“Vê-se que eles têm raiva, mas nós não temos culpa”, diz ao Observador Duarte (nome fictício*) horas depois de ter sido agredido por um grupo de taxistas, à porta do Hotel Sheraton, no Porto. Aos 31 anos, é proprietário de uma empresa de animação turística que presta serviços através da Uber, a aplicação que liga motoristas privados a utilizadores e que já levou centenas de taxistas a sair à rua em protesto, em Lisboa e no Porto.

Os taxistas estão a ser vítimas de si próprios. Da sua arrogância nos últimos 40 ou 50 anos, em que não tiveram nenhuma concorrência”, afirma Duarte.

Esta terça-feira, Duarte e Rafael (nome fictício*), de 35 anos, foram agredidos por quatro taxistas à porta do hotel Sheraton, no Porto. Rafael é motorista na empresa de Duarte e presta serviços para a Uber. Na manhã desta terça-feira, foi buscar um cidadão de nacionalidade francesa ao Hotel Sheraton para levá-lo ao aeroporto.

Quando o cliente entrou no carro, um dos taxistas que estava na praça de táxis próxima do hotel, aproximou-se do carro e danificou-o com “duas amassadelas”, conta Duarte ao Observador. Rafael seguiu viagem até ao aeroporto, para não perturbar o serviço do cliente, mas ligou ao proprietário da empresa assim que terminou.

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Disse-lhe que fosse até ao hotel para podermos identificar o taxista, mas quando nos encontrámos lá, o taxista não estava. Tinha saído para fazer um serviço. Chamaram-nos na aplicação e nós fomos fazer também outros serviços”, conta Duarte.

Quando Rafael voltou ao hotel, percebeu que o homem que tinha danificado a sua viatura estava na praça. Telefonou a Duarte e este ligou “logo” para a Polícia de Segurança Pública, enquanto se deslocava até ao local para ir ter com o motorista.

“Quando eles nos viram, pensaram que estávamos ali para ir buscar mais clientes e começaram a insultar-nos, a dizer que estávamos a roubar-lhes os clientes. Nós dissemos que estávamos ali à espera da Polícia e eles exaltaram-se. Um deles, o mais novo, deu-me logo um empurrão e um soco na cara. Os outros juntaram-se e deitaram-me ao chão”, conta Duarte.

Fonte do Comando Distrital da PSP do Porto confirmou ao Observador que os agentes foram chamados para uma ocorrência em frente ao hotel, por volta das 10h45, por causa de uma agressão de quatro indivíduos a um carro e a dois cidadãos de 31 e 35 anos. Três dos indivíduos foram identificados pela PSP.

Duarte explica que, entretanto, conseguiu fugir até à receção do hotel. Rafael também foi agredido tendo ficado com a mão esquerda partida. Encontravam-se na receção quando a PSP chegou ao local. O taxista mais jovem, que tinha dado início ao episódio de violência já tinha fugido nessa altura. “Nunca mais ninguém o viu”, disse, acrescentando que foi ameaçado de que algo “pior” ainda lhe podia acontecer.

Os homens foram encaminhados para o Hospital de Santo António, no Porto. Duarte diz ao Observador que, se os taxistas têm um problema legal, devem resolvê-lo nos tribunais. “Isto não é uma forma de luta”, afirma. Questionado sobre se a ocorrência vai afetar a atividade da sua empresa na cidade, diz que não.

Não só vou continuar, como vou aumentar a minha frota de dois para quatro carros. E conto, no Verão, ter até 10. Se é legal ou não, os tribunais que decidam”, disse Duarte.

Viatura danificada e parada durante cinco dias

Não é a primeira vez que as viaturas da empresa de Duarte são alvo da fúria dos taxistas. Ao Observador, o empresário conta que, há cerca de duas semanas, um dos seus veículos recebeu um pedido de serviço na aplicação, durante a madrugada.

Quando o motorista chegou ao local, não estava lá ninguém. Ligou para o utilizador e este terá respondido que o carro tinha “demorado muito tempo a chegar e que tinha apanhado um táxi, porque o serviço era muito melhor”.

O motorista arrancou, conta Duarte, e foi seguido por dois taxistas – nas proximidades do local existia uma praça de táxis – até que o intercetaram na Avenida dos Aliados, um pela frente, obrigando-o a parar, e outro que bateu na traseira do carro que conduzia. Os taxistas terão pontapeado a viatura ao ponto de ela ter ficado retida durante cinco dias para reparações.

“Chamámos a polícia e o indivíduo foi identificado. Apresentámos queixa e o processo está agora no tribunal”, conta Duarte.

Sobre os acontecimentos desta terça-feira, os taxistas presentes no local queixaram-se, à TVI24, que tinham estado estacionados durante a manhã toda à porta do hotel e que não conseguiam fazer nenhum serviço. Referiram que “só a Uber tinha serviços” e que chegavam carros “de 10 em 10 minutos” ao hotel. Um deles afirmou que qualquer dia acontecia em Portugal aquilo que sucedeu em França. “Vamos começar a incendiar carros”, afirmou.

Um responsável da Antral no local afirmou que a associação “tem receio que o clima se possa agravar”, que “as coisas podem fugir ao controlo e que as autoridades é que são responsáveis por intervir”.

Questionado sobre as queixas dos taxistas – que muitas vezes protestam contra o facto de os motoristas Uber não pagarem as mesmas licenças e impostos que os profissionais de táxi, Duarte explica que o que é dito pelos taxistas revela “falta de conhecimento”.

“Nós não temos taxímetro, não recebemos dinheiro no carro, não estamos parados em praças de táxi. Pagamos as licenças que são exigidas pela lei às empresas de turismo, aos rent-a-car e pagamos todos os impostos sobre os serviços que fazemos, 100% do IVA”, afirmou.

Sobre os acontecimentos desta terça-feira, contactada pelo Observador, a Uber afirma que “condena veementemente todos os atos de violência e que situações como esta não são aceitáveis numa cidade portuguesa. Apresentamos a nossa total disponibilidade para colaborar com as autoridades.”

Em abril de 2015, a Antral interpôs uma providência cautelar contra a Uber para impedir a tecnológica de operar. A providência foi aceite pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, que aceitou os argumentados apresentados pela associação como verdadeiros.

Contudo, a Uber manteve os serviços ativos, porque alega que a providência foi dirigida à entidade jurídica errada (a notificação refere a Uber Technologies, nos EUA, quando a delegação portuguesa responde à sede da Uber na Holanda). Depois de ter apresentado oposição, o tribunal manteve as medidas cautelares. Posteriormente, a Uber apresentou recurso e espera agora uma decisão do Tribunal da Relação.

*Neste texto, o Observador utilizou nomes fictícios, porque as pessoas em causa não quiseram ser identificadas