Vencedora do Festival de Veneza do ano passado, O Quarto ao Lado é a primeira longa-metragem de Pedro Almodóvar falada em inglês (ele já tinha feito duas curtas nesta língua, A Voz Humana, em 2020, adaptando e desconstruindo o texto de Jean Cocteau, e Estranha Forma de Vida, um mini-western, em 2023). A fita foi foi rodada nos EUA, adapta um romance de Sigrid Nunez, que colaborou com o realizador no argumento, é interpretada por Julianne Moore e Tilda Swinton e tem como tema a eutanásia (Almodóvar é total e inequivocamente a favor, pelo que não há aqui esgrima de argumentos pró e contra).

[Veja o “trailer” de “O Quarto ao Lado”:]

Julianne Moore interpreta Ingrid, uma escritora que vive em Nova Iorque e acaba de lançar um novo romance. Ingrid escreve muito sobre a morte, que teme, e reencontra, por puro acaso, uma antiga colega de jornalismo e velha amiga, Martha (Tilda Swinton), uma afamada repórter de guerra com a qual havia perdido contacto. Martha tem um cancro em fase terminal e decide parar com a medicação, recusar um novo tratamento experimental e suicidar-se. Comprou um comprimido na dark web e alugou uma casa no campo para passar os seus últimos dias de vida. E pede a Ingrid para a acompanhar, ficar no “quarto ao lado” do dela e ser a pessoa que a vai descobrir morta e tratar de encobrir o suicídio quando a polícia for chamada.

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[Veja uma entrevista com as duas atrizes:]

Apesar do medo que tem da morte, e de dizer a Martha que ela lhe está a pedir para encobrir um crime, Ingrid acaba por ceder e concordar em fazê-lo. E vão instalar-se na casa, um moderno e belíssimo edifício onde até há um quadro de Edward Hopper numa das paredes da sala. O Quarto ao Lado é um filme que respira requinte e bom gosto, exibindo a esmerada direção artística, coordenação de formas e cores, escolha de guarda-roupa e a minuciosa e geométrica composição visual a que Pedro Almodóvar nos habitou. Ingrid e Martha veem comédias de Buster Keaton e Os Mortos, o derradeiro filme de John Huston, citam James Joyce e vão comprar livros de autores de culto à vila.

[Veja uma entrevista de Pedro Almodóvar:]

Tudo parece perfeito, mas o filme tem um défice de emoção e de dramatismo. Considerando o tema, era natural que Almodóvar contivesse a sua veia turbulenta e expansiva, mas aqui, ele confunde recato emocional com prostração e contenção dramática com astenia. Este melodrama tem tanto de sofisticado como de mortiço, e os diálogos não ajudam. Quer tenham sido escritos diretamente em inglês, quer primeiro em espanhol e depois traduzidos, soam artificiais e afetados nas bocas de Moore e Swinton. E é difícil empatizar com Martha, porque a personagem parece mais estar a sofrer de enxaquecas do que a morrer de cancro. Quanto mais o fim se aproxima, mais elegante, estilizada e fotogénica ela fica, como se fosse posar para uma capa da Elle ou da Vogue. O seu cancro é elaboradamente cinematográfico, ou seja, totalmente irrealista.

[Veja uma sequência do filme:]

O filme tem um subenredo sobre a filha de Martha, que vai levar a um enorme erro de casting no final, e John Turturro aparece brevemente no papel de de Damian, um ex-namorado de Martha e de Ingrid, e que é apenas um comício com pernas. Pedro Almodóvar usa-o para nos dar um sermão de babar na gravata sobre a crise do clima e a necessidade de “fazermos alguma coisa”, senão a Terra e a humanidade estão perdidas. A presunção intelectual do realizador é tanta, e a convicção de que a razão está do seu lado em tudo é tão grande, que a personagem que ele arranja para representar os opositores à eutanásia é o polícia encarregue da investigação da morte de Ingrid, tão religioso quanto antipático, um boneco pronto-a-detestar.

O Quarto ao Lado é raso, amaneirado e demagógico, mesmo que concordemos com o ponto de vista do realizador sobre a eutanásia. Ponto de vista que ele prejudica ao introduzir, forçada e desnecessariamente, a citada figura do agente da autoridade anti-eutanásia, cristão fervoroso e muito agressivo para com Ingrid e a sua advogada). Se este for o único filme que Pedro Almodóvar rodar em inglês, tanto melhor.