História
Há já seis anos que a rebentação se sente nesta costa. As ondas começaram a formar-se em Singapura, durante a estrelada passagem por lá, mas só agora é que trazem para a mesa o peixe e o marisco mais fresco. Primeiro foi o Isco, numas ruas mais à frente, na Travessa Bica Grande, e depois lá chegou o Orla, pescado quase à beira rio, na rua das Janelas Verdes. É aqui que o chef Hélio Gonçalves nos recebe, do outro lado de um balcão que convida a espreitar para a cozinha ao mesmo tempo que se dá um olhinho na montra, que exibe os protagonistas desta casa. São esses que fazem desta uma típica marisqueira portuguesa — mas versão moderna.
Depois de seis anos a cozinhar a ideia, o então chef executivo do Iggy’s, com uma estrela Michelin em Singapura, deu vida ao Orla no final de outubro no número 6 daquela rua de Santos. Por lá já andava há mais uns quantos pares de anos sem saber que um dia aquele espaço abobadado do século passado viria a ser seu. “Quando eu era mais jovem vinha para aqui com os meus amigos. Começávamos aqui as nossas noites”, afirmou o chef Hélio Gonçalves, relembrando como durante tanto tempo aquela foi uma zona de bares. Por curiosidade, também no espaço da Bica, onde atualmente se servem os seus petiscos, era uma cara habitual. “Eu fui cliente dos dois restaurantes. Aqui vinha numa mais de copos e no restaurante da Bica ia lá com os meus amigos jantar muitas vezes. Até mais no da Bica, temos muitas fotografias lá”.
Agora, já não há copos para beber neste antigo bar — apesar do balcão da entrada onde se preparam os cocktails. Em vez disso, nasceu aqui uma marisqueira moderna, que traz à mesa a tradição portuguesa mas com algumas influencias estrangeiras, contrastando assim com o irmão mais velho, o Isco, “assumidamente português”, descreve. Aqui, a abordagem é focada na matéria-prima, o peixe e o marisco, cuja cultura o chef trouxe de Singapura, uma vez que foi lá que aprendeu a trabalhar os dois elementos. Agora, e sem colocar grande foco na técnica, quer dar acrescentar valor à cidade de Lisboa, dando a conhecer aos clientes — que pelo Orla já muito vão passando — como o peixe e o marisco podem ser tão bem trabalhados.
Espaço
Foi bar, foi casa de fados e agora é Orla, onde termina o mar e começa a terra. É num edifício que remonta a 1938 que somos convidados a entrar. Dividido em três espaços — e com um maior a ser preparado para o futuro — o Orla manteve a arquitetura que encontrou quando aqui chegou, com os tetos abobadados e as paredes em tijolo de burro à mostra, pintadas de branco. É essa a cor que predomina ao longo de todo o restaurante e que partilha as atenções com o azul. Marinho, faz-se destacar pelos sofás da sala principal, pelos azulejos que decoram a cozinha e pelos apontamentos nas almofadas das cadeiras. Pelas paredes, há quadros com elementos marítimos que acompanham aqueles que estão dentro de água, na entrada e na sala principal. “Os aquários foram ideia minha”, confessa o chef, lembrando que, numa tradicional marisqueira, não faltam “os bichinhos dentro de água”. “Faz parte do imaginário”, comenta. São estes que chamam o público, principalmente o estrangeiro, que se inclinam sobre as grandes portas de vidro que dão para a rua e espreitam, deixando a curiosidade falar mais alto: “As crianças obrigam os pais a vir cá dentro para verem os bichinhos”. Dentro de água, as lagostas estão assim em exibição, em aquários que à primeira vista são diferentes dos habituais, uma vez que “a parte de baixo é inspirada nas traineiras de pesca e nas gaiolas de marisco”.
É esse marisco que está exposto também no balcão, que faz a divisão entre a sala e a cozinha, para onde também o cliente pode espreitar. Com uma janela para um recanto da sala, o trabalho da equipa de Hélio Gonçalves é visto sem segredos, como o chef pretende. “Quero mostrar ao cliente a dinâmica que existe na cozinha, com os nossos erros, as nossas falhas”, explicou, acrescentando que, ao ter o balcão, traz mais proximidade também para o cliente, que muitas vezes “acaba por fazer o pedido de boca para a cozinha”. Um outro ponto que destaca é a forma como dá a conhecer quem está por detrás de todo o trabalho que é apresentado nas mesas, vestidas de branco. “Enquanto chef, obviamente que para mim é mais fácil dar-me a conhecer, não é? Mas há toda uma realidade lá atrás, que é muitas vezes escondida”. Sem nada a esconder, o Orla oferece assim três zonas distintas: a entrada, com um balcão de onde não param de sair cocktails, uma sala pet friendly e uma sala principal, onde o ambiente natural e o conforto imperam, com muita luz de Lisboa a entrar pelas grandes janelas.
Comida
Do aquário para a montra e depois para a mesa, o marisco desta casa é servido fresco e, maioritariamente, à portuguesa. Como numa marisqueira tradicional, há toda uma seleção na carta, com 27 opções diferentes que começam nas ostras ao natural (seis unidades a 18€) e terminam no pargo grelhado (75€/Kg). Pelo meio, há sapateira (entre 50€ e 52€/Kg), gambas à guilho (70€/Kg), gamba fresca do Algarve (98€/Kg), percebes da Roca (160€/Kg), lavagante cozido ou grelhado (120€/Kg) e, claro, a lagosta nacional (160€). E o pão torrado? Também há e vem servido com manteiga coentrada e tapenade de galega. A acompanhar, um dos cocktails que o bartender Pedro Carlot apresenta e que são um verdadeiro guia turístico pela costa portuguesa. Cada um com o nome de uma praia, trazem até à carta a frescura e a intensidade do mar com opções como o Abano (10€), leve e com vinagre de maçã verde, o Galapinhos (10€), com whisky, e o 5 Ribeiras (10€), com fumo de alecrim que fica pelo ar.
Nas entradas, os croquetes de carabineiro (8€) chegam à mesa redondinhos, crocantes e cheios de sabor, para serem depois seguidos por sabores tradicionais, como os carapaus laminados (9,50€), o escabeche de fígados de bacalhau (9,50€) e o presunto Pata Preta Laboreia (18€). Na carta, há ainda espaço para opções mais trabalhadas que respondem pelo nome de Especiais. Começamos com o capellini de gamba da costa com molho iuzo (22€), um prato que o chef já fazia em Singapura mas que, em vez do molho iuzo, dava uso ao wasabi. “Os sabores asiáticos são sabores que puxam muito pelo palato e facilmente mascaram a comida portuguesa. E eu não quero trazer isso, eu quero que possa haver algum apontamento ao outro, como há no capellini”, explicou.
De seguida, a comida de conforto chega à mesa com a sopa rica de peixe (18€), que enche a sala com o aroma da folha de hortelã que cai sobre o leve caldo e a massa cotovelo; com o arroz malandrinho de peixe (20€), que se destaca pelo sabor a limão e manteiga; e com o prego do lombo (16€), que dentro de algumas semanas vai partilhar o nome com o prego de lavagante no qual o chef Hélio Gonçalves está ainda a trabalhar: “A minha ideia é que seja o mais português possível, com ovo estrelado e uma bola tradicional”. Já nas sobremesas, a base é francesa: há foundain de chocolate negro (6,50€), que chega quente e com uma bola de gelado de baunilha, tarte quente de maçã (5,50€) feita com massa tenra, uma assumida receita do chef, e a tarte de limão merengada (5€).
“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos (e renovados) restaurantes e cartas.