Dominique Pelicot, o homem que durante dez anos drogou e permitiu que a mulher — Gisèle Pelicot — fosse abusada por dezenas de homens na casa de ambos, está a ser ouvido esta quarta-feira pela última vez no seu julgamento, no Tribunal de Avignon, em França. Tem uma “única esperança”, a de que se prove que ele não abusou da sua filha, que utiliza o pseudónimo Caroline Darian.
“Mesmo que ela não me ame mais, eu ainda a amarei. Eu sei o que fiz e o que não fiz“, afirmou Dominique Pelicot, em resposta às questões levantadas pela sua própria advogada que o recordava de ter tirado as fotos à própria filha em lingerie enquanto ela dormia. “Se eu as tivesse feito, eu diria, não me lembro de ter feito essas fotos“, alega Dominique Pelicot, à semelhança do que disse no dia anterior, quando negou ter abusado da filha ou do neto.
“Não posso acrescentar nada, ela não vai acreditar em mim. Eu não peço que ele venha atrás do meu caixão. Mas é difícil quando nos deparamos com algo que não podemos provar. A única esperança que tenho é que ela possa ter provas de que eu nunca fiz nada”, apela.
Ontem, o principal arguido já tinha deposto, tendo sido interrogado pelos advogados de Gisèle Pelicot. Justificou as suas ações descrevendo a sua “fantasia” de “subjugar uma mulher rebelde”, no caso aquela com quem casou e teve três filhos. Apesar de não responsabilizar as suas agressões nos abusos que sofreu na infância, o principal arguido do caso admitiu que as violações em série que promoveu são uma fantasia resultante, segundo o próprio, de uma violação que diz ter sofrido aos 9 anos e de outra violação em que foi obrigado a participar aos 14 anos.
Confronto entre pai e filha repete-se: “Vais acabar sozinho como um cão”
No dia anterior, Caroline Darian, filha do ex-casal Pelicot, já se tinha insurgido em tribunal contra aquele que chama de “progenitor” em vez de pai. A mulher considera que o principal agressor da mãe está a mentir quando garante não cometeu abusos contra si.
Na continuação do seu depoimento nesta quarta-feira, enquanto era interrogado por um advogado que o questionou sobre quem escolheria para “apoiá-lo durante o seu tempo na prisão”, Dominique Pelicot disse: “Isto pode fazer alguém gritar aqui, gostaria de ter minha filha a olhar-me bem nos olhos. Dói-me vê-la assim, ao contrário do que ela pensa.”
“Vai dizer isso aqui, eu nunca iria vê-lo. Teve muitas oportunidades. Vais acabar sozinho como um cão“, gritou Caroline Darian do outro lado da sala de audiências. Segundo cita a BFMTV, Dominique Pelicot ainda afirmou: “Acabamos sempre sozinhos.”
“Tu especialmente”, replicou a filha.
Defesa de Gisèle Pelicot diz que decisão de abrir julgamento ao público é “testemunho para gerações futuras”
O julgamento de Gisèle Pelicot será um “testemunho” para as “gerações futuras”, afirmou esta quarta-feira um dos seus advogados no momento do julgamento reservado para as alegações finais, com a leitura do veredito do tribunal marcada para 20 de dezembro.
“Por este gesto quase político de desistir de um julgamento à porta fechada, Gisèle Pelicot convidou toda a sociedade a questionar-se, a tomar consciência, a mudar mentalidades, para um futuro que finalmente poderá romper com uma violência que gostaríamos que já fosse de outra era”, afirmou o advogado da principal vítima, Antoine Camus.
“Gisèle Pelicot não esperava nada do acusado”, disse, acrescentando que, mesmo sem expectativas, quase todos os arguidos conseguiram desiludir a mulher que violentaram com a “indigência dos seus argumentos”, referindo a estratégia de defesa de vários homens, de entre os 47 em tribunal, que dizem ter-se deslocado à casa do casal sob a pretensão de que a mulher teria dado o seu consentimento aos atos sexuais por eles praticados.
De seguida, Stéphane Babonneau, outro elemento da defesa de Gisèle, falou diretamente para a sua cliente, que se encontrava rodeada dos seus dois filhos e filha: “Gisèle Pelicot, foste além do que se esperava de ti, passando o testemunho às gerações futuras.” Dirigindo-se ao tribunal criminal depositou a sua “esperança” no veredicto do caso que será divulgado em dezembro.
“A violação nunca foi alvo de uma rejeição tão visceral em França, mas ao mesmo tempo a sua difusão nunca foi tão fácil”, afirmou, esperando que este julgamento permita “mudar a mentalidade ancorada num imaginário masculino”.