Esta crónica não é sobre ele. E podia ser.

Ninguém até este sábado conseguira “molhar a sopa” em três finais da Liga dos Campeões. À quinta que disputou, foi ele o primeiro. Bisaria esta noite em Cardiff. O primeiro golo contra a Juventus foi o golo quinhentos do Real na prova. Ao bisar (e só cinco jogadores bisaram em finais da Liga dos Campeões: Massaro, Riedle, Crespo, Milito e ele) chegaria ao golo seiscentos em oitocentos e cinquenta e cinco jogos. Mais: igualou Puskas (quatro golos) como melhor marcador de sempre em finais; só Di Stéfano fez mais e melhor: sete. É obra, sim.

Mas esta crónica não é sobre ele. É sobre Modrić e Kroos. Porquê? Porque o futebol, por tanto que viva de golos — e as finais só se vencem com golos –, é mais do que isso. Tem que ser. Ele é cada vez mais um finalizador como há poucos, finalizador de área, de primeiro toque. Modrić e Kroos são a antítese: ruços, um de melenas e outro de cabelo à escovinha, papa-quilómetros, ora a defender ora a atacar, quase omnipresentes sobre a relva, tanto cerram os dentes como gizam um septeto vianense num retângulo de cento e cinco por sessenta e oito metros. Não fazem golos, é certo. Não tantos quanto ele. Mas se ele os faz, é (também) porque Modrić e Kroos (com uma ajudinha de Casimiro) fazem tudo o resto.

Vamos ao jogo do Millennium Stadium. A Juventus foi melhor na primeira parte, do primeiro ao derradeiro sopro de Felix Brych no apito, sempre de bola no pé, pela certa, não deixando os espanhóis jogar. Irritando-os até. Quem julgou (e talvez o Real julgasse) que a Juventus seria um verbo-de-encher nesta final, recolhida à defesa como nos distantes dias do catenaccio, a ver o Real passear-se rumo à duodécima, enganou-se. Logo aos sete minutos, a Juventus insistia, insistia, o Real resistia. A bola ficaria a “pingar” à entrada da área. Miralem Pjanić apanhou-a redondinha no pé direito, teve espaço e tempo para tudo, e rematou forte e colocado. Navas fez um defesa espantosa, rente ao poste esquerdo e só com uma luva, a direita.

Ele só havia tocado três vezes na bola até então. O jogo não lhe corria de feição, as acelerações, os dribles, os remates, absolutamente nada lhe corria de feição. Esbracejava. E voltava a esbracejar. Mas tentava. Tentava sempre. E tanto o fez, que foi o dele o primeiro (e único) remate do Real em toda a primeira parte. Tudo começou em Toni Kroos, que recuperou a bola, driblou Pjanić ainda no meio-campo defensivo do Real, o alemão seguiria depois meio-campo fora, apanhou a Juventus em contra-pé e entregou a bola em Benzema. Sem delongas o francês a deixou mais à direita, ele recebeu-a e ainda mais à direita a deixaria em Carvajal. O lateral cruzou para a entrada da área, ele chegara lá entretanto e rematou cruzado, de primeira. A bola entrou no único sítio por onde poderia ter entrado: entre a luva direita de Buffon (que bem se esticou, mas em vão) e o poste esquerdo da Juventus.

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A Juventus nunca venceu até hoje uma final que começou a perder – e só por uma vez, em 1962, diante do Benfica, o Real permitiu uma reviravolta ao adversário.

Mas a Juventus reagiria. Aos 27’. Tudo começou a meio-campo — e em Miralem Pjanić. Pjanić viu Alex Sandro a desmarcar-se lá longe, na esquina na área e à esquerda. Assim o viu, assim lá colocaria a bola, rendondinha, milimetricamente no brasileiro. Alex Sandro cruzou de primeira para a área, Higuaín amorteceu o cruzamento no peito, entregou a bola a Mandžukić de seguida, sempre dentro da área, sempre com a defesa do Real a ver jogar, o croata recebeu-a, rodopiou e meteu a bola na “gaveta”, ou seja, o canto superior direito da baliza de Navas.

Após o intervalo, tudo mudou. Fora-se a Juventus da primeira parte. E o Real também se fora. O mesmo é dizer que os espanhóis agarraram a final pelo cachaço. Sem a largar mais.

À passagem da hora de jogo, e depois de tanto insistir, o Real chegaria ao golo. Ataque pela esquerda, cruzamento de Marcelo, e Benzema remataria na área — mas o remate do francês foi intercetado por Bonucci. Fora da área, ainda distante desta, a bola intercetada pelo central foi parar ao pé direito de Casimiro. O brasileiro encheu-se de fé, rematou, a bola seguiu na direção da baliza, enviesada, e entrou no buraco da agulha, entre o poste esquerdo e Buffon. Que “bomboca” de Casimiro!

Logo de seguida, aos 64, xeque-mate. Mais um! Do suspeito do costume, pois claro: ele. Mas muito do mérito do golo é para Luka Modrić. O croata recuperou a bola no meio-campo da Juventus, seguiu com ela para diante, entregou-a à direita em Carvajal, desmarcou-se, receberia o passe do espanhol na linha de fundo e cruzou para o primeiro poste. Depois, ele, furtivo como sempre, chegou primeiro à bola do que Chiellini e desviou-a de primeira nas barbas de Buffon.

O Real Madrid procurava frente à Juventus ser o primeiro clube a vencer consecutivamente dois troféus da Liga dos Campeões. Sim, é inédito. Mas só neste formato “moderno” da prova — que teve início em 1992/93. Antes, e quando ainda existia a Taça dos Clubes Campeões Europeus, oito clubes conseguiram tal feito: Real Madrid (que foi o primeiro vencedor da prova — e foi-o durante cinco épocas seguidas, entre 1955/56 e 1959/60), Benfica, Inter de Milão, Ajax (que venceu três vezes o título, entre 1970 e 1973), Bayern (que venceria também três vezes consecutivas logo após a hegemonia do Ajax de Johan Cruijff), Liverpool, Nottingham Forest e AC Milan. A Juventus, por sua vez, preparava-se para perder pela quinta vez consecutiva a final – a confirmar-se, igualaria o Benfica, ainda que sem a “maldição” de Béla Guttmann a pairar sobre Turim como desculpa. Tudo somado, seria a sétima derrota (1973, 1983, 1997, 1998, 2003, 2015 e 2017) dos italianos na final da prova.

E confirmar-se-ia aos noventa minutos. O livre era frontal à baliza de Buffon, ligeiramente descaído para a esquerda e a pedir um pé direito. Chegar-se-ia, como sempre no Real, o pé direito dele à frente. O livre não ultrapassaria a barreira, mas da barreira seguiria para a esquerda. À esquerda, Marcelo dribla este mundo e o outro, entra na área como faca quente em manteiga, cruza e Marco Asensio acaba com o jogo, fazendo o 4-1 em Cardiff. A Juventus sofreu mais golos na final do que nos outros doze jogos que disputou na Liga dos Campeões esta época.

Ele, em cinco finais que disputou, só por uma vez não triunfou. É a quarta vez que deita a mão à “orelhuda”. Não, falando dele nunca lhe referi o nome. Ao que é sagrado, sublime, não se refere o nome; contempla-se.