Os diplomatas que estão colocados em postos fora de Portugal têm direito a um abono para despesas de educação dos filhos dependentes. Os diplomatas que estão colocados nos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Portugal também. E mesmo os que, sendo diplomatas de carreira, estão em comissões de serviço ou cargos políticos passam a ter esse direito.

Em vésperas de ser aprovado um corte nos suplementos na função pública, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) fez uma alteração cirúrgica ao Estatuto da Carreira Diplomática (ECD) para aumentar o número de diplomatas que podem receber ajudas para a educação dos filhos dependentes (ou seja, até terminarem, por exemplo, a universidade).

O decreto-lei foi aprovado no Conselho de Ministros de dia 14 de agosto e publicado na última terça-feira. “Os funcionários diplomáticos que sejam investidos em cargo ou funções públicas de exercício temporário, por virtude da lei, ato, contrato ou em comissão de serviço, em território nacional, têm direito a uma comparticipação nas despesas de educação dos filhos dependentes, nos termos a fixar por despacho” do ministro dos Negócios Estrangeiros, lê-se. É o caso, por exemplo, do chefe de gabinete de Passos, Francisco Ribeiro de Menezes (que está de saída para um posto diplomático no estrangeiro, Madrid), ou o secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura.

Na prática, estes abonos já estão a ser pagos há alguns a diplomatas que não trabalham diretamente no MNE, mas o Tribunal de Contas alertou para essa irregularidade, por não estar expressamente previsto na lei.

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Uma auditoria do Tribunal de Contas de 2011 sobre o FRI puxava as orelhas ao Governo, considerando que este tinha alargado o âmbito de beneficiários do abono sobre filhos dependentes a diplomatas em comissão de serviço em cargos dirigentes na função pública. Desde aí que o diferendo se arrasta. “A título de subsídio escolar complementar, verificou-se ter sido paga a quantia de 5.892,16 euros a um diplomata colocado fora dos serviços internos do MNE”, lê-se no relatório do TC.

O TC considera que um despacho do então ministro António Martins da Cruz, em 2003, ia além daquilo que está no Estatuto da Carreira Diplomática, alargando o benefício a esses diplomatas colocados fora dos serviços internos do MNE.

Estes abonos andam a ser pagos desde 2003 com dinheiro do Fundo para as Relações Internacionais (FRI), que é alimentado com as receitas dos atos consulares. O MNE não revelou ao Observador o valor que é gasto anualmente com este abono, mas segundo fontes do ministério esse valor ronda os 1,5 milhões de euros por ano.

No preâmbulo da alteração ao Estatuto da Carreira Diplomática, assinada pelo primeiro-ministro, a ministra das Finanças e o secretário de Estado das Comunidades, o próprio Governo reconhece que está a responder a uma questão levantada pelo Tribunal de Contas.

Alguns despachos têm “suscitado dúvidas junto do TC” e, por isso, “aconselham à clarificação do direito vigente”, diz o Governo, alegando que não está a alterar o ECD mas apenas a fazer uma clarificação. Para o Governo, “a interpretação teleológia” da redação tal como estava apontava para “um conceito amplo de serviços internos” do MNE, que, a seu ver, abarcava todo e qualquer trabalho.

Nunca foi essa a visão do Tribunal de Contas. “Face ao previsto no Estatuto da Carreira Diplomática, constata-se que a redação atual do despacho do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, atrás referido [de Martins da Cruz em 2003], amplia o universo dos potenciais beneficiários de comparticipação nas despesas de educação dos filhos dependentes, pois, para além dos funcionários diplomáticos colocados nos serviços internos, passaram a incluir-se também aqueles funcionários que estejam providos, em comissão de serviço, em qualquer cargo dirigente da Administração Central, Regional ou Local do Estado”, critica o TC, em auditoria de 2003, a que o Observador teve acesso. Mais: “Evidencia-se uma eventual ilegalidade da norma regulamentar constante do n.º 4 do despacho do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, supra citado, que regulamenta o subsídio escolar complementar previsto no n.º 5 do artigo 68.º do Estatuto da Carreira Diplomática, suscetível de ser suscitada, nomeadamente pelo MP, nos termos do artigo 72.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.

O caso havia sido detetado pela Inspeção-Geral de Finanças em 2002, no relatório referente à “Auditoria aos apoios financeiros do Estado na área dos Negócios Estrangeiros – Fundo para as Relações Internacionais”. Nesse documento, eram apontadas “eventuais infrações financeiras” pelo facto da Mútua dos Diplomatas estar a pagar abonos a diplomatas. E o despacho de 2003 de Martins da Cruz visava dar cobertura a esse facto, deixando claro que o dinheiro viria dos cofres do FRI.

Com isto, fica claro a vontade do ministro Rui Machete em defender o corpo diplomático, tal como os ministros da Administração Interna, Miguel Macedo, e da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, têm feito com polícias e militares, respetivamente.

Na alteração do ECD, o Governo invoca a Constituição para dar o abono de educação a todos os diplomatas. “A comparticipação nas despesas de educação visa, assim, corresponder ao imperativo constitucional da proteção da família e garantir o direito fundamental ao ensino dos filhos dependentes dos funcionários diplomáticos”, lê-se. A fundamentação é longa e fala também na mobilidade a que os diplomatas são sujeitos e “mudanças sucessivas de língua de aprendizagem e escolas”. “Um filho de um diplomata que esteve no Japão ou França, vem para Portugal habituado a frequentar escolas internacionais e é normal que escolha o Liceu Francês ou assim”, explicou ao Observador fonte do MNE.

A norma do ECD, contudo, permite esse abono de despesas de educação a diplomatas que sempre estiveram a prestar serviço em Portugal.

Na nova proposta de revisão de suplementos que deverá ser aprovada quinta-feira em Conselho de Ministros, os polícias e os militares vão ter um regime de exceção para escaparem aos cortes gerais da função pública. O MNE estava a tentar também ter essa exceção. Contactado pelo Observador, o gabinete de Rui Machete, contudo, não comenta essa questão.

Os montantes de abono de educação e os seus critérios não são públicos. São fixados em despacho do MNE, que não é publicado em Diário da República.