“O Bloco não é e nem será o CDS de António Costa”, disse o coordenador bloquista João Semedo no discurso de abertura dos trabalhos da nona convenção do Bloco de Esquerda, que decorre este fim de semana em Lisboa. E apontou o dedo à ainda curta liderança tácita de Costa no PS, dizendo que os socialistas têm uma gaveta “funda” onde têm arrumado os assuntos da dívida, dos salários e do fim da sobretaxa de IRS.

A política de alianças de governação tem sido um tema fraturante dentro do partido, mas a rejeição de aproximações ao PS de António Costa é agora unânime entre os bloquistas, quer sejam afetos à ala de João Semedo e Catarina Martins, quer à ala de Pedro Filipe Soares e Luís Fazenda.

“Em menos de um mês, o futuro líder do PS já pôs na gaveta a renegociação da dívida, a recuperação dos salários e o fim da sobretaxa de IRS. E nós sabemos tão bem como é funda a gaveta do PS”, disse.

Rejeitando toda e qualquer aproximação ao PS, João Semedo lembrou o que disse esta semana Francisco Assis sobre a “impossibilidade” de um governo de coligação à esquerda e sobre a preferência de uma coligação com o PSD. Uma postura do eurodeputado socialista que o coordenador bloquista afirmou como clara para afastar qualquer interesse de o Bloco se juntar ao PS. “O Bloco não é nem será o CDS de António Costa”, afirmou, entre aplausos fortes.

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Semedo lembrou várias vezes a posição de “obediência” que o PS assume na Europa e que, também por isso, impossibilita qualquer eventual aproximação ao Bloco. “O Bloco não se basta a si próprio nem se autoproclama”, defendeu, pondo a tónica das alianças nos movimentos sociais independentes que estejam disponíveis para a “luta” contra a austeridade.

Falando para os presentes e os ausentes, João Semedo não se poupou a deixar recados aos ex-bloquistas que esta semana anunciaram uma candidatura “cidadã” às eleições de 2015 – o partido Livre de Rui Tavares, juntamente com os projetos políticos de Ana Drago e Daniel Oliveira – com um programa de aproximação ao PS. Mesmo não dizendo nunca a quem se referia, apelou aos militantes que não se deixassem encantar por “vozes de sereia”, que convidam a escolher entre o “mal laranja e o mal rosa”, e que deitam o “veneno do voto útil”. “O caminho do BE não é ajudar o PS”, rematou.

“Não sairemos daqui divididos, podem desiludir-se”

Sem falar uma única vez no nome de Pedro Filipe Soares ou na candidatura por ele encabeçada à coordenação do Bloco, João Semedo abriu os trabalhos da convenção bloquista com um discurso de “união”. “Foi assim que aqui chegámos há 15 anos e será assim que acabaremos esta convenção: unidos”, disse o coordenador que pode ter de passar o testemunho ao atual líder parlamentar caso a moção que encabeça (a par de Catarina Martins) saia derrotada do encontro deste fim de semana.

Num discurso inicial aplaudido por toda a audiência, João Semedo proclamou que, ao contrário da imagem que poderá estar a ser passada para fora de disputa pela liderança, o Bloco não vai sair da convenção “dividido, rendido ou resignado”. “Podem desiludir-se”, disse. A existência de uma candidatura contrária à da direção é, no entanto, inédita na história do Bloco, que costuma chegar a este momento decisivo com uma moção maioritária. O que não aconteceu este ano, depois de a tendência interna Esquerda Alternativa, encabeçada por Pedro Filipe Soares e Luís Fazenda, se ter juntado em torno de uma moção alternativa, conseguindo inclusive maior número de subscritores e de delegados do que o projeto da direção.

Segundo João Semedo, as diferenças no Bloco são “históricas” e a história “deve ser respeitada”. Daí que não deverá ser este ano, ano em que essas diferenças estão mais à tona do que nunca, que alguma coisa mudará. “Temos diferenças, sempre tivemos, mas sempre crescemos com elas”, disse, acrescentando que “saberemos resolvê-las, incluindo e não excluindo” as várias fações.

Mas houve também tempo para uma espécie de ‘mea culpa’ sobre os sucessivos fracassos eleitorais do Bloco desde 2011. Olhando para a liderança que partilhou com Catarina Martins nos últimos dois anos (“dois anos muito difíceis, mas não perdidos”), e que agora está presa por um fio, João Semedo admitiu que a direção “cometeu erros” e que existem problemas na esquerda. Nomeadamente “na intervenção social, na presença nas ruas, na mensagem política e nas escolhas da direção”. “Não devemos ter ilusões: esperávamos mais luta social”, disse. Mas mesmo assim, constatou que os problemas eram internos e as soluções deveriam ser encontradas da mesma forma, internamente.

No final, João Semedo resumiu a ideia do “partido unido na diversidade” num apelo claro, e dirigido muito provavelmente à linha de Pedro Filipe Soares, seu concorrente direto nesta convenção: “Vamos juntos à luta: somos todos Bloco, sem muros à nossa volta, no Parlamento ou nas ruas, um Bloco sem paciência para jogos florais“, rematou. Já à entrada do Pavilhão do Casal Vistoso, o ex-coordenador Francisco Louçã, afeto à tendência Socialismo, tinha dito aos jornalistas que a disputa pela liderança do partido era “muito injustificada”.