Para os norte-americanos, este Natal nem soube a Natal. Com as temperaturas a rondarem os 20º em algumas partes dos Estados Unidos da América e com 68 tornados registados desde 21 de dezembro, para muitos foi difícil entrar no espírito da época. O facto de terem de usar calções e chinelos também não ajudou.

Na costa este, as temperaturas têm sido tão elevadas que já romperam a escala de anomalias do instituto de meteorologia. Em Chicago, o Serviço Nacional de Meteorologia até trocou a habitual árvore de Natal por uma palmeira iluminada. Em Nova Iorque, as chuvas fortes obrigaram os vendedores de rua a desmontar as bancas de natal e, no sul, os ventos fortes não deixaram ninguém dormir em paz, relata o Slate. No Lake Michigan, o vento era tal que as casas abanavam como se de um tremor de terra se tratasse.

Mas as temperaturas anormalmente altas não se cingiram apenas à América do Norte. O tempo ameno e húmido está a afetar vários países europeus. No Reino Unido e Irlanda, não tem faltado chuva e ventos fortes, uma situação que se deve prolongar até ao início de 2016 e que poderá até piorar. Em Espanha, os incêndios que costumam fustigar as matas no verão já começaram a deflagrar. Em Navacerrada, não neva desde novembro, facto que obrigou a estância de ski mais perto de Madrid a fechar (muito) mais cedo.

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A situação é comum a outros pontos da Europa. As estâncias de ski estão praticamente vazias e muitos turistas preferiram passar este Natal na praia. Em Portugal, as temperaturas têm-se mantido altas para a época e os níveis de chuva anormalmente baixos. Na Serra da Estrela, neve nem vê-la.

Em março deste ano, a Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos da América (NOAA) já tinha alertado para a possibilidade de 2015 vir a ser ainda mais quente do que o ano passado. De acordo com dados entretanto divulgados pelo organismo, os primeiros meses do ano foram os mais quentes alguma vez registados. Situação que, ao que parece, não irá mudar até ao final do ano. O inverno parece mesmo teimar em chegar.

El Niño, o culpado disto tudo

Apesar da tentação de culpar as alterações climáticas pelo aumento da temperatura, o culpado parece mesmo ser o fenómeno El Niño. O deste ano é um dos mais fortes (e um dos mais longos) alguma vez registado, e é ele que tem provocado as temperaturas excecionalmente altas que têm vindo a ser registadas desde o início do ano em muitos países.

O El Niño é um fenómeno que afeta sobretudo o Pacífico sul, podendo estender-se a outras áreas do globo, como a América do Norte. Nos anos do El Niño, as correntes atmosféricas mudam, os ventos que correm mais frequente de este para oeste, empurrando as águas superficiais mais quentes em direção à Indonésia, abrandam e as águas ficam mais quentes ao largo do Peru. No sudoeste asiático, as chuvas diminuem, podendo ocorrer fenómenos de seca extrema, e, na América do Sul, o aumento da humidade faz com que chova mais. O fenómeno propicia também o aparecimento de furacões.

A análise dos vários fenómenos El Niño tem demonstrado que as alterações climáticas não aumentam a frequência do fenómeno, como inicialmente se suspeitava. Porém, os impactos do El Niño (chuvas intensas e secas extremas) podem sentir-se de forma mais severa nas regiões afetadas pela mudança do clima.

Porém, uma coisa é certa: dados do mês de novembro, compilados pela NASA, mostram que 2015 poderá ser considerado o ano mais quente alguma vez registado. E, uma vez que o El Niño tem um efeito prolongado na atmosfera, o próximo ano poderá ser ainda mais quente.

Uma tempestade fora do normal

Mas os efeitos do El Niño deste ano não se ficam pelo tempo quente ou pela chuva intensa. O aumento da temperatura das águas no Atlântico sul levou à formação de uma forte tempestade na América do Norte, que entretanto já chegou à Europa. No Reino Unido, a tempestade “Frank”, como foi apelidada, foi elevada ao nível nove de perigo de inundações.

Depois da passagem pelo Reino Unido, “Frank” seguirá caminho até à Irlanda e à Islândia. Porém, um dos sítios onde o impacto da tempestade será mais visível será no Ártico. Os ventos fortes irão empurrar o ar quente do Atlântico sul até ao Pólo Norte, provocando um aumento da temperatura até 12 graus, o que raramente acontece. Isto significa que, em vez dos habituais -29 graus, a temperatura no Pólo Norte poderá chegar mesmo a ultrapassar os zero graus. Ou seja, no Artico poderá vir a estar mais calor do que no Canadá e do que em algumas zonas dos Estados Unidos da América, como aponta o Mashable.

Ao Slate, James Morison, um dos principais investigadores do Observatório Ambiental do Pólo Norte, disse que “nunca ouviu falar” em temperaturas acima dos zero graus no Ártico. De acordo com dados recolhidos pelo observatório, o acontecimento é inédito — esta é a primeira vez que um aumento de temperatura deste género acontece no período que vai desde dezembro a abril.

O aumento das temperaturas no Ártico pode vir a afetar a formação de gelo durante o inverno. Esta situação pode tornar-se crítica, uma vez que o aquecimento global tem provocado o derretimento do mar gelado durante os meses da primavera, verão e outono.