O Presidente já sabia: “Os pactos de regime demoram tempo a fazer”. Mas fechar um pacto para a Segurança Social pode não ser uma questão de tempo. Arrisca-se a ser uma missão impossível. PS e PSD partem de pontos completamente opostos e discordam sobre quase tudo. Não têm a mesma meta, não defendem os mesmos tempos de atuação e também não coincidem nas medidas a adotar.

Se o Governo persistir na utilização do fundo [de Estabilização Financeira da Segurança Social] de forma diferente do que achamos prudente, é evidente que os consensos são muito difíceis. Não é um bom início de conversa, é começar logo a desconversar”, defende o deputado social-democrata Adão Silva.

Mas apesar da crítica, por enquanto, o PSD não vai querer falar sobre as suas propostas para a Segurança Social. “Queremos o diálogo e por isso vamos de espírito aberto”, garante Adão Silva.

O ponto de partida dos dois partidos é distante: qual era o sistema de pensões da Segurança Social ideal? Aquele em que cada um desconta para si é o que defende o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, líder do PSD. Um sistema de repartição, em que todos descontam para garantir as pensões de todos, contrapõe Vieira da Silva, a referência do PS na matéria e o atual ministro do Trabalho e Segurança Social.

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A Segurança Social não é a única matéria em que socialistas e sociais-democratas estão como cão e gato. Mas destaca-se por ser uma área para a qual o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pediu consensos. E também por ser um problema grave, sobretudo a longo prazo.

No tema, apenas o diagnóstico é comum: tanto o PSD como o PS concordam que é preciso tomar medidas para tornar o sistema mais sustentável, nomeadamente no campo das pensões do regime contributivo. Mas de pouco vale esta pequena concordância.

Haver consenso sobre a necessidade de termos de nos mexer não quer dizer que haja consenso sobre para onde queremos ir. E este é o consenso que conta”, frisa Vieira da Silva.

O desacordo começa logo pela urgência da atuação. Os socialistas dividem a abordagem ao tema em dois momentos. E o primeiro é manter tudo como está no que toca a regras de pensões e olhar em alternativa para a atividade económica. “Se alguém pensa que resolve os problemas de demografia dentro do sistema de Segurança Social, está muito enganado”, argumenta Vieira da Silva.

Ou seja, a ideia dos socialistas é começar por estimular o emprego e o crescimento, para por essa via melhorar as receitas de contribuições e quotizações da Segurança Social. No ano passado, a recuperação da atividade económica já serviu para aliviar a pressão extra que a conjuntura estava a colocar sobre o sistema.

O PSD, pelo contrário, tinha prometido encontrar poupanças de 600 milhões de euros na Segurança Social já em 2016, se tivesse sido reeleito nas legislativas de 4 de outubro. Mas não assumiu abertamente como. A última proposta da coligação liderada por Passos Coelho era cortar permanentemente as pensões a pagamento, através de uma contribuição de sustentabilidade. O Tribunal Constitucional chumbou a ideia.

Assunção Cristas, no congresso em que foi eleita líder do CDS-PP, também apelou a um consenso, contudo, um pacto de regime exigirá sempre o entendimento entre PS e PSD.

Neste ponto, o governo socialista está menos pressionado do que alguma vez esteve a coligação PSD/CDS-PP. Agora a retoma da atividade económica dá um balão de oxigénio, enquanto no passado a recessão evidenciou as debilidades do sistema de pensões.

Capitalização vs. repartição

Mesmo que socialistas e sociais-democratas se conseguissem encontrar nos timings, há diferenças ideológicas que persistem. Os socialistas defendem o atual sistema de repartição: de forma simples, quer dizer que os atuais trabalhadores estão a descontar para pagar as pensões aos atuais pensionistas. Não estão a descontar propriamente para a sua pensão futura.

Passos Coelho defende um sistema de capitalização: cada um desconta para si. Disse-o no seu livro, “Mudar”, em 2010: “Tratar-se-ia, essencialmente, de assegurar que os descontos feitos por cada cidadão ativo lhe pertençam totalmente e é a sua acumulação e capitalização ao longo da respetiva vida contributiva que assegurarão a respetiva pensão de reforma.”

A PàF, a anterior de coligação eleitoral PSD/CDS-PP, chegou a propor a passagem para o plafonamento no programa que levou às legislativas. A ideia que não está necessariamente abandonada, mas também não voltou a ser colocada em cima da mesa. Se o tema regressar, já se sabe a resposta dos socialistas: são contra.

O PS divide a abordagem ao tema em três linhas de atuação. Num primeiro momento, as medidas em que se concentra são pouco focadas na Segurança Social, e mais direcionadas para a economia: falam em combater o desemprego e a precariedade laboral, como forma de melhorar as contribuições para a Segurança Social.

Preocupam-se em estancar a emigração, porque continuam convictos dos cálculos que fizeram no passado: somando a perda de contribuições e quotizações pelo aumento do desemprego e pela saída de população em idade ativa para o estrangeiro, ao aumento da despesa pelo pagamento de subsídios aos desempregados, acreditam que houve um rombo em torno de oito mil milhões de euros nos cofres da Segurança Social, durante o período da troika.

A segunda linha de atuação dos socialistas diz respeito à diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social. Durante a campanha eleitoral, este até parecia ser um ponto de potencial proximidade com o PSD. No frente-a-frente entre o então primeiro-ministro, Passos Coelho, e o homem que lhe viria a tirar o lugar, Passos chegou a dar como exemplo medidas para arrecadar receita adicional que faziam parte do programa do PS.

“Não será difícil pormo-nos de acordo, nem encontrar alternativas para a Segurança Social sem mexer no valor das pensões, que possa pelo menos resolver o problema dos 600 milhões de euros”, defendeu Passos Coelho. E enumerou algumas das soluções propostas pelo PS: a consignação de receita do IRC, a utilização de receita de portagens, ou mesmo a utilização de receitas obtidas com a penalização da rotação excessiva de trabalhadores por parte de algumas empresas.

Contudo, estas ideias estão ainda a ser trabalhadas. Explica Vieira da Silva:

O Governo não abandonou nenhuma das ideias do seu Programa. Mas são ideias para a legislatura, não para seis meses de governação. Serão debatidas e terão um acordo na concertação social.”

Além disso, farão também parte do debate previsto no âmbito dos grupos de trabalho criados com o Bloco de Esquerda. Um exemplo é a penalização da TSU para empresas com rotatividade excessiva de trabalhadores que, conforme confirmou fonte oficial do Ministério do Trabalho ao Observador, fará parte das conversas com o partido liderado por Catarina Martins.

Mas a Segurança Social tem um excedente. Então qual é o problema?

Olhando para o saldo da Segurança Social, ninguém diria que há um problema. Nos primeiros três meses deste ano, o sistema registou um excedente de 738,3 milhões de euros, mais 327,5 milhões de euros do que o verificado até março de 2015.

O problema é que desde que a economia entrou em crise que este excedente está influenciado pela utilização da receita de impostos para tapar o défice do sistema. Ou seja, o período em que Portugal esteve sob o programa de resgate da troika demonstrou bem que é um sistema com baixa resistência a choques da atividade económica.

Todos os meses, além das contribuições que os trabalhadores fazem para a Segurança Social, e das transferências previstas ao abrigo da lei de bases (que servem para sustentar as prestações mínimas, que não dependem das contribuições) o Estado envia um envelope financeiro para equilibrar as contas.

Nos primeiros três meses deste ano foram transferidos 223,6 milhões de euros do Orçamento do Estado para compensar o défice da Segurança Social — exatamente o mesmo valor transferido no mesmo período do ano passado.

É certo que, durante os anos da troika, este reforço extraordinário teve de ser particularmente elevado. Mas mesmo agora, com a taxa de desemprego a baixar, ainda não é garantido que possa vir a ser dispensado. O Governo prevê que possa rondar os 653 milhões de euros em 2016.

Ano Transferência Extraordinária
2012 857
2013 1.430
2014 1.329
2015 894
2016 653
Valores Milhões de euros
Fonte Orçamento do Estado 2016

Além disso, o problema no longo prazo mantém-se, tendo até sido agravado pela crise. É uma questão estrutural, diretamente relacionada com o novo paradigma do mercado de trabalho, e com o envelhecimento da população.

Primeiro, é já consensual entre os especialistas que a taxa de desemprego natural — ou seja, a percentagem de população ativa que vai continuar desempregada mesmo com a economia a crescer — já não regressará aos cerca de 6% do período pré-troika. A última estimativa, do Banco de Portugal, apontava para 11%. Menos pessoas a trabalhar, significa menos contribuições e quotizações para a Segurança Social.

Segundo, e em simultâneo, a população está cada vez mais envelhecida. Isto quer dizer que há mais pessoas com direito a pensão de velhice, potencialmente durante mais tempo.

Com o aumento da esperança média de vida, a diminuição da natalidade e a emigração, as últimas projeções demográficas da Comissão Europeia para Portugal mostram um país a encolher: a população portuguesa deverá passar dos 10,5 milhões de habitantes contados em 2013, para 8,2 milhões em 2060. E é para fazer face a estes desafios que vão afetar as próximas gerações que a Segurança Social precisa de ser sustentável.

Ano Saldo da Segurança Social
2020 -286
2030 -1.262
2040 -2.204
2050 -2.723
2060 -1.512
Valores Projeções / Milhões de euros
Fonte: Orçamento do Estado 2016