O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) rejeitou esta terça-feira dar razão a Ricardo Salgado na queixa do ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) contra Portugal por uma suposta violação do direito a um julgamento justo e o direito à presunção de inocência.

O antigo banqueiro, que está atualmente a ser julgado no processo Universo Espírito Santo e está acusado em pelo menos mais seis processos pelo Ministério Público relacionados com o GES, argumentava que as declarações públicas do ex-governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, após o colapso do grupo tinham colocado em causa os seus direitos.

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Na conferência de imprensa da noite de 3 de agosto de 2014, quando anunciou ao país a resolução do BES, Carlos Costa declarou que tinham sido desenvolvidos “esquemas de financiamento fraudulento entre as empresas do grupo” e que tinham existido “atos de gestão gravemente prejudiciais aos interesses do BES”. Contudo, o tribunal entendeu que as declarações do ex-governador criticadas pela defesa de Salgado constituíam “repetições das informações que constam do preâmbulo da medida de resolução adotada pelo BdP”.

“Não se trata, portanto, de declarações do próprio C.C [Carlos Costa], mas da decisão do BdP sobre a medida de resolução aplicada ao BES”, escreveram os juízes do tribunal sediado em Estrasburgo, notando que os processos contraordenacionais contra Ricardo Salgado e outros ex-administradores do BES ainda não tinham sido formalizados pelo regulador. No total, as condenações de Salgado por contraordenações movidas nos quatro processos do BdP ascenderam a oito milhões de euros, mas o ex-banqueiro ainda não começou a pagar por ter o património arrestado.

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Em causa estavam também entrevistas dadas por Carlos Costa aos jornais Expresso, em fevereiro de 2016, e Público, em março de 2017, já após o início desses processos ligados às contraordenações. Na ótica da defesa do ex-banqueiro, as palavras do antigo governador do BdP nessas entrevistas prejudicaram a presunção de inocência de Salgado. Carlos Costa fez referências a uma “falsificação de contas”, mas sem visar diretamente Ricardo Salgado, e considerou que os administradores do BES não tinham a “idoneidade necessária” para continuar à frente de uma instituição financeira.

Porém, o TEDH defendeu que “essas observações não estavam relacionadas com as acusações feitas contra o recorrente no processo contraordenacional e que eram antes reflexões sobre a sua capacidade de continuar a gerir o BES”, acrescentando que em nenhuma das entrevistas foi referido o processo contraordenacional contra o ex-banqueiro.

O Tribunal considera que as declarações contestadas feitas por Carlos Costa na sua qualidade de Governador do BdP não prejudicaram a presunção de inocência”

“O Tribunal considera que as declarações contestadas feitas por Carlos Costa na sua qualidade de Governador do BdP não prejudicaram a presunção de inocência”, pode ler-se no acórdão do TEDH, numa decisão tomada por unanimidade.

Os recursos submetidos pela defesa de Salgado ao Tribunal da Relação de Lisboa e ao Tribunal Constitucional, ambos rejeitados, foram também indicados pelo Estado português, na sua argumentação junto do TEDH, como evidência de que o antigo presidente do BES teve todos os meios judiciais ao seu dispor para contestar as decisões.

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A defesa de Ricardo Salgado já manifestou por diversas vezes a intenção de vir a apresentar uma queixa contra o Estado português no TEDH por causa da atuação da justiça em relação ao diagnóstico da doença de Alzheimer reconhecido em perícias neurológicas ao antigo presidente do BES.

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Em declarações aos jornalistas após o início do julgamento do processo Universo Espírito Santo, no dia 15 de outubro, o advogado do ex-banqueiro salientou que Salgado não tinha consciência de estar num julgamento, porque “tem uma doença e os efeitos são o que são”.

Proença de Carvalho apontou para uma “página negra na Justiça portuguesa, pelo menos diante de todo o mundo”, já depois de o seu colega Adriano Squilacce ter alertado na audiência que Portugal ficaria em risco de ser condenado no TEDH por esta situação: “Basta atentarem nos relatórios para verem que este já não é Ricardo Salgado”.

(artigo atualizado às 12:15)