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Ao fim de 133 dias na clandestinidade, a líder da oposição na Venezuela, María Corina Machado, surgiu novamente nas ruas de Caracas, durante os protestos que convocou para esta quinta-feira, contra a tomada de posse de Nicolás Maduro, declarado vencedor das eleições de julho de 2024 pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). O atual Presidente deverá tomar posse para um novo mandato na sexta-feira, mas a sua vitória continua a ser contestada pela oposição, que se organizou em protestos na Venezuela, mas também em Madrid, Bruxelas, Bogotá ou Buenos Aires.

Quando saía da manifestação, a líder da oposição foi detida, avançou uma fonte da sua equipa à AFP. A moto em que seguia foi alvo de tiros, a passagem foi bloqueada por drones, motos e camiões e a María Corina Machado e o condutor da sua mota foram detidos, descreveu a sua chefe de campanha. O condutor terá ficado ferido, avança o El Espanol.

A denúncia começou por ser feita nas redes sociais. “María Corina foi violentamente intercetada à saída da concentração”, pode ler-se na mensagem. Posteriormente, a detenção foi confirmada pelo diretor da Human Rights Watch no continente americano, Juan Pappier. “A comunidade internacional deve exigir em conjunto a sua libertação imediata”, apelou.

Foi também a Human Rights Watch que avançou que María Corina Machado tinha sido libertada, cerca de uma hora depois da primeira mensagem. “Confirmámos com fontes da oposição que María Corina foi libertada”, escreveu Pappier no X.

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Momentos depois, a sua equipa confirmou esta informação, adiantando mais detalhes. “Hoje, 9 de janeiro, ao sair da concentração de Chacao, Caracas, María Corina Machado foi intercetada e derrubada da moto em que seguia. Armas de fogo foram disparadas. Durante o período de sequestro, foi obrigada a gravar vários vídeos e posteriormente foi libertada“, pode ler-se na publicação da equipa.

Os vídeos que mencionam circularam rapidamente pelas redes sociais, mas não foram verificados por nenhuma fonte oficial. Corina Machado dizia a data, descrevia a manifestação e dizia estar “segura”. No comunicado, a sua equipa anuncia que a opositora se vai “dirigir ao país para explicar o que aconteceu nas próximas horas”.

As reações da comunidade internacional à curta detenção de Corina Machado

Ao longo de uma hora, em que se viveu um período de incerteza sobre o paradeiro da líder da oposição, a comunidade internacional foi rápida a reagir. A primeira condenação chegou do Presidente do Panamá. “O Panamá reclama e exige a plena liberdade de María Corina Machado assim como o respeito pela sua integridade pessoal”, declarou, citado pela publicação Infobae. O antigo Presidente argentino, Mauricio Micri também reagiu, com uma promessa: “María Corina, não vamos abandonar-te. A Venezuela será livre!”, escreveu no X, seguido pelo atual chefe de Estado.

“A um dia da tomada de posse do Presidente eleito Edmundo González, o ditador Nicolás Maduro faz uma demonstração de força ao atacar a maior referência a favor de uma Venezuela livre e democrática”, pode ler-se no comunicado emitido pelo gabinete de Javier Milei.

Também o candidato presidencial Edmundo González Urrutía, que reivindica a vitória nas eleições de julho, condenou a detenção da líder do seu partido. “Como Presidente eleito, exijo a libertação imediata de María Corina Machado. Às forças de segurança que a sequestraram, digo: não brinquem com o fogo“, escreveu na mesma rede social.

Na Europa, as primeiras reações estiveram a cargo dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros italiano e espanhol. “Não podemos tolerar as ações repressivas e ilegítimas do regime de Maduro que perdeu as eleições”, escreveu o ministro italiano Antonio Tajani no X. “Perante a informação da detenção de María Corina Machado, transmitimos a nossa total condenação e total preocupação. A integridade física e a liberdade de expressão e manifestação de todos, especialmente de todos os líderes políticos opositores”, pode ler-se no comunicado do ministério espanhol, citado pela imprensa nacional.

“Vamos deixar claro, a Venezuela já decidiu: a Venezuela é livre”, afirmou Corina Machado perante as centenas de manifestantes que se reuniam em Chacao, o ponto de encontro para os vários protestos na capital. A líder da oposição declarou que, a partir de sexta-feira, se iniciará uma nova etapa “para a liberdade do país” e que, caso insista em tomar posse, Nicolás Maduro irá enfrentar “sentenciar o regime”. “Façam o que fizerem amanhã, acabarão de se enterrar”, rematou.

A sua intervenção acabou interrompida por dificuldades técnicas — o microfone que utilizava parou de funcionar –, enquanto os manifestantes gritavam “Liberdade”. Depois, Corina Machado seguiu por entre a multidão, em cima de uma carrinha, como fez pela última vez no dia 28 de agosto de 2024, antes de se ter escondido, por temer represálias do regime.

Confrontos com a polícia, abraços a militares e expulsão de chavistas. Os protestos antes da entrada em cena de Corina Machado

Antes de se ter juntado à manifestação, a líder do partido Vente Venezuela tinha partilhado inúmeras fotografias e vídeos dos protestos nas suas redes sociais, com destaque para as multidões na capital —  ao todo, a oposição falou em “milhões” de pessoas.

Também em Chacao, os manifestantes da oposição confrontaram um grupo de cidadãos que agitavam bandeiras vermelhas e pretas, símbolo do regime chavista. “Manifestantes expulsaram coletivos chavistas que tinham chegado com espírito de intimidar”, relatou o jornalista venezuelano Orlando Avendaño.

Avendaño partilhou igualmente imagens de uma “mínima” contra-manifestação, organizada pelo regime, que se realizou numa das avenidas da cidade. Este grupo aproveitou um dos vários palcos que já tinham sido montados por toda a cidade, em preparação para a tomada de posse, na sexta-feira.

Horas antes, enquanto as pessoas ainda se estavam a reunir registavam-se já os primeiros confrontos entre as autoridades do regime e os manifestantes.

Em San Diego, no norte do país, soldados da Guarda Nacional lançaram gás lacrimogéneo contra a população, relata a publicação Infobae. Em Valera, mais a oeste, também há relatos de ataques com “bombas lacrimogéneas”, escreveu o o repórter do El País na Venezuela, Juan Diego Quesada. Na capital, grupos de “polícias, encapuzados e motards” também confrontaram os manifestantes da oposição, relatou, numa outra publicação.

Também em Valência, houve confrontos diretos, tal como é visível nas imagens partilhadas por Quesada. Nessa mesma cidade, os manifestantes instaram os polícias a pousar as armas e a juntarem-se à oposição ao regime.

Os repórteres espanhóis identificaram três focos de violência policial, em três cidades no norte do país, a oeste de Caracas: Maracaibo, Valencia e Maracay. Já María Corina Machado, nas suas redes sociais, relata que as forças de segurança se retiraram quando virão os manifestantes chegar a alguns dos pontos de encontro. A líder da oposição publicou ainda uma fotografia — que está a ser partilhada por várias páginas — de uma criança abraçada a um militar, interpretado como um gesto de paz.

A liderança da clandestinidade de María Corina Machado e Edmundo González Urrutía

Foi María Corina Machado que chamou o povo venezuelano às ruas. “Amanhã [quinta-feira], encontramo-nos em todas as vilas e cidades da Venezuela, às 10h da manhã [14h em Lisboa] e em centenas de cidades pelo mundo inteiro”, declarou, num vídeo publicado nas suas redes sociais na quarta-feira à noite. Corina Machado apelou ainda aos manifestantes que utilizem uma peça de roupa de uma das cores da bandeira venezuelana: vermelha, azul ou amarela.

“Esta enorme força, que se tem vindo a acumular, chegou a um ponto em que transbordou e é imparável. Que o medo tenha medo de nós”, continua. “A Venezuela precisa de ti. Tens de ser parte da História. Venezuelanos, vemo-nos amanhã, juntos até ao final”, remata.

Corina Machado esteve escondida na Venezuela, depois de o regime de Maduro a ter ameaçado com uma pena de prisão. Questionada pela BBC News Mundo na passada quarta-feira, sobre qual seria o seu papel nestes protestos, respondeu que estaria “como sempre, ao lado dos venezuelanos”. Contudo, não esclareceu se iria marcar presença publicamente.

Vemo-nos mais tarde“, escreveu numa publicação, enquanto já decorriam as manifestações, na tarde de quinta-feira, horas de antes de cumprir a promessa.

Já Edmundo González Urrutía, o candidato presidencial do seu partido, que reivindica a vitória nas eleições de julho, garantiu que tenciona estar presente em Caracas na sexta-feira: “Tenciono ir à Venezuela para tomar posse do mandato que os venezuelanos me deram quando me elegeram com 7 milhões de votos para servir como Presidente”, afirmou no passado sábado, na Argentina.

Opositor de Maduro, González Urrutia, vai reunir-se com Biden

O regime venezuelano tem um mandado de captura em seu nome, com uma recompensa de 100 mil dólares (cerca de 97 mil euros). Urrutía vive, por isso, exilado em Espanha. Contudo, o autoproclamado presidente da Venezuela passou os últimos dias a viajar pelo continente americano, a reunir apoio para esta reivindicação. Depois da passagem por Buenos Aires, reuniu-se com Joe Biden em Washington, que o reconheceu como vencedor das eleições e declarou o seu apoio.

Na quarta-feira, passou pelo Panamá, onde entregou ao Presidente panamense as atas eleitorais, que dizem provar a sua vitória. O CNE nunca apresentou estes documentos como forma de confirmar a reeleição de Maduro. “Todas as atas ficarão sob custódia do governo do Panamá, nos cofres do seu Banco Nacional, até que viajem de volta à Venezuela, muito em breve”, explicou Corina Machado.

Na tarde desta quinta-feira — enquanto as pessoas já se reuniam em protesto — González fez a última paragem da sua tour na República Dominicana, onde também se reuniu com o chefe de Estado. “Vemo-nos todos em breve em Caracas, em liberdade”, declarou no discurso, depois deste encontro em Santo Domingo.

No mesmo dia, o Canadá juntou-se a vários outros países e reconheceu Edmundo González Urrutía como vencedor das eleições de 28 de julho e presidente eleito da Venezuela. O anúncio foi feito pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, depois de a ministra Mélanie Joly ter falado ao telefone com Corina Machado.

Maduro já tinha mobilizado polícias e militares na terça-feira

O regime, por sua vez, prepara-se para a mobilização popular marcada para a tarde desta quinta-feira. O Presidente ordenou, na passada terça-feira à noite, a ativação do Órgão de Defesa Integral da Venezuela (ODI), que inclui a mobilização de todas as forças policiais e militares venezuelanos. Nicolás Maduro anunciou também a detenção de mais de 150 cidadãos estrangeiros, enquanto o seu ministro da Administração Interna confirmou a detenção de Enrique Marquéz — antigo candidato presidencial –, por ligações a um destes estrangeiros, um “gringo do FBI”.