António Couto dos Santos foi encontrado morto a boiar num lago no Citygolf, na Senhora da Hora, em Matosinhos. A polícia diz que não foram encontrados indícios de crime e o corpo já foi enviado para o Instituto de Medicina Legal do Porto. O social-democrata é recordado no PSD como um “amigo”, fez parte de governos de Cavaco Silva e ficou na história como o ministro que assistiu a um grupo de estudantes a despirem-se para mostrar uma mensagem sobre propinas.
Durante os anos em que Cavaco Silva foi primeiro-ministro, António Couto dos Santos teve a seu cargo três pastas ministeriais: foi ministro Adjunto do primeiro-ministro e da Juventude, ministro Adjunto dos Assuntos Parlamentares e, por fim, ministro da Educação. Tinha também sido secretário de Estado da Juventude e, antes de 1985, já tinha marcado presença em executivos como Adjunto do secretário de Estado e do Ambiente e do ministro da Qualidade de Vida.
Mais recentemente, Couto dos Santos desempenhou também funções de cônsul honorário da Rússia no Porto e recusou continuar no lugar em 26 de fevereiro de 2022, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia.
A mensagem no rabo de estudantes que marcou a governação
O currículo na política ficou marcado pelo caricato episódio dos jovens da “Geração rasca” que baixaram as calças em frente ao ministro e com a mensagem “Não pago” escrita no rabo. Aconteceu no dia 15 abril de 1993, no Centro Cultural de Belém (CCB), quando o grupo de estudantes se manifestou contra o aumento das propinas estabelecido por uma lei do Governo de Cavaco Silva. O ministro acabaria por deixar o cargo no fim do ano, altura em que foi substituído por Manuela Ferreira Leite.
Agora, Ferreira Leite lembrou o antecessor como alguém com “peso no governo” de Cavaco Silva e lembrou o desafiante “problema das propinas”, com que ambos tiveram de lidar, e que considera continuar atual, e destaca o “benefício” que as decisões tomadas promoveram no ensino superior. Ferreira Leite recordou que Couto dos Santos saiu desse governo “um pouco desgastado graças à contestação”, mas acredita que nunca ficou amargurado com a saída, pois era uma pessoa “alegre e sempre com um sorriso na cara”. “Perdi um amigo”, lamentou.
Outro dos momentos que marcaram a vida política de Couto dos Santos aconteceu em 2014, na Assembleia da República, quando PSD e PS se uniram para aprovar a recuperação das subvenções para os ex-políticos que têm rendimentos acima de 2 mil euros. A proposta foi assinada em conjunto pelos deputados Couto dos Santos (PSD) e José Lello (PS) e deu muito que falar, principalmente devido às divisões dentro dos próprios partidos — de tal forma que acabou por ser retirada.
Além de ter sido eleito deputado em 1981, pelo círculo de Setúbal, Couto dos Santos regressou ao Parlamento em 2009 e voltou a conseguir um lugar em 2011, nas duas vezes por Setúbal. Na Assembleia da República foi presidente do Conselho de Administração de 2011 a 2015, presidente da Comissão Parlamentar de Saúde, de 2009-2011, e vice-presidente da mesma comissão entre 2011 e 2015. Antes de chegar ao governo liderou o Comité da Juventude do Conselho da Europa.
António Couto dos Santos era natural de Forjães, Esposende, onde nasceu a 18 de maio de 1949 e tinha 75 anos. O engenheiro de formação ocupou vários cargos fora da política: foi presidente executivo da Associação Empresarial de Portugal (AEP); presidente da Casa da Música no Porto; membro não-executivo do Hospital Amadora-Sintra; e presidente de vários conselhos de administração, entre eles o da Fundação Ilídio Pinho.
No PSD, que o recorda como um “ilustre militante”, foi membro do Conselho Nacional, presidente da distrital do PSD de Setúbal, membro da assembleia distrital do PSD/Porto e presidente da Mesa da Assembleia Geral da concelhia do PSD/Porto. A nível desportivo foi também vice-presidente do Sporting Clube de Portugal, enquanto José Roquette liderava o clube.
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O “amigo” do PSD que “não fugiu às suas responsabilidades” no tempo de Cavaco
A direção do PSD, que descreveu Couto dos Santos como “amigo”, recordou “um ilustre militante” e sublinhou que o país perde “um dos principais defensores da causa pública”. E o próprio Luís Montenegro elogiou o facto de ter sido deputado e governante “em fases desafiantes e bem sucedidas da nossa vida democrática”. Destacou também a “frontalidade, humanismo e competência” do antigo ministro e deixa condolências à família. Também Marcelo Rebelo de Sousa o descreveu como “figura marcante dos Governos de Aníbal Cavaco Silva”.
Por sua vez, Cavaco Silva, que fez de Couto dos Santos ministro, recordou-o como “um elemento muito importante” nos seus executivos nas décadas de 80 e 90: “Pode-se dizer que Couto dos Santos foi, nos meus governos, o ministro das questões particularmente difíceis”, resumiu.
“Estou profundamente chocado, profundamente entristecido com a notícia da morte do engenheiro Couto dos Santos. No último verão, tínhamos tido aqui no meu gabinete uma longa conversa em que verifiquei que Couto dos Santos continuava a ser uma pessoa de ideias novas, de ideias inovadoras, um homem com grande criatividade e muito empenhado em contribuir para a resolução dos problemas do nosso país”, salientou.
O antigo chefe de Estado destacou “o papel muito importante” que teve “na liberalização da comunicação social, na criação das televisões privadas”, que apontou como uma das reformas mais marcantes dos seus governos. “Na pasta da educação, num tempo de grandes transformações, ele teve que tomar decisões muito corajosas. Pedi-lhe, num momento difícil das questões de educação, que assumisse a responsabilidade por essa pasta e ele aceitou. E não fugiu às suas responsabilidades”, recordou Cavaco Silva.
Couto dos Santos, prosseguiu, “foi um homem que, pela sua ação ao serviço do país, prestou muitos e importantes trabalhos ao nosso país, contribuindo para o seu desenvolvimento”. “Foi um político que não fugiu às suas responsabilidades, procurou fazer o melhor e teve um espírito notável de inovação. A ação dele à frente da pasta da Educação foi um marco muito importante na política que meus governos desenvolveram ao longo dos anos”, afirmou, dirigindo os “mais sentidos pêsames” à família.
Luís Marques Mendes afirmou também que a vida de Couto dos Santos fica “marcada pela ideia de serviço público”. Admitiu que quando era ministro da Educação “a vida não era fácil” e preferiu destacar aquilo que fez como secretário de estado da Juventude, cargo “onde pôs à prova todo o seu grande talento para mobilizar jovens”.