Título: Angola, O Nascimento de uma Nação [último de uma série de três volumes]
Autores: Maria do Carmo Piçarra e Jorge António
Editor: Guerra & Paz
Páginas: 168
Preço: 16 €
ISBN: 9789897021664
Quem olhar inocentemente para os três esplêndidos volumes de Angola – O nascimento de uma nação talvez não esteja à espera de que corresponda à exígua e provinciana realidade ali minuciosamente documentada e ilustrada. Mas toda a gente sabe que Angola, ou Portugal, não são propriamente – nem foram nunca – o que se pode chamar potentados cinematográficos, nem no contexto mundial, evidentemente, nem sequer no contexto europeu ou africano. Em África, diga-se de passagem, existe uma potência cinematográfica não muito conhecida entre nós, a Nigéria (já se cunhou a palavra: Nollywood, na esteira do Bollywwod indiano – o maior produtor de filmes do mundo – com cuja fecundidade rivaliza). A Nigéria é rica em recursos naturais e tem quase duzentos milhões de habitantes. A dimensão demográfica e económica dos países, contudo, não é tudo nem explica tudo (talvez a língua em que se fala?): onde está hoje o cinema da grande Alemanha?
Documenta-se neste livro o cinema que se fez e faz em Angola e sobre Angola e, numa parte importante, a experiência de fazer e ver cinema em Angola noutros tempos e nos dias de hoje – no contexto do que aparece sob a invocação genérica e de ilustre pedigree cinematográfico que evoca o filme mais emblemático do grande criador cinematográfico americano David W. Grifith (“The Birth of a Nation”, de 1915, quase contemporâneo dos primeiros filmes rodados em terras angolanas – ao que parece há um “Caminho de ferro de Benguela” de 1913).
Do “cinema do império”, ao “cinema da libertação” e ao “cinema da independência” são trinta capítulos de vários autores que cobrem sob os mais variados ângulos essa realidade e incluem uma dezena de entrevistas e testemunhos de outros tantos protagonistas dessas aventuras quase nunca cinematograficamente gloriosas, embora muitas vezes tocantes. Da propaganda colonial da primeira república ao “cinema como arma” do MPLA e aos esperançosos “realizadores da poeira” angolanos dos nossos dias, passando pela muitas vezes canhestra propaganda do Estado Novo, perpassa nestes volumes o que foi também a história do Portugal do século XX. Do cineclubismo como instrumento confesso de proselitismo comunista ao cinema etnográfico e documental, dos cineastas “revolucionários” financiados pelas grandes empresas e pelo Estado Novo aos cineastas da revolução e seus patrocinadores do MPLA e dos partidos e das potências comunistas, quando as havia, está aqui uma importante achega para compreender aquilo que Paulo Cunha, em “A alvorada do cineclubismo”, pudicamente apoda de “mutações socioculturais e político ideológicas de Portugal no pós-Segunda Guerra Mundial”. As revoluções já estão feitas quando rebentam (a frase não é minha) ou, mutatis mutandis, no dizer de alguém acerca do exército colonial francês, os soldados levavam nas suas mochilas as ideias em nome das quais iam ser derrotados.
O destino da nova nação
O actual Estado angolano e a própria nação angolana nasceram da guerra civil travada antes e depois da independência, como os Estados Unidos cujo nascimento David W. Griffith dramatizava em “The Birth of a Nation”. Glosando uma frase célebre, pode dizer-se sem mentir – e nestes três volumes está bem patente – que Angola só é Angola porque foi Portugal. Mas é Angola. Nasceu uma nova nação, que tem o seu próprio destino a cumprir. Na história dos povos, “a mais antiga tradição de qualquer país é ele não existir”. Angola – O nascimento de uma nação pretende ser “um contributo para olhar como o cinema fixou o nascimento de uma nação, Angola”.
Diga-se em abono da verdade que, como já ficou claro, é mais do que isso: vacila-se perante certos delírios estilísticos do género “cinema da noite grávida de punhais” (entrevista com Sarah Maldoror, uma relevante realizadora do cinema angolano nascida em França de pai guadalupense e mãe francesa, formada na União Soviética e companheira de Mário Pinto de Andrade) ou “o olhar corte-de-navalha” dos textos editoriais, mas trata-se de uma obra muito meticulosa e esforçadamente organizada e preparada por Maria do Carmo Piçarra e Jorge António, com importante trabalho de investigação e documentação, excelentemente editado e ilustrado.