A Associação de Artistas Visuais em Portugal (AAVP) não tem queixas formais de assédio sexual, mas considera importante que se faça “um levantamento” dessas situações, atendendo às queixas “que estão a ser reveladas noutras disciplinas”.

A afirmação foi feita esta sexta-feira à agência Lusa por Paulo Mendes, presidente da direção da AAVP, que reiterou várias vezes desconhecer, quer a título pessoal, quer como presidente da direção da associação, a existência de “queixas formais de assédio sexual” de associados.

“Relativamente ao contexto global do assédio sexual, obviamente que a associação tem todo o interesse e acha que é correto que se faça um levantamento dessas situações, tendo em consideração as queixas que estão a ser reveladas noutras disciplinas”, sustentou em declarações à agência Lusa.

Na semana passada vieram a público, através da partilha de testemunhos nas redes sociais, denúncias de casos de violação, abuso sexual e assédio no meio artístico, nomeadamente na área da música, em particular no jazz.

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De acordo com o jornal Público, foram identificadas 79 queixas – “relativas a 18 pessoas sobretudo do meio musical, de crimes, do assédio sexual de menores à violação, passando pelo ‘stalking’ (perseguição) e ‘stealthing’ (não-utilização de preservativo sem consentimento do/a parceiro/a)” — em ’emails’ de denúncia criados na sequência da acusação da DJ Liliana Cunha, conhecida no meio artístico como Tágide, contra o pianista de jazz João Pedro Coelho.

O músico João Pedro Coelho refutou as acusações e reclamou “total inocência”, numa publicação no Instagram.

Paulo Mendes defendeu a necessidade de as queixas “serem tomadas a sério”, “do ponto de vista social e do ponto de vista transversal” por se reportarem, sobretudo, à academia. “Várias, umas públicas e outras não públicas, sussurradas nos corredores, ou queixas que são feitas por alunos e alunas às direções das escolas não são tomadas a sério, o que é bastante preocupante”, argumentou.

Lamentou que exista “um esconder, um preconceito e um receio por parte de certas pessoas de colocar as instituições sob observação pública com esse tipo de assuntos polémicos”, perante problemas que “devem ser tomados a sério”.

“Há várias outras queixas, além das públicas que nós vamos ouvindo e que vamos sabendo do ponto de vista dos contactos sociais que vamos tendo em várias plataformas diferentes”, observou.

Embora não haja queixas formais ou escritas no correio da AAVT, Paulo Mendes admitu saber de “algumas insinuações, de algumas coisas que, eventualmente, não serão eticamente muito corretas”, mas não de casos que possa considerar “especialmente graves ou preocupantes do ponto de vista da sua denúncia pública”, “porque não tiveram consequências além da incomodidade causada aos envolvidos”, nem “consequências mais gravosas”, “nem sequer foram apresentadas queixas”, afirmou.

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Paulo Mendes defende, porém, que as situações de assédio sexual “devem ser reportadas”, e que é “preciso ambiente legal para o fazer”, assim como “tratamento jurídico” desses casos.

“O ideal era haver linhas para que as pessoas pudessem fazer essas denúncias de uma forma tranquila e pacífica”, remetendo, todavia, para o facto de “a designação de assédio sexual “ser muito abrangente”, ter “muitas nuances”. Apesar de “em termos mais gerais” se saiba “o que quer dizer, há situações dúbias que são difíceis de definir”, observou.

“O que faz com que seja difícil às vezes discernir de uma maneira muito fácil e rápida até que ponto essas atitudes e essas denúncias têm que avançar”.

Por isso, considera “importante haver linhas públicas, eventualmente algumas mais especializadas”, como “uma linha telefónica ou um local de atendimento em que seja respeitada a privacidade daquilo que é dito” e em que “a pessoa se sinta confortável para denunciar essas situações”.

Paulo Mendes considera “grave e até muito grave” que qualquer pessoa ou instituição abuse do seu “lugar, estatuto, posição hierárquica ou até idade” para pressionar alguém que esteja numa situação inferior de poder.

Assim, é também “importante” que se criem “campanhas de consciencialização social transversais e do ponto de vista geracional”, “para que a sociedade perceba do que estamos a falar de uma maneira um pouco mais exata, com todas as suas nuances”, referiu, ressalvando que “há coisas que são extremamente graves e não podem mesmo acontecer”.

As campanhas “devem acontecer não só em órgãos públicos, de divulgação pública, como os meios de comunicação social, tanto escrita como audiovisual, como em disciplinas nas escolas”.

Questionado pela Lusa sobre se os canais de denúncia de assédio sexual na área artística deviam ser ou não compostos por pessoas do mesmo setor, Paulo Mendes admitiu que “se calhar, num primeiro momento, era bom que até fossem pessoas mais neutras”, face à pequenez da dimensão geográfica de Portugal e do meio cultural “pequeno e onde toda a gente se conhece”.

O dirigente da associação alertou ainda para a necessidade de o assédio sexual ser visto de uma perspetiva “abrangente”, atendendo ao “choque geracional” existente, à história e evolução civilizacional da sociedade portuguesa, de modo a não “polarizar” a questão.

“Há pessoas mais velhas que foram educadas num determinado sistema de ensino e de valores. Não interessa discutir se serão verdadeiramente péssimos e horrorosos, ou se são muito atuais e politicamente corretos. Interessa perceber historicamente que é isso que todos devemos fazer em vários assuntos da nossa sociedade”, referiu.

Não quer dizer que aquelas gerações “tenham valores corretos ou que devam permanecer”, “não estou a dizer que é preciso haver tolerância para essas pessoas”, mas sim que “é preciso perceber a história e o país e não olhar para as coisas como há umas pessoas e umas gerações que são horríveis e há outras que são incríveis porque têm uma visão completamente aberta. As coisas não são assim”, concluiu.