A organização Survival International denunciou esta terça-feira a existência de uma campanha de intimidação destinada a “branquear” uma investigação sobre abusos cometidos por uma instituição de caridade na República do Congo, ligada ao príncipe Harry, do Reino Unido.

O caso remonta ao início do ano, quando o periódico britânico Mail denunciou a existência de abusos — incluindo tortura e violação — contra povos indígenas no Parque Nacional de Odzala-Kokoua, na República do Congo, cometidos pela African Parks, uma organização sem fins lucrativos, de cuja direção faz parte o príncipe Harry, depois de ter sido seu presidente durante seis anos.

A investigação do Mail revelou então provas de inúmeras atrocidades cometidas por uma designada “milícia armada” da African Parks contra a população local Baka, acusando a organização dirigida pelo Duque de Sussex de saber “há anos” que estavam a ser cometidos abusos, sem que esse estado de coisas fosse alterado.

A Survival International, uma organização não-governamental (ONG) dedicada à defesa de povos indígenas em todo o mundo, veio esta terça-feira denunciar uma campanha de “intimidação e abusos”, que “alimentam receios” de que a investigação à atuação continuada da instituição dirigida pelo príncipe Harry seja “branqueada”, de acordo com um comunicado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A investigação em causa, entregue à Omnia Strategy, uma firma de advogados, foi lançada em 2023, na sequência das queixas apresentadas pela ONG ao príncipe Harry, assim como aos financiadores da African Parks, sobre alegados abusos cometidos no Parque Nacional Odzala-Kokoua.

“Os abusos, incluindo espancamentos, torturas e violações, foram cometidos por guardas-florestais contratados pela African Parks contra o povo indígena Baka, cuja floresta ancestral foi ocupada pelo parque. Estes abusos desencadearam um protesto mediático a nível mundial”, sublinha a Survival.

A ONG — que denunciou pela primeira vez estes abusos “há dez anos” — revela esta terça-feira ter recebido “relatos de intimidação do povo Baka por guardas da African Parks, mesmo antes do início da investigação no terreno”.

“Pelo menos duas pessoas da etnia Baka, que deram informações sobre os abusos cometidos pelos guardas, descreveram ter sido confrontadas por guardas-florestais, que questionaram os seus motivos para denunciar os abusos e as ameaçaram”, especifica o comunicado da Survival.

“Os investigadores chegaram para entrevistar as vítimas de abuso num carro da African Parks e foram acompanhados por um funcionário do Governo congolês. Este facto pode ter um efeito inibidor sobre a vontade dos Baka de falarem abertamente”, acrescenta a ONG.

A Survival alega ainda ter recebido “relatos chocantes de novos espancamentos de um grupo de mulheres e crianças Baka por guardas florestais da African Parks, que resultaram na perda de um filho por nascer de uma mulher Baka”.

Isto aconteceu enquanto a investigação estava a decorrer, o que sugere que os guardas ainda acreditam que podem agir com impunidade“, sublinha a ONG. A African Parks não se comprometeu até agora a publicar os resultados da investigação da Omnia, “nem a implementar as suas recomendações”, segundo a Survival.

A ONG chama ainda a atenção para “novos pormenores sobre a forma como a African Parks pretende ganhar milhões de dólares com a gestão de Odzala-Kokoua e outras áreas protegidas, através da venda de créditos de biodiversidade, a que chama ‘Unidades Naturais Verificáveis (VNU, na sigla em inglês)’ e créditos de carbono”.

“As nossas preocupações não foram resolvidas e, como toda a base através da qual a African Parks passou a controlar tanta terra indígena pode não ser contestada, isso significa que, seja qual for o resultado da investigação, não ajudará os Baka a recuperar as suas terras – o que é absolutamente vital para a sua subsistência, bem-estar e própria existência como povo”, lamenta Caroline Pearce, diretora da Survival International, citada no comunicado.