“O risco não é de cisão mas sim de cairmos na irrelevância”. Assim começa a entrevista que Patxi López, um dos candidatos à liderança do Partido Socialistas dos Trabalhadores Espanhóis (PSOE), concedeu ao diário El País na quarta-feira, a três dias das eleições internas no partido.

Não têm sido tempos fáceis para os socialistas — nem para a política espanhola no geral. Em meio ano os espanhóis foram chamados a votar em eleições gerais duas vezes, e uma terceira esteve muito próxima, só tendo sido evitada porque o PSOE se absteve na investidura do governo minoritário de Mariano Rajoy, do Partido Popular (PP), de centro-direita, possibilitando-lhe funcionar, ainda que com solavancos. Em dezembro de 2015, o PSOE perdeu mais de um milhão de votos conseguindo 90 deputados — abaixo dos 100, a linha de água, pelo menos psicológica, para avaliar o estado do partido. Em junho de 2016 voltou a perder deputados, ficando apenas com 85 e por pouco não cedeu o segundo lugar à coligação de esquerda Unidos Podemos.

Algum governo tinha que ser empossado e foi aí que começaram os problemas internos que estes três socialistas agora têm que resolver: Susana Díaz, com 42 anos, que defende o fortalecimento do partido na oposição antes de o lançar a mais eleições, Pedro Sánchez, com 45, que não coloca de parte uma moção de censura ao governo de Mariano Rajoy e Francisco Javier “Patxi” López, de 57, que quer investigar o PP pelas suspeitas de corrupção, mas não quer uma queda do governo sem uma solução imediata e sólida.

A tinta estalou dentro do PSOE depois das eleições legislativas de junho de 2016 e deixou a nu as fissuras que eram mais profundas do que se antevia: de um lado, os que acreditam que os valores socialistas são insolúveis na grande panela do “centrão” e, do outro, aqueles que acreditam em compromissos para evitar que se congele o país numa sucessão eterna de eleições. No primeiro posto está Sánchez, o líder tido como mais à esquerda, que chegou a propor uma união com o partido crítico da austeridade da União Europeia , o Podemos; no segundo está Díaz, presidente da Região Autónoma da Andaluzia, que quer sarar primeiro as feridas do partido e só depois lançar um ataque ao poder do PP.

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No meio deles está López, um pouco menos carismático, menos explosivo que os dois primeiros. López apoiou Sánchez na sua decisão de não querer viabilizar um governo do PP — decisão que valeu a Sánchez uma moção de censura do seu próprio partido — mas não ficou “contaminado” por esse apoio até porque depois, no Parlamento, também se absteve, de acordo com a indicação que havia saído do Congresso Extraordinário do PSOE.

Por outro lado, López já foi presidente do Congresso, e por isso não é visto como “apenas” um líder regional, que é o que acontece com Díaz, mais presa à política local. Este domingo, a palavra será dos cerca de 200 mil membros do PSOE. Contudo a pessoa que sair vencedora não é candidato a primeiro-ministro. Os socialistas elegem esse nome através de “eleições abertas”, na qual podem participar todos os cidadãos que o desejem.

Patxi Lopéz — Negociar sim, alianças cegas não

Patxi Lopéz quer personificar a “lealdade, fraternidade e amizade” contra os “insultos e desqualificações” e diz que é preciso que o PSOE esteja “disponível para integrar um grupo”, mas não deve “aceitar alianças cegas nem com o Podemos nem com o centro-direita” porque essa foi “a receita” que “alienou os socialistas franceses”.

Num documento intitulado “Mais de cem maneiras de unir o PSOE”, Patxi Lopéz começa logo por sublinhar uma coisa da qual Susana Díaz já tinha sido acusada de se ter esquecido — este é um plano para a orientação do partido e não um manifesto para uma eleição geral. O programa é, por isso, dominado por planos para o PSOE. Mas também contém outras propostas que são bandeiras conhecidas da esquerda. López quer, então:

  • Um PSOE que não esteja colado nem à esquerda nem à direita e que não aceite acordos com o PP só porque “é assim o jogo democrático” ou para preservar “a harmonia da coexistência”;
  • Mais proximidade dos militantes, mais peso nas decisões de políticas do partido tornando obrigatória a consulta aos militantes nos temas mais importantes;
  • Primárias com segunda volta;
  • Subida dos impostos sobre a riqueza, equilibrar os impostos sobre as poupanças e heranças aos lucros, por exemplo, de investimentos financeiros;
  • Perseguir a fraude fiscal destacando mais meios e fundos para tal;
  • Subida dos impostos para empresas que poluem mais;
  • Auditoria aos gastos públicos para “garantir que todos os euros são utilizados de forma justa”
  • Rever reforma do trabalho do PP que, entre outras coisas, diminui as compensações aos trabalhadores em caso de despedimento e autoriza uma empresa a despedir se conseguir provar três meses de lucros em queda;
  • Livros gratutitos para os anos de escolaridade obrigatória.

Susana Díaz — passar de líder regional a nacional

Susana Díaz é uma política de mão cheia, perto das estruturas do partido, perto do sistema, que quer chegar ao poder porque só de lá é que se muda alguma coisa. A maioria dos líderes regionais apoiam a atual presidente da Junta da Andaluzia, mas não é certo que consigam convencer os seus constituintes a votar em alguém que nunca defendeu, claramente, uma rutura com o governo atual.

“Nós não pretendemos arrasar com o que já foi construído pelo PSOE. Reconhecemos a nossa história e queremos um futuro melhor e por isso a nossa estratégia centra-se em construir um partido vencedor”, disse Díaz quando apresentou o seu programa numa crítica a Pedro Sánchez, que não só fala muito mais em coligações do que Díaz, como não é apoiado pelos grandes nomes do socialismo espanhol, como José Rodríguez Zapatero.

Principais medidas:

  • Empréstimo de 24.000 euros a todos os jovens espanhóis na última etapa educacional para continuarem os estudos ou abrirem um negócio. Juros? Zero. Teriam que ser pagos até um máximo de 20 anos;
  • Ensino gratuito no primeiro ano da Universidade com a possibilidade de se estender também aos seguintes, mediante avaliação de aproveitamento e recursos;
  • Um grande investimento contra a pobreza infantil (à semelhança do Pacto de Toledo, um acordo de 1995 para encontrar formas de tornar a Segurança Social sustentável no futuro);
  • Instituir educação pública e gratuita desde os zero aos três anos de idade;
  • Não defende um referendo na Catalunha;
  • Alargamento da consulta aos militantes do partido, não só para escolherem o líder, mas também para aprovarem, ou não, moções de censura ou pactos pós-eleitorais.

Pedro Sánchez — reconquistar a confiança dos socialistas

Pedro Sánchez tem um manifesto mais à esquerda, talvez para evitar que os votos fujam para o Podemos e também para evitar a tentação de uma coligação.

O seu manifesto, “Rumo a uma nova social-democracia”, também toca na organização interna no partido e defende a maior participação dos militantes nas escolhas das principais diretrizes mas, tal como Díaz, já se nota a intenção de apresentar um plano para o país. No documento, que tem mais de 50 páginas, Sánchez defende que “a democracia social europeia cometeu um erro histórico quando abraçou a economia de mercado como uma alavanca para o desenvolvimento”. E refere-se a “um clima de regressão social, mal-estar e pessimismo”, marcado por “desigualdade, o desemprego, insegurança, marginalização, e alterações climáticas”. Sánchez propõe:

  • Aumentar para mil euros por mês o salário mínimo;
  • Promover a semana de trabalho de 35 horas por semana;
  • Forçar a que 5% dos lucros das empresas sejam entregues aos trabalhadores em forma de ações;
  • Abolir o teto sobre as contribuições e poupanças;
  • Taxar mais os trabalhadores por conta própria;
  • Trocar os impostos tradicionais, por exemplo sobre o trabalho, para outros sobre a poluição;
  • Criação de um banco cooperativo e social;
  • Criação de um Estatuto dos Trabalhadores igual para todos os países da Europa, com um salário mínimo equivalente para todos;
  • Bolsas de estudo, mas não créditos ao estudo.

Apesar de duas derrotas nas eleições legislativas, as sondagens dão a Sánchez 52% das intenções de voto dos 188 mil militantes, seguido por Susana Díaz com 27,1% e Patxi López com 14,4%. A sondagem do El Mundo indica ainda que, em caso de eleições legislativas, é também Pedro Sánchez quem mais faria subir a votação no PSOE, com mais 5,7% em relação às sondagens de maio — o PSOE conseguiria 28,7% das intenções de voto, próximo dos 29,3% do PP. Susana Díaz consegue apenas mais dois pontos para o PSOE, conseguindo 24,7%.