Ludwig Eisenberg nasceu na então Checoslováquia. Judeu, foi enviado para o campo de concentração de Auschwitz durante três anos. Era o prisioneiro 32407.
Acabou por sobreviver aos horrores de Auschwitz, primeiro trabalhando na expansão deste e, mais tarde, como tatuador de outros prisioneiros como ele era. Mas como é que Ludwig se tornaria tatuador? Por acaso. E o “acaso” foi uma doença. Logo que chegou ao campo de concentração contraiu febre tifóide e foi tratado pelo mesmo homem que o havia tatuado à chegada: Pepan, um académico francês, também ele judeu. Pepan escolheu-o mais tarde para ser seu assistente. E quando (subitamente e sem que Ludwig Eisenberg entendesse o porquê) Pepan desapareceu, este tornar-se-ia no tatuador principal de Auschwitz.
Ao assumir esse trabalho, Ludwig ganhou privilégios que eram negados a outros prisioneiros: tinha direito a mais refeições por dia – algumas delas no mesmo prédio dos oficiais nazis –, dormia em quarto individual e não em camaratas e, quando não tinha a quem tatuar, podia até “folgar”.
Em julho de 1942, Ludwig teve que tatuar o braço de Gita Fuhrmannova (também de nacionalidade checa) com o número 34902. Não seria uma tatuagem mais. Ludwig apaixonou-se pela mulher que viu depois ser transferida para a ala feminina de Auschwitz: Birkenau. Nunca perderam o contacto. Com o beneplácito de um guarda de Auschwitz, logo tratou de enviar cartas à amada Gita. Mais tarde contrabandeou comida para esta – como contrabandearia, usando a sua posição “privilegiada” em Auschwitz, para outros prisioneiros do campo.
Mas Ludwig não era tão privilegiado assim. Não ao ponto de não temer a morte. Várias foram as ocasiões em que o médico Josef Mengele terá afirmado: “Um dia, tatuador, vou-te levar [para uma câmara de gás]. Um dia…” Nunca levou. E o campo seria libertado pelo Exército Vermelho a 27 de janeiro de 1945.
Separação e reencontro
Ludwig Eisenberg perdeu o contacto com Gita aquando da libertação. Mas não perdeu a intenção de voltar a encontrá-la, partindo à sua procura rumo a Bratislava – onde se concentraram a seguir à libertação muitos dos sobreviventes de Auschwitz. Esperou-a na estação de caminhos de ferro durante semanas. E quando Ludwig resolveu partir, procurando-a noutro lugar, cruzaram-se por fim.
Os dois casaram em outubro de 1945. E passaram a utilizar o apelido Sokolov e não Eisenberg. Mas os primeiros anos foram tudo menos pacatos e felizes para o casal que sobreviveu ao holocausto. É que ambos financiavam a criação do Estado de Israel. E quando o governo (de influência forte soviética) descobriu, Ludwig foi detido e os negócios deste (na indústria têxtil) nacionalizados.
O casal conseguiria fugir do país, primeiro para Viena, depois Paris e, finalmente, para Melbourne, na Austrália, onde nasceria o filho, Gary, e viveram o resto das suas vidas. Ludwig, ou “Lale”, nunca contou a sua história – nem ao filho o fez – por temer ser considerado um “colaborador” dos horrores do holocausto. Mais: sentia-se culpado (foi um “fardo” que carregou desde a libertação, dizia) por ter sobrevivido e outros prisioneiros (tatuou dezenas de milhar em Auschwitz) não.
Ludwig morreu em 2016. Pouco antes morrera Gita. Foi então que este resolveu, por fim, contar a sua história (e a história do amor entre ambos) a Heather Morris – que a reuniria no livro “ O Tatuador de Auschwitz”. “Os horrores de sobreviver quase três anos em Auschwitz fizeram com que ele [Ludwig] vivesse o resto da vida com medo e paranóia. Demorei três anos para desvendar esta história”, recorda Heather à BBC. Em fevereiro o livro será publicado em Portugal pela Editorial Presença.