Era apenas mais uma sexta-feira, no final de maio. Antero Henrique passou por Lisboa e circulou o rumor de que estaria reunido com dois empresários, um deles Kia Joorabchian, num dos hotéis mais conhecidos quando se fala de gente do futebol: o Ritz. Tinha sido ali também que, duas semanas antes, Jorge Jesus se tinha encontrado com José Maria Ricciardi, ex-presidente do BESI e do Haitong, numa conversa que terá conseguido serenar os ânimos entre o técnico e o presidente do clube, Bruno de Carvalho. Estava ali um possível monte de notícias: Jesus estava a caminho do PSG. Mas a montanha pariu um rato. E tudo porque, onde o atual diretor desportivo do PSG está, tudo pode acontecer.

Antero tem uma relação próxima e antiga com Jorge Jesus, mas Unai Emery ficou como treinador do PSG e ainda não foi desta que trabalharam juntos no mesmo clube. E dois meses depois, os franceses estão a ser dos mais calmos neste mercado: a dois dias do início da Ligue 1, contrataram apenas dois laterais (Dani Alves, a custo zero, e Yuri Berchiche, por 16 milhões) e fizeram duas vendas, recebendo 17 milhões por Jean-Kévin Augustin e Youssouf Sabaly. Pelo meio, Antero convenceu Verratti a ficar. Esse é um dos pontos que melhor caracteriza o português: pode andar sempre ao telefone ou no Whatsapp, conhece como ninguém os principais intérpretes do futebol mundial, anda (bem) informado sobre tudo, mas apenas se aventura no mercado quando é mesmo necessário e consegue uma mais-valia.

Aos 49 anos, Antero Henrique entra agora no topo do mundo ao estar ligado ao maior negócio de sempre da história do futebol: a contratação de Neymar por 222 milhões de euros (só para falar da cláusula de rescisão paga ao Barcelona). E esteve ligado de forma direta e indireta ao acordo, que terá ficado mais próximo ainda após a passagem do jogador pelo Porto para fazer exames médicos (chegou depois ao aeroporto Francisco Sá Carneiro para abandonar a cidade por volta das 19h40). Segundo a BFMTV, o brasileiro ter-se-á encontrado nesta viagem que estava inicialmente marcada para Londres com o dirigente português.

De acordo com o El Confidencial, Antero teria o objetivo de trazer uma grande estrela mundial para o clube. E havia três possíveis alvos: Alexis Sanchéz, Mbappé e Neymar. O jornal conta que o jogador brasileiro, em março, depois da fantástica remontada do Barcelona frente ao PSG, não gostou de ver as atenções serem de novo colocadas em Messi. E começou a pensar seriamente no seu futuro. Nesta altura, mesmo sem estar oficialmente confirmado no clube, o português já estava a tomar contacto com o processo.

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Maxwell, ex-jogador do Barça e do PSG, foi uma peça fundamental no plano de Antero para convencer Neymar sobre as ambições do projeto desportivo dos franceses (o dinheiro nunca foi problema). Depois houve a contratação de Dani Alves, um dos melhores amigos do avançado, que estaria muito perto de assinar pelo Manchester City. E, este fim-de-semana, uma força adicional do clã brasileiro dos parisienses (Thiago Silva, Marquinhos, Motta, Lucas Moura e Dani Alves), que enviou mensagens a Neymar para ser valente e aguentar as pressões, após a conquista da Supertaça frente ao Mónaco por 2-1. Antes, e enquanto o pai de Neymar estava nos Estados Unidos, ia tratando do contrato com outro empresário, Pini Zahavi.

Mas este é apenas mais um degrau para Antero Henrique, numa carreira sempre em ascensão após quase três décadas no FC Porto.

Vários trabalhos realizados sobre o homem que chegou a ser o número 2 dos dragões falam de uma costela benfiquista quando era mais pequeno, em Vinhais, mas quando entrou nos portistas como tarefeiro, em 1990, as cores já tinham mudado. Foi viver para o Porto em 1986 por causa dos estudos e começou no clube a ajudar na renovação de sócios. Passou depois pela revista Dragões e chegou em 1999 à parte de assessoria de imprensa (mais ou menos na altura em que é criada a SAD), preparando os treinadores para as intervenções que tomavam em público.

Quando rebenta o escândalo do Apito Dourado, faz a aproximação definitiva a Pinto da Costa, que sempre viu nele alguém especial. Aí, já era o diretor de Relações Externas; depois, passa de vez para o futebol, como diretor desportivo dos azuis e brancos. Começou por baixo, mas chegou onde quase ninguém no clube acreditava. Razões? Inteligência, personalidade forte, lealdade e convicção nas ideias para o futebol.

São raríssimas as entrevistas que deu. E, curiosamente, uma dessas exceções foi aos franceses da France Football, onde tentou explicar o sucesso do FC Porto em termos de mercado após sucessivas vendas milionárias como Ricardo Carvalho, Deco ou Paulo Ferreira, na fase pós-Mourinho, ou Hulk, Falcao, James Rodríguez, Pepe, Mangala ou Anderson, mais tarde. “O sucesso assenta em três pressupostos: recrutamento, desenvolvimento e rendimento, com os jogadores divididos entre titulares e emergentes”, explicou à publicação, antes de dar outros pormenores como a existência de uma rede de 250 olheiros internos e externos e vários níveis de observação de atletas. E porquê a preferência pelo mercado sul-americano? “Se falarmos com um alemão, por exemplo, não temos nada de especial para oferecer; com um brasileiro, existe essa convicção de que será um passo gigante na carreira e terá melhores condições de vida”.

Numa outra entrevista, ao jornal Marca, afirmou que a estrutura dos azuis e brancos “resiste à saída de treinadores e jogadores e, nesse aspeto, o FC Porto foi pioneiro e o Real Madrid copiou”. Era a colocação dos dragões ao nível dos melhores da Europa, neste caso tendo por base toda uma equipa que permitia aos jogadores estarem apenas concentrados com o treino e os jogos, nada mais. Antes, ao jornal O Jogo, tinha explicado a origem, o propósito e os objetivos do Projeto Visão 611, plano para desenvolver de forma mais sistematizada as camadas jovens do clube que chegou a ser criticado por Rui Moreira, presidente da Câmara.

Fala pouco, mas quando fala tem algo para dizer. Antero Henrique, que entretanto se tornou CEO da SAD portista, saiu em outubro de 2016. Após uma série de escolhas com as quais não tinha concordado, às quais não foi alheio o crescente peso de Alexandre Pinto da Costa no centro de decisões, comunicou ao presidente dos dragões essa vontade de abandonar o clube 26 anos depois, à espera de um novo projeto. Nunca criticou publicamente ninguém, porque prefere os divórcios “limpos”. O que tem para dizer é na cara, sem novelas. E com ponto final. Nessa fase, e fora dos relvados, estava envolvido no processo ‘Operação Fénix’, chegou a prestar depoimento mas, este mês, o Ministério Público pediu a sua absolvição do caso.

De 2006 a 2016, o FC Porto ganhou sete Campeonatos, quatro Taças de Portugal, seis Supertaças e uma Liga Europa. Agora, soma já uma Supertaça de França como diretor de futebol do PSG.

Conhecido por ser um verdadeiro workaholic, acabou mesmo por aceitar a proposta dos proprietários do PSG (reuniu com Nasser Al-Khelaifi e o próprio emir do Qatar, Tamim Al-Thani), após um namoro de algum tempo que foi feito pelo clube, sobretudo desde 2013, quando o brasileiro Leonardo saiu. E com um objetivo claro, que aceitou: dar projeção desportiva internacional aos franceses. A longa lista de conhecidos no telefone também ajuda: é aquilo que a imprensa local descreve de agenda XXL. Assim como o facto de falar português, espanhol, francês, inglês e italiano. Agora, acrescenta-se o maior negócio de sempre.

O Paris Saint Germain confiou-me importantes responsabilidades desportivas, que vou assumir com muito rigor. Estou ansioso para colocar a minha experiência ao serviço de um clube que se converteu em alguns anos num dos maiores da Europa. Tenho a ambição e a vontade de fazê-lo, para criar uma dinâmica que permita colocar de forma permanente o PSG ao mais alto nível”, disse na altura da apresentação oficial. E já está a mostrar serviço.