A primeira referência escrita sobre o vinho remonta a 1321. Mais de 500 anos depois, há uma nota de prova que o descreve como forte, com muita textura, e como um dos mais conhecidos da região de Évora. Mas, é só já no século XXI que o Enxarrama volta a ganhar corpo e a ser engarrafado. Arqui-rival do Pêra-Manca, da Adega Cartuxa, é um dos vinhos com a história mais antiga documentada e volta agora a poder ser provado, pelo preço recomendado de 480 euros a garrafa.
António Maçanita é o principal responsável por esta recriação. Inspirado nos registos históricos de um tal vinho Enxarrama, feito nas margens do rio com o mesmo nome, hoje rio Xarrama, que nasce na ribeira do Louredo, em Évora, o enólogo e proprietário da Adega da Fita Preta criou “um vinho imaginado” a partir da nota de prova do engenheiro agrícola Ferreira Lapa, de 1867, e das melhores uvas do ano, provenientes de vinhas com mais de 25 anos da região de Évora e também da Oliveirinha, vizinha do Paço do Morgado de Oliveira, que Maçanita comprou em 2016. “Eu já comprava uvas a D. João Saldanha [antigo proprietário do Paço do Morgado de Oliveira] e em 2010 coloquei um vinho à parte, umas 500 ou 600 garrafas. Dá arrepios nas costas pensar que, na altura sem conectar a Oliveirinha com Oliveiro, parte dos vinhos que fazem parte deste vinho serem vinhos que vêm dali. A história conecta-se à frente de uma coisa que eu fiz atrás”, revela o enólogo em conversa com o Observador.
Lançado em setembro de 2024, o Enxarrama (2014) é feito maioritariamente de Alicante Bouschet (85%), além das castas Aragonez, Trincadeira, Castelão e Moreto. Deve servir-se a 16ºC para ser bebido a 18ºC, sendo bem harmonizado com pratos de carne intensos e queijos fortes. “Não foi uma escolha de castas, foi o melhor do ano. Fomos em busca da sensação da nota de prova, e da cor também.”
O vinho do Enxarrama é bastante tinto e encorporado, crystallino, cheiro tartoso, e não suave, de sabor quente e macio, com travo (…) bem pronunciado. Não é um vinho alcoólico, nem aromático, é um vinho forte e bastão, que bem por causa do seu tanino pode tolerar o seu volume em álcool (…) Talvez por essas rasões, quasi tanto por suas outras qualidades, é elle mais do que nenhum outro de Évora procurado para a venda a retalho nos armazéns de Lisboa”, Ferreira Lapa em 1867.
A nota de prova de Ferreira Lapa é a atual nota de prova do Enxarrama — “eu nem ponho outra”, afirma Maçanita — e foi encontrada pelo enólogo durante uma pesquisa no livro Memória sobre os processos de vinificação empregados nos principais centros vinhateiros do continente do reino. A partir daí foi escolher qual o caminho seguir: recriá-lo a partir da técnica ou a partir do sabor. Escolheu o caminho do sabor. “Eu sou um entusiasta de vinhas velhas e essa nota de prova dá-nos um descritivo quase contraditório ao que tenho encontrado nas vinhas velhas, que é vinhos mais elegantes, mais frescos, quase que nos dá uma cambalhota outra vez. O descritivo parece definir potência, sempre com finesse, mas parece definir um vinho com potência e com ostentação”, descreveu.
Escolhido o caminho do sabor, seguiu-se a vinificação. Depois de escolhidas as melhores uvas do ano, estas são depois conduzidas até à cuba de fermentação, com o tempo total de curtimenta entre 25 a 40 dias. Quanto ao estágio, esse foi de 10 anos. António Maçanita verificou o que indicava o descritivo — “que durante três a quatro anos pouco variava e mantinha-se muito fechado, muito concentrado, muito jovem” — e por isso o estágio foi prolongado, em barrica para entrar oxigénio. Seguiu-se depois um ano em cubas de 500 litros e posteriormente seis anos de estágio em garrafa. “Começámos na adega da Esquila e depois foi transferido para o Paço do Morgado”, acrescentou.
No entanto, este novo vinho ainda não é totalmente um vinho da propriedade. Esse só será produzido daqui a 40 ou 50 anos: “Até termos vinhas que tenham o potencial e a capacidade para produzir vinhos desses, vai demorar muito tempo, por isso, para já é um espírito de reabilitação.”
António Maçanita comprou o Paço do Morgado de Oliveira em 2016 e desde então tem vindo a fazer a reabilitação de um edifício — que remonta a 1304 —que lhe desperta a curiosidade de saber “o que terá sido isto?”. Por isso, montou uma equipa de historiadores e foi percebendo que a ligação às vinhas era muito íntima, que as terras da Oliveira também incluíam o Louredo, considerada a zona mais antiga de vinhas de Évora. “Fomos descascando parede. Em 2017 descubro o lagar do Morgado, o lagar do Enxarrama, estava a um metro e meio baixo de terra, que reabilitámos. Encontrámos sete portas medievais, do século XIV, três pares de janelas góticas, um lagar de vinho medieval, um lagar de azeite, do século XVI, um fresco”, lista, acrescentando que, quando começou a conectar todos os pontos, o arrepio voltou: “É um edifício que se pensava ser outra coisa, tinha uma fachada do século XIX, nós descascámo-lo todo. Estava tudo escondido ali debaixo de uma capa”.
Quanto à rivalidade com o Pêra-Manca, o enólogo justifica: “São, por ventura, os dois vinhos com a história mais antiga documentada, o que é bastante impressionante. São de 1321 a 1345. Duas edificações muito antigas que mostram que o Alentejo já cá estava há mais tempo.” Mas, a verdade é que é o próprio Ferreira Lapa que coloca os dois vinhos em confronto, em 1867: “De todos os vinhos de Évora o Enxarrama é o mais apreciado e obtém o melhor preço em Lisboa (…) ele é mais que nenhum outro de Évora procurado para a venda a retalho nos armazéns de Lisboa” (…)em Évora há outros sítios mais ou menos nomeados pelos seus vinhos; entre eles os de Pera Manca, logar que fica a uma légua a sudoeste da cidade e parece terem sido cantados por Camões”.
Onde comprar o Enxarrama (2014)
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O Enxarrama tinto 2014 tem o custo recomendado de 480 euros e pode ser adquirido na Adega Fita Preta, na loja online e nas seguintes garrafeiras:
- Garrafeira Soares
- Garrafeira Imperial
- Garrafeira Napoleão
- Garrafeira Tio Pepe
- Garrafeira Arinto Portuguese Terroir
- Garrafeira de Santos