A sétima edição do Vodafone Mexefest arrancou esta sexta-feira e parece seguro dizer que é a mais lusófona de sempre. A brasileira Céu deu um dos concertos da noite. E o céu agradeceu, guardando os aguaceiros previstos para uma noite futura e deixando centenas de festivaleiros circular em torno da Avenida da Liberdade, de palco em palco, sem a chuva a estragar o passeio.

Primeiro, as baixas. A Igreja de São Luís dos Franceses já não faz parte do circuito, assim como o palco Tanque, o que, no caso deste último, é bom e mau. Mau porque o espaço situado no Ateneu Comercial era um bom cenário para o rock; bom porque o som que dali saía era, no geral, péssimo. Para compensar, o festival, que permite ao público conhecer locais até então fora do seu roteiro, adicionou o sótão do Teatro Tivoli BBVA e o Capitólio.

Celeste/Mariposa

Teatro Capitólio

A primeira paragem foi precisamente este teatro do Parque Mayer, inaugurado em 1931 e que em 2009 começou a ser recuperado. E se o cartaz de 2016 é um caldeirão de música lusófona, para marcar o passo o concerto de abertura foi um convite à (re)descoberta das raízes da música dos PALOP, cortesia do DJ Set de Celeste/Mariposa. O terraço do Capitólio é muito agradável e amplo. No caso, demasiado amplo para as poucas pessoas que se deslocaram às 18h00 para ouvir as canções que Puxa vou passando na mesa de DJ (Funky Bompa esteve ausente). Embora a noite já tivesse caído, faltou coragem (ou vontade) para dançar, com todos os presentes encostados às laterais. Em frente ao palco, um enorme vazio.

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teatro capitolio

O Teatro Capitólio mostrou-se à cidade. Resta saber que planos tem a Câmara de Lisboa para o renovado espaço. © Diogo Inácio / Divulgação

Lula Pena

Sociedade de Geografia de Lisboa

“Bem-vindos. Boa viagem”, começou por dizer Lula Pena, antes de começar a cantar em crioulo, castelhano, italiano, francês, inglês e português do Brasil. Voz e guitarra começaram a ouvir-se às 19h30 no belíssimo palco que é a sala da Sociedade de Geografia de Lisboa. Durante 30 minutos seguidos, a compositora portuguesa não parou de cantar, de tocar guitarra e de lhe bater com as mãos para tirar dela uma pequena percussão. Só às 20h00 é que parou para receber o primeiro e merecido aplauso.

O segundo aplauso foi também o último porque, das 20h00 às 20h30, também não houve pausas. Enquanto toca, olha pouco para o público. Primeiro está o sentir, de olhos fechados. Depois, fica o olhar nos acordes que vai fazendo na guitarra, com a qual acompanha a voz afinada e os vibratos. Só em terceiro lugar é que opta por enfrentar as caras à sua frente. De cabelos brancos e guitarra acústica como única companheira, Lula Pena pegou nas bases do fado e construiu um caminho só dela. O primeiro disco, Phados, lançou-o em 1998, o segundo só chegou em 2010 e os fãs estavam lá para o receber. O terceiro, Archivo Pittoresco, saiu este ano. Todos foram editados primeiro na Bélgica. E apesar de esta sexta-feira à noite ter cantado em tantas línguas, houve uma ausente: o seu português de Portugal.

lula pena vodafone mexefest 2016

O palco sob a escadaria da Sociedade de Geografia é um dos mais bonitos do festival. © Diogo Inácio / Divulgação

Acid Acid

Sala Montepio, Cinema São Jorge

Tiago Castro subiu ao palco sob uma salva de palmas murcha. Ia acompanhado de Violeta Azevedo, flautista, e de um número incontável de sintetizadores e pedais. O público não parecia muito animado, mas o músico não fez caso e atirou com o melhor dos Acid Acid durante a hora que se seguiu.

Definir os Acid Acid pode ser tarefa difícil. Criados em 2014, o primeiro álbum de originais, o homónimo Acid Acid, saiu em junho deste ano pela Nariz Entupido. Com apenas duas faixas (com mais de 20 minutos cada uma), o disco é uma espécie de viagem. A música, puramente instrumental, mistura uma boa dose de experimentalismo com uma dose igualmente generosa de rock. Nalguns temas, mais melódicos, existe ainda espaço para o piano e para a flauta de Violeta que, no meio de tanta distorção, mal se consegue ouvir. No Cinema São Jorge, foi assim.

Quando, ao fim de uma hora, Tiago Castro acenou para se despedir do público, a reação foi fraca. Houve umas palmas, é certo, mas na cara dos espectadores parecia estar a pergunta: “O que é que acabou de acontecer aqui?”. Foi pena. No experimentalismo de Tiago Castro não faltam nuances, texturas, capazes de fazer voar a imaginação.

Jorge Palma

Largo de São Domingos

À saída, agarrámos um chocolate quente que a organização voltou a oferecer pelas ruas, e levámos essa energia para o concerto surpresa da noite — ainda que anunciado com várias horas de antecedência: Jorge Palma, no Largo de São Domingos, num palco acessível a qualquer pessoa, sem ser necessário comprar bilhete. Depois de um período menos bom, o autor de “Dá-me Lume” está em grande forma e a celebrar 25 anos do clássico , onde cantou e tocou ao piano canções como “A Gente Vai Continuar”, “Terra Dos Sonhos”, “Jeremias, O Fora-Da-Lei” e “Bairro do Amor”.

De chapéu na cabeça e guitarra acústica na mão, Palma tocou essas quatro, juntou-lhes “Eu Fui um Lobo Malvado” e uma que “vocês já ouviram milhares de vezes” (“Encosta-te a mim, que o muito público presente cantou, confirmando que o palpite). “O melhor prémio para mim é a saúde”, disse, bem-disposto, depois de mencionar o prémio Nobel da Literatura que este ano foi entregue a Bob Dylan. “Já aprendi muita coisa com ele”, confessou, atirando-se depois a “Don’t Think Twice it’s Alright“. Está tudo bem com o “Dylan português”, como lhe chamou um fã junto à primeira fila. Enquanto assim for, a gente vai continuar a ir vê-lo e ouvi-lo — três dos quatro concertos que vai dar no Centro Cultural de Belém e na Casa da Música, a partir de segunda-feira, para celebrar , estão esgotados.

Medeiros/Lucas

Casa do Alentejo

Carlos Medeiros e Pedro Lucas — ou melhor, Medeiros/Lucas — conseguiram o prodígio de juntar o melhor de dois mundos: o que de mais sublime existe na música (e poesia) portuguesa com as guitarradas frenéticas do rock progressivo. Pode parecer que não faz sentido, mas faz e funciona. E se funciona!

Foi à dupla açoriana que coube abrir o palco da Casa do Alentejo, um dos mais bonitos desta edição do Vodafone Mexefest. A sala, quase barroca, estava bem composta e a contar pelas palmas que se fizeram ouvir o público estava ansioso por ver e ouvir Carlos Medeiros e Pedro Lucas. E os dois não perderam tempo. Em cima do palco, os temas sucederam-se uns aos outros. A primeira música, “Sístole Perdida”, foi retirada do último álbum, Terra do Corpo, cheio de poemas de João Pedro Porto. A segunda, “Sede”, também.

A bateria era rápida, destemida, e a guitarra melódica e prolongada. A isto tudo juntava-se a voz grave de Carlos Medeiros, que ia estalando os dedos, irrequieto, enquanto caminhava pelo palco sem rumo. As primeiras palavras chegaram a meio do concerto: “Chegámos oficialmente a meio do concerto”, disse Pedro Lucas, explicando que a seguir iriam “tocar uma coisa mais calma”, para depois voltarem “a subir por aí a cima”.

E, como o prometido é devido, houve um “Fado do Regresso”, tema do álbum anterior, Mar Aberto, de 2015. Depois de “Ladeira da Calheta”, Selma Uamusse juntou-se aos músicos em palco para cantar “Corpo Vazio”, numa belíssima interpretação. Para o fim, ficaram duas canções “com sal” — “Canção do Mar Aberto” e “Navio”. “Adeus que me vou / Deus sabe até quando”, despediu-se a voz grave de Carlos Medeiros entre uma explosão de guitarras.

Baio

Estação do Rossio

Toty Sa’med deveria ter sido a próxima paragem, mas o concerto do angolano já tinha começado e Baio estava logo ali perto, na Estação do Rossio. Chris Baio é o baixista Vampire Weekend mas, a solo, parece ser mais fã da música eletrónica do que do indie rock do grupo com o qual alcançou fama mundial.

Com o Castelo de São Jorge como pano de fundo, o baixista sem baixo, mas com um laço amarelo que lhe dava um ar geek, vai animando a Estação do Rossio, ora de microfone na mão, ora nos teclados, mostrando as canções de The Names, o álbum de estreia lançado no ano passado. Acompanhado por um guitarrista e de sintetizadores, falou português, cantou, tocou teclas, puxou palmas e arrancou uns abanões a alguns corpos, mas aquele espaço tinha tudo para se tornar numa discoteca tipo anos 80 e não o chegou realmente a ser.

baio

O conjunto blazer, lacinho amarelo e o penteado fazem com que Baio pareça um personagem da série “Teoria do Big Bang” e não o músico com a tarefa de fazer dançar uma plateia. © Diogo Inácio / Divulgação

NAO

Coliseu dos Recreios

Às 22h00 apanhámos boleia do Vodafone Bus para subir a avenida da Liberdade ao som dos Fugly mas, chegados ao Capitólio para ver Talib Kweli, a fila para entrar era tão grande que decidimos voltar para baixo e ver o primeiro espetáculo da noite no Coliseu.

Um foco de luz vermelha iluminou o palco. Depois outro e outro. O som de uma sirene, deu depois lugar a “Like Velvet”, música introdutória de For All We Know, o primeiro álbum de NAO. Depois veio ela, de cabelo solto e descontrolado, de fato colorido a rodopiar palco fora. De sorriso nos lábios, cantou “Happy”, “Inhale Exhale” e “Adore You”, enquanto abria os braços para o público feliz de mais por vê-la.

“Obrigada”, exclamou a britânica com voz de menina, trocando rapidamente o português pelo inglês, a língua materna. “Olá Portugal! Obrigada por terem vindo ver-me, a mim e à minha banda”, afirmou, voltando mais uma vez ao português para dizer: “O meu nome é Neo”. NAO, de nome verdadeiro Neo Jessica Joshua, cresceu e viveu em Londres. Com um estilo musical que descreve como “wonky funk”, o seu som anda pelo funk, pela eletrónica e pelo R&B. Tudo isto com um estilo único, só seu. O primeiro álbum, For All We Know, é confirmação.

“In the Morning” fez as delícias do público e “So Good”, a primeira canção que NAO pôs “cá fora”, não lhe ficou atrás. Um dos grandes momentos do concerto foi a cover de Prince, “If I Was Your Girlfriend”, que o público fez questão de cantar em uníssono com muita dança à mistura. “Vocês são lindos! You’re Beautiful”, atirou NAO enquanto rodopiava em bicos dos pés. “Querem outra canção?” A resposta era óbvia, e seguiu-se “Bad Blood”, onde deu o melhor de si.

NAO despediu-se como chegou: com um sorriso rasgado. Depois de muitos obrigados, saiu graciosamente no palco deixando saudades nos que ficaram do outro lado depois de uma das melhores prestações da noite.

Céu

Sala Manoel de Oliveira, Cinema São Jorge

Havia uma recém Grammy Latino entre nós e, às 23h15, já estávamos sentados no São Jorge à espera dela. Só que, em vez da brasileira Céu, quem começou a falar ao microfone foi o rapper e DJ português Mike el Nite. Levantou-se da plateia e, ali mesmo, anunciou que ia ler um poema publicado na revista TV 7 Dias. “Peço desde já desculpa por isso”, acrescentou.

Percebemos depois que se tratava da iniciativa Vozes da Escrita, feita de espetáculos de spoken word, que a organização introduziu este ano, com convites a Carlão, Mike el Nite, Fuse e Da Chick. Mas não houve muito tempo para refletir no que tinha acabado de acontecer porque quatro músicos entraram em palco, com uma estrela ao centro de seu nome Céu.

Na semana passada, a brasileira de 36 anos ganhou o Grammy Latino na categoria contemporâneo, pelo álbum Tropix, e o Cinema São Jorge encheu para vê-la. Em “Perfume do Invisível”, a segunda canção, já havia quem dançasse, tanto em baixo como no topo da sala, onde não havia cadeiras. Desconfiamos que, se o concerto fosse na sala Montepio, onde não há cadeiras de todo, o ambiente teria sido ainda mais apoteótico.

Céu veio acompanhada por teclista, baterista, guitarrista e baixista, mas é a sua voz doce o principal dos instrumentos. “Contratempo” acelera, “Amor Pixelado” trava, “Pot-Pourri: Etílica / Interlúdio” acaba de forma psicadélica. “Grains de Beauté” puxa um jazz / rnb, “Cangote” é eletrónica, “Malemolencia” é histeria entre os fãs, entre os quais bastantes brasileiros. Boa sorte para quem quiser em encaixá-la numa etiqueta musical. É pop? É bossa nova? É RnB? É jazz? Céu é tudo isso e o que mais couber.

Ao fim de uma hora de concerto o público perdeu finalmente a vergonha com “Varanda Suspensa” e decidiu deixar as cadeiras. O mérito é todo de Céu, que está a dar um ótimo concerto. Não tem uma grande amplitude vocal, mas usa-a com mestria. “Lindo demais, estou emocionada”. Foi mútuo, Céu.

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Sunflower Bean

Estação do Rossio

Começaram o concerto com um elogio — “a vossa cidade é tão bonita!” — e terminaram com um grito. Os nova-iorquinos Sunflower Bean, que atuaram na Estação do Rossio, foram uma das revelações da noite e não há grandes dúvidas em relação a isso.

Quase demasiado novos (têm entre 19 e 20 anos) para a quantidade de concertos que deram este ano, os Sunflower Bean são hoje considerados uma das bandas mais jovens de maior influência. Formados em 2013 em Nova Iorque, as suas influências foram denunciadas pela t-shirt do baterista — Black Sabbath. Entre os seus ídolos, contam-se ainda bandas como Led Zeppelin e Velvet Underground. É por isso que o seu som uma vez cheira a rock psicadélico e outras vezes a punk dos anos 80.

No concerto desta noite de sexta-feira, que encerrou a tour de 2016 do trio nova-iorquino, não faltou nada disso. Durante o espetáculo, que eles próprios consideraram ser memorável (a vocalista Julia disse que não se iam esquecer daquela noite “para o resto da vida”), brindaram o público com o melhor da sua música explosiva, com direito também a alguns momentos mais melódicos.

Dançou-se, saltou-se e, junto às grades, uma mulher grunhia quase selvaticamente. Talvez tivesse possuída pelos deuses do rock. É que esta noite, eles desceram à terra.

Jagwar Ma

Coliseu dos Recreios

Os Jagwar Ma já iam com mais de 20 minutos de atraso quando, no Coliseu dos Recreios, uma voz grave anunciou: “O Vodafone Mexefeste apresenta… Carlão!”. Sem que ninguém tivesse à espera, um foco de luz iluminou o camarote presidencial e lá apareceu o músico, de microfone na mão. “Eu sei que isto está atrasado”, admitiu, pedindo cinco minutos da atenção do público. “Dá para beberem mais uma cerveja.”

Explicando que lhe tinha sido pedido que lesse um texto à sua escolha, no âmbito da iniciativa Vozes da Escrita, Carlão revelou que não iria recitar nem Bukowski, nem Pacheco, mas sim “um texto de um puto de Almada” chamado “Como dar uma boa queca”. O que se seguiu não sairá tão depressa da cabeça de quem por ali andava

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Carlão declamou o texto “Como dar uma boa queca”

Depois de cinco minutos de leitura, o músico desapareceu do camarote presidencial. Pouco tempo depois, subiram ao palco os Jagwar Ma, para um concerto que levou o Coliseu ao rubro. À medida que o espetáculo ia avançando, e o público ia perdendo a timidez, o volume da música ia aumentando mais e mais. O trio australiano estava a tentar deitar o Coliseu dos Recreios abaixo, mas não conseguiu. Depois de uma hora de concerto e de um pequeno encore com mais guitarras do que sintetizadores, os Jagwar Ma despediram-se. Entre o público ainda havia quem pedisse mais. Foi pena, mas teve de ficar para outro dia.

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O segundo e último dia do festival costuma causar mais indecisões na hora de escolher um artista em detrimento de outro. Elza Soares, Mayra Andrade, Kevin Morby, Sara Tavares, Mallu Magalhães, Whitney, Gallant e Branko são alguns dos artistas que vamos seguir novamente em liveblog, a partir das 19h30. Muita lusofonia, portanto.