Se 2020 não tivesse sido 2020, se tivesse sido só mais um ano com as alegrias e tristezas que qualquer ano traz, as contas por esta altura seriam outras. O momento não seria de antevisão, seria de rescaldo: estaríamos a recordar uma Avenida da Liberdade, em Lisboa, que se tinha enchido de gente a percorrê-la a pé, a saltitar de sala em sala (do Coliseu dos Recreios à Estação Ferroviária do Rossio, do Teatro Tivoli BBVA ao Cinema São Jorge) para ver concertos.

Se 2020 tivesse sido o que o mundo esperava há mais ou menos um ano, Lisboa teria recebido há poucos dias mais uma edição do festival de música Super Bock em Stock — outrora chamado de Vodafone Mexefest —, com artistas portugueses e estrangeiros a alegrarem fãs e a revelaram-se a ouvintes. Mas 2020 foi o que foi e, a encerrar o ano, chega um festival que substitui o Super Bock em Stock, impossibilitado por motivos de pandemia. Chama-se Rádio SBSR.FM Em Sintonia, é, como o nome indica, patrocinado por uma rádio musical e pode funcionar como uma espécie de fosco de esperança, para a chegada de mais festivais em 2021 (mas em que condições?).

O Super Bock em Stock, que não acontecerá, não é um festival de verão. Pelo contrário, demarca-se dos concorrentes ao decorrer de inverno. Mas este Rádio SBSR.FM Em Sintonia que o substitui não é sequer o festival nos moldes que um “festival” existia até à pandemia da Covid-19. Não haverá ouvintes colados uns aos outros, à procura de uma nesga de espaço que lhes permita ver melhor o palco. Não haverá aglomerações em pé. E não haverá concertos e DJ sets a acontecer fora de horas, à sexta-feira e muito menos ao sábado à noite, já quando o adiantar do relógio, as cervejas na mão e os ânimos alegres levam a passos de dança mais ou menos desajeitados.

O festival acontecerá em diferentes salas na e junto à Altice Arena (antigo Pavilhão Atlântico), a maior sala de concertos nacional, o que em tempo de pandemia exigirá naturalmente cuidados redobrados. A lotação será menor, a utilização de máscara no recinto é obrigatória, os concertos terão de ser vistos nos lugares estritamente definidos e as salas são três: a Altice Arena, a mais pequena (e adjacente) Sala Tejo e a Sala Fernando Pessa.

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Haverá música ao vivo, pelo menos, o que nestes tempos já não é pouco. Música garantida por artistas portugueses, mais populares ou mais alternativos, mais estabelecidos ou mais alternativos, que contavam em 2020 mostrar em palco discos novos (de 2020) ou recentes (de 2019). Artistas que têm muito para dar aos nossos ouvidos e que ficaram arredados dos habituais festivais devido à pandemia — e que, em alguns casos, são o presente e futuro da música popular (não erudita) nacional.

Aos concertos, somam-se ainda debates sobre “A Indústria da Música no Contexto Atual”, mais especificamente sobre ‘Solidariedade Audiovisual’, ‘Reinvenção no Mundo da Música’ e a possibilidade ou não de festivais de verão ‘normais’ em 2021, no primeiro dia, e sobre o impacto da Covid-19 no setor, o futuro da música independente e o papel da rádio em tempos de confinamento, no segundo dia. Pode consultar toda a programação aqui.

Quinta-feira: Closer, uma trapstar do Minho e o “sistema” de ProfJam e Benji

Como a Direção-Geral da Saúde impõe recolher obrigatório nos dias de semana a partir das 23h e no fim-de-semana a partir das 13h no concelho de Lisboa, os concertos na quinta-feira e sexta-feira começam cedo. Na quinta-feira, o arranque faz-se às 17h15 com o R&B do cantor Ivandro, um valor emergente da música nacional ligado ao hip-hop, e com o indie-rock e dream-pop de Hause Plants, que tem nome de banda, ao vivo é uma banda (um trio) mas que na base é música imaginada por um rapaz só, Guilherme Correia. O primeiro atua na Sala Tejo, o segundo na Sala Fernando Pessa.

Depois, segue a música: no palco principal da Altice Arena, o maior, haverá concertos da banda de pop-rock psicadélica Ganso (18h-18h45), da nova banda de amigos Conjunto Cuca Monga (19h15-20h15), do rapper, cantor e trapstar (satírico, mordaz) do Minho Chico da Tina (20h30-21h15) e do duo de rap ProfJam e Benji (21h30-22h30). Os dois últimos apresentarão ao vivo o álbum que editaram este ano, System, que não tiveram grande oportunidade de apresentar ao vivo por ser um ano pandémico mas que marcou quer o fim da editora Think Music quer a colaboração em disco de dois dos principais intervenientes das novas batidas do trap (um sub-género do hip-hop) em Portugal.

Honrando a tradição do Super Bock em Stock, festival de aposta em artistas emergentes (em alguns casos) e mais alternativos (noutros casos), este Rádio SBSR.FM Em Sintonia programa ainda para o primeiro dia outros concertos: de Domingues (18h35, Sala Fernando Pessa), Paulo Bragança (18h35, Sala Tejo), da cantora e grande promessa da música nacional na vertente neosoul Amaura (20h15, Sala Fernando Pessa) e ainda uma surpresa, uma recriação integral de um álbum mítico editado há 40 anos.

As canções de Closer, dos Joy Division, serão revisitadas em palco (20h45, Sala Tejo) por uma banda que inclui o baterista Luís San Payo (Pop Dell’Arte, Rádio Macau, entre outros projetos), o baixista Alexandre Cortez (Rádio Macau, entre outros), o guitarrista Flak (Rádio Macau, Micro Audio Waves, entre outros), o teclista Felipe Valentim (Rádio Macau, Entre Aspas, etc) e nas vozes João Peste (Pop Dell’Arte) e Nancy Knox.

Uma 6ª com B Fachada a apresentar um disco — e Papillon a recordar outro

Na sexta-feira há mais música. As honras de abertura recaem na one-woman band (violinista, teclista, cantora) Ian (17h15, Sala Tejo) e em Sreya (17h15, Sala Fernando Pessa), que vai apresentar o seu mais recente álbum de pop alternativa Cãezinha-Gatinha. Segue-se às 18h Afonso Cabral, músico e cantor da banda You Can’t Win Charlie Brown que em 2019 lançou o seu primeiro álbum de folk e pop eletrónica a solo, Morada, e que assegurará a abertura do palco principal, a Altice Arena, às 18h.

Daí em diante, os concertos começam a multiplicar-se. No palco principal, a tarde e noite prosseguirá com concertos de B Fachada, que apresentará o seu novo disco Rapazes e Raposas a partir das 19h15, com o rapper e cantor Papillon (20h15-21h15), autor de um dos mais elogiados discos do hip-hop português nos últimos anos, Deepak Looper, mas também de singles recentes como “AAA”, “In'”, “Chill” e “00 Fala Bonito”, e a fechar com o pop-rock dos Capitão Fausto (21h30-22h30), já com alguns discos no currículo, como Pesar o Sol (2014), Têm os Dias Contados (2016) e A Invenção do Dia Claro (2019).

Nos restantes palcos, as atenções concentram-se em artistas emergentes ou mais alternativos com trabalhos recentes editados. Pedro de Tróia, que este ano lançou o álbum de pop eletrónica Logo Se Vê, atua a partir das 18h45 na Sala Tejo, enquanto à mesma hora o radialista e músico Tiago Castro apresenta as composições recentes do seu projeto Acid Acid, que resultaram na edição em vinil de um álbum novo (Jodorowsky) inspirado no cineasta chileno Alejandro Jodorowsky. Chegada à hora de jantar, é momento de se ouvir as canções de Jasmim (20h, Sala Fernando Pessa), cujo último disco, Culto da Brisa, foi editado no ano passado, e de Filipe Karlsson, músico da banda Zanibar Aliens que este ano estreou-se a solo com o EP (mini-álbum) Teorias do Bem Estar.