António Costa prometeu e colocou no programa de Governo o aumento do salário mínimo nacional para 530 euros em 2016 e o seu crescimento gradual até aos 600 euros em 2019. Mas não serão favas contadas. Para os patrões, aumentar o salário mínimo em 2016 é possível, mas é preciso estudar as contrapartidas e o valor final. Para abrir a conversa, o ministro do Trabalho e Segurança Social, Vieira da Silva, quer levar um relatório que sustenta o aumento à reunião desta quinta-feira. Uma maneira de mostrar vontade negocial – apesar do aviso de António Costa, lançado numa entrevista ao Público, de que a concertação “não é uma segunda câmara do Parlamento”.

O relatório deve conter os dados que sustentam o aumento do salário mínimo já em 2016, apurou o Observador. Os patrões querem ver o documento para perceber o porquê de o valor proposto pelo Governo ser de 530 euros, até porque o grupo tripartido para avaliar esse aumento, acordado com o anterior Governo, não reuniu nos últimos tempos. E a decisão de aumentar o salário mínimo teve por base não os indicadores económicos que podem justificar o aumento, mas sim o acordo entre PS, PCP e BE que levou à formação do Governo socialista.

Problema: os acordos que estão em vigor, assinados entre patrões, sindicatos e o Governo anterior, prevêm que a remuneração mínima dos trabalhadores aumente tendo em conta três indicadores: produtividade, crescimento económico e inflação. Mas também tinham contrapartidas. E é nelas que se vão focar os patrões na reunião desta semana. O risco, para Costa, é fazer um acordo apenas como as centrais sindicais (o que seria a primeira vez na história). A cenoura é que, se houver vontade de negociar pelo Governo, há quem admita um compromisso para que o novo valor seja já pago nos salários de Janeiro.

530

O Governo do PS inscreveu no programa de Governo e nos acordos com PCP e BE a intenção de aumentar o Salário Mínimo Nacional para os 530 euros em 2016, 557 euros em 2017, 580 euros em 2018 e 600 euros no final da legislatura.

“Vamos discutir as propostas e chegar a um acordo, seguramente. (…) Acho perfeitamente possível, mesmo que entre no início de janeiro, para ser processado nos salários desse mês”, disse ao Observador o presidente da CIP, António Saraiva. O mesmo é dito por João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços (CCP). “Possível é sempre”, que entre a 1 de janeiro. Já João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) deixa um aviso claro: “Sempre estivemos disponíveis para discutir o aumento do salário mínimo, mas é preciso saber em que moldes”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para avançar para o aumento do salário mínimo, CIP e CCP querem debater contrapartidas e o valor final – a CAP, também aqui, prefere não se antecipar. A expectativa de António Saraiva, o patrão dos patrões, é que Vieira da Silva – apesar de António Costa ir também a esta primeira reunião – apresente não só a intenção de um acordo para o salário mínimo, mas um acordo de concertação social mais alargado, para a competitividade, crescimento e emprego. Um acordo à semelhança dos que foram feitos em 2011, ainda com o Governo de José Sócrates, e de 2012, já com o Executivo de Passos Coelho. E que seja nesse acordo que se inscreva a “política salarial para a legislatura. “A minha expectativa é que seja um acordo mais amplo. Gostaria que viesse discutir um acordo de competitividade e não falar só no salário mínimo”, diz Saraiva. Nesse pacote, Saraiva quer incluir outras matérias como “o aumento do investimento ou o financiamento às empresas”.

Neste acordo mais amplo, a CIP quer que se discutam matérias de ordem fiscal para as empresas, como por exemplo:

  • Acesso ao financiamento pelas empresas;
  • Redução da fatura energética – gás e combustível;
  • Menor carga fiscal;
  • Eliminação do imposto de selo.

Mas há outro assunto que preocupa as empresas, sobretudo as de serviços, como as de limpeza ou segurança. O facto de muitas delas terem contratos com o Estado que são anuais e que implicam contas com base no salário mínimo existente. Se este aumentar, tanto a CIP como a CCP querem que os contratos sejam atualizados para refletirem o aumento do custo para as empresas. “No universo da CCP há cerca de 300 mil trabalhadores com o salário mínimo nacional, por isso consideramos que é importante ir mais além” e esse além é que o Governo “deixe atualizar o preço dos contratos” de prestação de serviços com o Estado.

Uma exigência dos patrões que, conta Saraiva, não aconteceu das últimas vezes. Por isso admitem que se inclua “uma cláusula” no acordo que o diga.

“Seria uma boa prática do Governo que, ao haver um aumento do valor, tenha abertura mental para a incorporação desse aumento nos contratos que tem” com empresas de serviços.

Pela CAP, João Machado prefere não colocar em cima da mesa eventuais contrapartidas para aceitar o aumento do salário mínimo, nem falar em moedas de troca. No acordo celebrado em 2014, “estava definido previamente que o aumento do salário mínimo não seria englobado num acordo alargado” e assim deve manter-se, reitera.

Mesmo sem haver concertação (ou posição única) entre os patrões, uma coisa é clara: os três representantes das confederações esperam para ver o relatório que sustente o salário mínimo de 530 euros e a sua fundamentação. Nos acordos de 2006 e de 2014 houve diferenças sobre o que ficou escrito no papel: se o de 2006 (assinado por todas as confederações e pelas duas centrais sindicais) era mais geral e não detalhava as ditas compensações, no de 2014 (sem a CGTP) apareciam algumas diferenças. O documento, que foi a base para o aumento para 505 euros este ano incluía estes compromissos:

  • A produtividade era “o princípio orientador” para a atualização do salário mínimo;
  • Sustentabilidade do nível do emprego;
  • Defendia o crescimento económico e a criação de postos de trabalho;
  • E incluía como contrapartida para o patronato uma redução da TSU em 0,75 durante 15 meses para trabalhadores com o salário mínimo.

São estes critérios (entre outros) que João Machado quer ver acautelados antes de se comprometer com um eventual aumento do salário mínimo. Além disso, no documento assinado em 2014 ficou acordado que seria constituída uma “comissão tripartida, em sede de Comissão Permanente de Concertação Social, composta por representantes sociais e Governo com vista à definição critérios para a determinação das atualizações futuras [do salário mínimo], com especial incidência na conciliação da produtividade, competitividade e política de rendimentos”.

Ora, o representante dos agricultores não quer saltar etapas e lembra, precisamente, que existe uma “comissão eleita” a quem cabe a tarefa de avaliar o impacto e as condições desse aumento do salário mínimo. Mais uma vez: sem um estudo prévio, não há cheques em branco, insiste João Machado.

António Saraiva e João Vieira Lopes deixam outro aviso. A redução da TSU para os novos contratos não teve impacto quase nenhum na tesouraria das empresas uma vez que o universo de pessoas que abrangia era quase nulo – foi, na verdade, uma contrapartida inscrita foi para inglês ver, queixam-se. É preciso rever este ponto do acordo.

Muito mais para discutir… em segundas núpcias

Esta será apenas a primeira reunião, mas o Governo PS tem muitas mais matérias para discutir com os parceiros sociais. Uma das quais é a reposição dos feriados, que antes de chegar à concertação já deu azo a diplomas na Assembleia da República.

Além disso, há outras matérias como o “combate decidido à precariedade, incluindo os falsos recibos verdes”, como é dito nos acordos com PCP e BE e ainda, por exemplo, o “alargamento do estímulo fiscal às PME em sede de IRC”.

Olhando para os acordos assinados entre PS, Bloco, PCP e Verdes, é fácil antever novas matérias sensíveis que podem entrar no debate de quinta-feira – mas ainda só em termos gerais. Há medidas relativas ao “combate à precariedade” que terão que passar ainda por um grupo de trabalho com os vários partidos. A mesma coisa se pode dizer das “medidas de combate à pobreza” ou de “estudo das pensões não contributivas”, que vão a um segundo grupo de discussão. Estas equipas ainda não foram nomeadas – pelo que um acordo mais alargado que inclua estas matérias terá que ficar para segundas núpcias.