valor patrimonial inferior a 350 mil euros. “Sendo previsível que este momento de crise económica possa ter consequências ao longo do tempo, torna-se necessária a intervenção do Estado para garantir o suprimento das necessidades básicas dos seus cidadãos, como é o caso da habitação”, justifica o Chega.

IL focada nos impostos, Bloco quer retirar “cheques em branco” das mãos do Governo

No caso da Iniciativa Liberal, o foco das primeiras e simbólicas propostas teve, sem surpresas, a ver com impostos. No Parlamento, Rui Rocha detalhou o pacote de propostas dedicado aos trabalhadores independentes, incluindo a redução da retenção na fonte do IRS para 20% (o Governo propõe 23%, mas para os liberais o número é “insuficiente”); o aumento do limiar da isenção do IVA em contribuições para a Segurança Social para 25 mil euros, para quem acumula trabalho dependente e independente; a eliminação da tributação autónoma; o fim da obrigatoriedade do pagamento por conta.

A IL apresenta também um mecanismo para impedir que pessoas com “rendimentos muito baixos” paguem IRS, além de uma atualização dos escalões de IRS que recupere o que “não foi atualizado durante os Governos do PS”, e a redução do IVA da construção para 6%.

No caso do Bloco de Esquerda, que também aproveitou para anunciar as primeiras medidas nesta segunda-feira, há sinais de que a vida para o Executivo pode, mais uma vez, complicar-se. Isto porque, como os bloquistas confirmaram, está a ser preparada também deste lado uma proposta para o aumento das pensões, juntando-se — tal como o PCP, que já vinha pedindo que a situação dos pensionistas fosse melhorada — ao grupo de partidos que estarão dispostos a aprovar uma medida neste sentido.

Além disso, o Bloco vai propor a eliminação da autorização legislativa “inaceitável e inadmissível” que o Governo pede para mexer na lei do trabalho em funções públicas. “Há um problema de transparência e de confiança, porque PSD e CDS têm um histórico de mexida nestas leis e sempre que mexeram foi para reduzir direitos”, explicou o líder parlamentar bloquista, Fabian Figueiredo.

“A discussão deve ser feita de forma transparente, não procurando um cheque em branco para depois ter todo o poder para alterar a lei”, argumentou o deputado. Já durante a discussão do Orçamento na generalidade o Bloco tinha pré-anunciado esta proposta e desafiado o PS a aprová-la — algo que deverá acontecer, uma vez que, como fonte do partido já tinha dito ao Observador, “em princípio” a intenção do partido será acompanhar o Bloco. O BE também propõe a eliminação de outra autorização, que prevê a “criação de um projeto-piloto para a revisão do sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública”.

“O Bloco de Esquerda propõe a eliminação deste artigo porque entende que qualquer alteração ao SIADAP deve assumir a forma de proposta de lei e ser discutida e aprovada na Assembleia da República, por pertencer à sua competência exclusiva”, lê-se na proposta.