Quando falamos em contratos de associação estamos a falar de liberdade de escolha?
O argumento por parte de quem defende a continuação destes contratos de associação com colégios privados caminha muitas vezes para a questão da liberdade de escolha. Aliás, o Governo anterior, ao alterar o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, deu um impulso precisamente à possibilidade de escolha, mesmo em zonas em que a escola pública oferecia resposta. Já a esquerda não alinha nesta visão, afirmando que não tem de ser o Governo a financiar a opção privada e que os contratos de associação também não servem para isso.
Os partidos mais à esquerda têm frisado que existem apenas 79 colégios privados com contratos de associação, o que corresponde a 3% do total de oferta privada em Portugal. Desta forma, e a ser esta uma via de promover a liberdade de escolha, o Estado estaria a privilegiar uns colégios em detrimento de outros, argumentam.
Mas será que os contratos de associação são mesmo uma forma de permitir liberdade de escolha na educação? Deve ser a liberdade de escolha incentivada e promovida pelo Estado?
Com a alteração ao Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo os colégios privados com contrato de associação entraram em concorrência direta com as escolas públicas estatais. Do meu ponto de vista a solução ideal seria atribuírem-me um cheque ensino e eu poder escolher a escola do meu filho, como já se pratica em países civilizados.” — Emanuel Jacinto, professor de Artes Visuais no Colégio de São Miguel, em Fátima.
Estou plenamente de acordo com a liberdade de escolha. Se não houvesse estes contratos de associação, a minha situação financeira não me permitiria colocar a minha filha a estudar neste colégio.” — Rui António, membro da associação de pais do Colégio de São Miguel, em Fátima.
Concordo que estes contratos são uma hipótese de liberdade de escolha. Eu, como pai, defendo que devo ter a capacidade de perceber e escolher o que é melhor para o meu filho. E a liberdade de escolha não deve ser só entre escolas públicas e privadas, mas também dentro da escola pública.” — José Gonçalves, pai de uma filha que estudou num colégio com contrato de associação e numa escola pública e de um filho que sempre esteve em escolas públicas, na zona da Pontinha.
O conceito de liberdade de escolha é discutível. E estes contratos de associação, para mim, não são uma forma de liberdade de escolha. E mesmo que fossem, como é que ficaria garantida, se há colégios que escolhem os alunos?” — Augusto Nogueira, diretor da Escola Secundária com 3.º ciclo D. Dinis, em Coimbra.
Qual é a obrigação do Estado? Criar uma rede de escolas públicas, ou uma rede de ensino público?
O que a Constituição determina, desde sempre, é que “o Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”. Mas, se no primeiro texto (em 1976), ficou claro o caráter “supletivo” dos colégios particulares e cooperativos, logo na primeira revisão (em 1982) essa menção caiu e o que ficou escrito até hoje é que o Estado “reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei”.
Também no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, de 1980, ficou determinado que “os contratos de associação são celebrados com escolas particulares situadas em zonas carecidas de escolas públicas, pelo prazo mínimo de um ano”. Mas no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, alterado em 2013, o ministro Nuno Crato escreveu que “os contratos de associação, a regular por portaria, integram a rede de oferta pública de ensino, fazendo parte das opções oferecidas às famílias no âmbito da sua liberdade de escolha no ensino do seu educando” e que “são celebrados com escolas particulares ou cooperativas, com vista à criação de oferta pública de ensino, ficando estes estabelecimentos de ensino obrigados a aceitar a matrícula de todos os alunos até ao limite da sua lotação, seguindo as prioridades idênticas às estabelecidas para as escolas públicas”.
A dúvida é então esta: o ensino público deve ser assegurado só em estabelecimentos públicos, ou deve haver uma rede pública de ensino, que pode ser distribuída entre estabelecimentos públicos e privados?
Sem dúvida que o Estado deve atender à rede pública de ensino, de acordo com o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, uma vez que nós entramos em concorrência com a escola pública. Sempre zelando pela qualidade e pela excelência.”— Emanuel Jacinto, professor de Artes Visuais no Colégio de São Miguel, em Fátima.
Na situação em que o país se encontra penso ser mais vantajosa a oferta da rede pública de ensino, aproveitando os meios existentes e que estão em pleno funcionamento.” — Rui António, membro da associação de pais do Colégio de São Miguel, em Fátima.
Se vivêssemos no paraíso, o Estado deveria apostar só nas escolas públicas, mas o terreno tem-nos dito que isso não é possível. Se o Estado nos garantisse que fiscalizava todas as anormalidades que existem na escola pública, então aí até os privados passariam mal.”— José Gonçalves, pai de uma filha que estudou num colégio com contrato de associação e numa escola pública e de um filho que sempre esteve em escolas públicas.
A obrigação do Estado deve ser assegurar uma rede pública de ensino que poderá ter aqui ou ali ensino privado subsidiado pelo Estado, nas zonas carenciadas de resposta na escola pública. Mas essencialmente deve investir na escola pública, porque é essa que garante independência, laicidade e liberdade. O Estado tem de assegurar ensino para todos e isso só é possível com escolas públicas. É isso que está na Constituição.”— Augusto Nogueira, diretor da Escola Secundária com 3.º ciclo D. Dinis, em Coimbra.
São as escolas privadas melhores do que as escolas públicas?
Os rankings costumam ser favoráveis às escolas privadas, colocando-as no topo. Mas o Governo, e mesmo os diretores de escolas públicas, têm lembrado um estudo de 2013, encomendado pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas à Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, que conclui que os alunos da escola pública têm melhores resultados nas universidades.
Mas afinal, em que ficamos? São os colégios particulares e cooperativos melhores do que as escolas públicas?
Estudei sempre na escola pública e dei aulas na escola pública e na escola privada e posso-lhe dizer que há diferenças. Fazemos muito mais com menos recursos humanos, porque aqui não temos direito a redução de horário, nem há professores com horário zero. O nosso colégio é um local mais autónomo e menos burocrático, mais dialogante e convergente. Conseguimos oferecer estabilidade diária aos alunos e famílias, que confiam em nós. Temos atividades extracurriculares, não há faltas, temos um corpo docente estável e um sentido de família. Há uma total disponibilidade para os alunos e para as famílias.”— Emanuel Jacinto, professor de Artes Visuais no Colégio de São Miguel, em Fátima.
Fiz esta escolha porque conhecia o projeto educativo e sabia a forma como o acompanhamento é dado na escola. Eu sinto muita confiança em ter lá [no Colégio Particular] os meus filhos a estudar, pelo grau de exigência e pelas condições. Quando há algum professor impossibilitado de dar aula eles nunca ficam sem atividade nenhuma. E, ao passo que nos tempos mortos, nas escolas públicas, é dada alguma liberdade aos alunos para se ausentarem do recinto escolar, isso não se verifica nesta unidade de ensino particular em que os meus filhos andam.”— Rui António, membro da associação de pais do Colégio de São Miguel, em Fátima.
Tanto há colégios privados bons como há excelentes escolas públicas e o contrário também é verdade. Sinto é que no colégio privado há uma maior apetência da classe docente e mais motivação e melhores instalações, mas o ensino é dado da mesma forma infelizmente. A minha filha frequentou um colégio com contrato de associação, porque nos dava mais jeito em termos de localização, mas no 10.º ano foi para a pública porque era melhor.” — José Gonçalves, pai de uma filha que estudou num colégio com contrato de associação e numa escola pública e de um filho que sempre esteve em escolas públicas.
A qualidade ou a falta dela haverá em todos os lados. As pessoas que dizem que o privado é melhor baseiam-se em rankings, como se o trabalho da escola se resumisse a isso. Há estudos que mostram que os alunos das escolas públicas vão mais bem preparados.” — Augusto Nogueira, diretor da Escola Secundária com 3.º ciclo D. Dinis, em Coimbra.
Porque é que há famílias que, tendo hipótese de escolha, optam pelo privado?
Outra questão que se tem levantado nos últimos dias prende-se com os motivos por detrás da escolha das famílias. E este ponto, que tem sido levantado pelos defensores da liberdade de escolha e da iniciativa privada, foi também abordado pelos entrevistados.
O Governo devia tentar perceber porque é que há escolas com contrato de associação cheias e escolas estatais vazias. Como não quer reconhecer concorrência e qualidade, como não quer respeitar os direitos destas famílias, fá-lo por despacho que obriga cada pai a matricular o filho onde o Estado manda.” — Emanuel Jacinto, professor de Artes Visuais no Colégio de São Miguel, em Fátima.
Se existe uma escola pública que não tem alunos e se há uma escola particular com contrato de associação cheia, porque é que está? O Estado deve entrar em campo e verificar o que se está a passar nessa escola e perceber porque os pais não a escolhem.”— Rui António, membro da associação de pais do Colégio de São Miguel, em Fátima.
Se um pai escolhe uma escola com contrato de associação em detrimento da escola pública é necessário perceber o que o levou a fazer isso. No ensino superior não há nenhum pai com dúvidas. Ele escolhe o público e acabou. Então porque é que nestes níveis de ensino há pais que não o fazem? O Governo devia fazer um inquérito às famílias para perceber o que aquelas escolas oferecem e replicar na escola pública.” — José Gonçalves, pai de uma filha que estudou num colégio com contrato de associação e numa escola pública e de um filho que sempre esteve em escolas públicas.
“As famílias escolhem as escolas particulares porque é mais cómodo. Da realidade que eu conheço, os motivos apontados nos processos de transferência para os colégios é o projeto educativo — que eu acho que é apenas uma bengala — e o transporte. Estas escolas asseguram o transporte das crianças com carrinhas próprias. Sem dúvida que é difícil competir com isto. A questão dos transportes tem de ser pensada pelo Governo.” — Augusto Nogueira, diretor da Escola Secundária com 3.º ciclo D. Dinis, em Coimbra.
Em caso de duplicação de oferta, o que deve o Estado fazer?
E o que motivou toda esta discussão e polémica? O facto de o Ministério da Educação querer pôr fim a situações em que há escolas públicas a meio gás e, na mesma área geográfica, várias turmas subsidiadas pelo Estado em escolas particulares com contrato de associação.
O Governo argumenta com a Constituição, que os defensores destes contratos lembram ter sofrido uma alteração logo em 82 (como pode ler mais acima no texto), e com a Lei de Bases. Os colégios e a direita argumentam que, desde a alteração de 2013, o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo passou a ter plasmada a possibilidade de liberdade de escolha e que, em 2015, foram firmados contratos com 79 colégios, com a duração de três anos, em que se garantia a abertura de cerca de 600 turmas, que não podem ser quebrados, defendem.
Perante estes argumentos, o que entende que deveria o Estado fazer?
Deve manter a escola com mais qualidade. E além disso, há redundância de quê? De espaço? Há espaço vazio nas escolas públicas? Então porque é que têm de ser os nossos espaços a ficarem vazios? E não se esqueça que um aluno fica mais barato ao Estado num colégio particular do que numa escola pública.” — Emanuel Jacinto, professor de Artes Visuais no Colégio de São Miguel, em Fátima.
Eu sinceramente não posso dizer que tenha nada contra que o Estado acabe com turmas com contrato de associação. Eu coloco é esta questão: se existem estes contratos de associação, e se as escolas estão a fazer um bom trabalho, porquê descartá-las? Vendo as coisas como estão agora, creio que se deviam manter, agora naturalmente se o Estado quer investir na escola pública, que invista, mas que não ponha em causa os bons exemplos. Que tenha em conta a qualidade. Não acabe por acabar. O Estado até poderia aproveitar os bons exemplos do privado para melhorar a escola pública.” — Rui António, membro da associação de pais do Colégio de São Miguel, em Fátima.
Se houver real duplicação, se a oferta for a mesma, se as famílias sentirem a mesma confiança quer na escola pública quer no colégio particular em questão, então fica a escola pública. Agora, se há quebra de confiança em relação à escola pública, se o colégio privado tiver um projeto educativo completamente diferente, nesses casos o Estado deve perceber porquê e só depois tomar medidas. Os cortes não devem ser cegos. ” — José Gonçalves, pai de uma filha que estudou num colégio com contrato de associação e numa escola pública e de um filho que sempre esteve em escolas públicas.
Sempre que há duplicação, o Estado deve acabar com os contratos de associação. Só nos casos em que as escolas privadas foram construídas antes das públicas, aí, admito que se possa pensar.” — Augusto Nogueira, diretor da Escola Secundária com 3.º ciclo D. Dinis, em Coimbra.