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O encontro no Ritz e o empréstimo por causa do divórcio. As três justificações do procurador em tribunal

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O magistrado do MP, acusado de ter sido corrompido por Manuel Vicente para arquivar processos contra ele, diz que nem sequer o conhece e justifica a origem do empréstimo de 130 mil euros.

O procurador Orlando Figueira é acusado de corrupção, branqueamento, violação do segredo de justiça e falsificação
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O procurador Orlando Figueira é acusado de corrupção, branqueamento, violação do segredo de justiça e falsificação

MÁRIO CRUZ/LUSA

O procurador Orlando Figueira é acusado de corrupção, branqueamento, violação do segredo de justiça e falsificação

MÁRIO CRUZ/LUSA

“Qual a sua profissão?”, perguntou-lhe o juiz. “Preso”, respondeu o procurador Orlando Figueira, acusado de corrupção por alegadamente ter recebido dinheiro do ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, e que está a ser julgado no Campus de Justiça em Lisboa no âmbito da Operação Fizz. A resposta irritou o juiz, que o advertiu de que não devia “brincar”. “Sou advogado com carteira suspensa porque estou sem dinheiro para as quotas e procurador da República em licença sem vencimento de longa duração. Não sou uma coisa nem outra. Não estou a brincar. Estou preso injustamente há dois anos”, respondeu.

A voz do juiz voltou a subir de tom. “Aviso-o já que não é para levar isto assim”, advertiu. “Qualquer arguido sabe qual é a sua profissão!”, acrescentou. “Doutor, trato das cadelas que tenho lá em casa”, prosseguiu o magistrado. O diálogo crispado continuou quando o arguido criticou a acusação, afirmando que estava repleta de “juízos subjetivos”. “Doutor, vamos aos factos”, interrompeu o juiz presidente Alfredo Costa.

Orlando Figueira pegou na acusação e começou a desmontar aquilo que diz ser “uma mentira”. “Recebia o Dr. Paulo Blanco no meu escritório, como recebia muitos outros advogados”, disse. O magistrado garantiu não conhecer o “engenheiro Manuel Vicente de lado nenhum”, que conheceu o arguido “Armindo Pires no debate instrutório” e que Paulo Blanco nada teve a ver com o contrato de trabalho que assinou no setor privado nem com os respetivos pagamentos.

A ficha do dia

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As frases do dia

  • “Não conheço o engenheiro Manuel Vicente de lado nenhum. Conheci o Armindo Pires no debate instrutório. E o Paulo Blanco nada teve a ver com o contrato de trabalho que assinou no setor privado nem com os respetivos pagamentos” (Orlando Figueira)
  • “Manuel Vicente não está a fugir à Justiça. Senão porque pedia a separação dos processos?” (Rui Patrício, advogado de Manuel Vicente e Armindo Pires)
  • “Descobriram o rasto a algum daquele dinheiro? Não. E porque é que não descobriram? Passe a imodéstia, eu sou um visionário” (Orlando Figueira, justificando o arquivamento dos processos que está na origem do caso)

Decisões importantes
O ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, foi separado deste processo. Como as autoridades angolanas recusam notificá-lo da constituição de arguido e da acusação deste processo, o tribunal decidiu avançar com o julgamento só do procurador Orlando Figueira, do advogado Paulo Blanco e do empresário Armindo Pires. Manuel Vicente será alvo de um processo à parte.

Quem foi ouvido
Nesta primeira sessão foi ouvido o magistrado Orlando Figueira, que desmontou a acusação e disse que tudo era uma “mentira”.

Quando é a próxima sessão
Terça-feira, 23 de janeiro, às 10h, com Orlando Figueira a continuar o seu depoimento.

O magistrado contou que quem o abordou para trabalhar no setor privado foi Carlos Silva, então presidente do Banco Privado Atlântico de Angola e Europa, que apesar de ter sido várias vezes referido no processo “escapa sempre pelos pingos da chuva”. O primeiro encontro foi em Luanda, onde foi convidado a participar numa conferência onde também esteve o colega Vítor Magalhães. Os dois estavam no mesmo hotel que o advogado Paulo Blanco e uma colega quando Carlos Silva apareceu. “O Dr. Paulo Blanco bateu-me à porta e disse que estava no hotel alguém que queria beber um café comigo”, recordou. Quando desceu, encontrou Carlos Silva em modo “casual friday, de calções e sapatos à vela”. E foi ele que sugeriu dar-lhe trabalho. “Pode ser um dia, quando estiver reformado”, terá respondido Orlando Figueira.

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Mais tarde, já em Lisboa e depois de um almoço com Paulo Blanco e Carlos Silva, o presidente do banco reiterou a proposta. Disse que alguém com o perfil do magistrado era “bom” para trabalhar com ele. Nesta altura, Orlando Figueira enfrentava um processo de divórcio e decidiu aceitar o desafio. Seguiu-se um encontro, em Lisboa, numa suite no oitavo andar do Hotel Ritz. O contrato acabou por ser mais tarde assinado, com a Primagest, “no escritório do Dr. Proença de Carvalho”, ainda antes de pedir a suspensão de funções de procurador, contou.

O magistrado recusou agir contra todos, como indicia a acusação. O MP diz que a procuradora que o assessorava, Teresa Sanchez, não concordava com alguns dos seus despachos de arquivamento, mas que a sua posição prevalecia. “Assumo total responsabilidade de todos os despachos que assinei. No entanto, quero frisar que a doutora Teresa Sanchez devia ter 16 anos de magistratura, não era uma criancinha”, ressalvou. E que sempre que lhe mandava algo para ela assinar, fazia-o por e-mail. “Dizia sempre: Teresinha, caso concordes assina”, recordou. Orlando Figueira esclareceu que o seu trabalho era escrutinado pela sua coordenadora Cândida Almeida e que sempre foi avaliado com Muito Bom.

Paulo Blanco Fizz Janeiro 2018 Julgamento

O advogado e arguido Paulo Blanco

Como Figueira justifica o dinheiro que recebeu?

Já da parte da tarde, o magistrado tentou explicar de onde vieram os 760 mil euros que o MP diz que recebeu. Começou pelo início da proposta de trabalho de Carlos Silva que se baseou numa oferta de 15 mil euros por mês líquidos (durante 14 meses) e que para “conforto financeiro” em momento de divórcio pediu o pagamento de um ano de remunerações. Justifica assim como recebeu 210 mil euros. O contrato de trabalho seria para diretor jurídico de uma empresa do Grupo Privado Atlântico, que detém o Banco Privado Atlântico. Veio a saber “mais tarde” que era a Primagest — uma empresa que o MP diz estar ligada a Manuel Vicente, uma ligação recusada pelo arguido Orlando Figueira. “É ligada a Carlos Silva e não a Manuel Vicente!”, garante.

“Manuel António Costa é o a administrador único da Primagest, que também integra a Sonangol, não é o Manuel Vicente. As procuradoras não viram isto? Eu estou preso há dois anos, isto é quero por um pé 44 num sapato 22”, disse Orlando Figueira.

Quanto ao empréstimo de 130 mil euros, que o MP diz que recebeu numa conta aberta no Banco Privado Atlântico, Orlando Figueira diz que de facto foi Carlos Silva quem conseguiu o empréstimo. Mas que esse pagamento não serviu para arquivar inquéritos, mas sim para pagar as “tornas” à ex-mulher, de quem se estava a divorciar. “Porque viriam os 130 mil euros de um empréstimo e não diretamente de Angola?”, interroga o arguido. O juiz questiona, então, porque as tornas eram de 50 mil euros e ele pediu 130 mil dos quais não pagou. “Paguei juros e tinha que devolver agora o dinheiro em novembro”, respondeu. “Não era estranho? Nunca foi cliente do banco, não tinha garantias…”, respondeu o juiz. “Então eu ia trabalhar para o Carlos Silva! E tinha que ter uma almofada financeira. O meu filho estava a estudar medicina, tinha que estagiar e a minha filha estava com a mãe”, ripostou.

Relativamente aos 264 mil euros que recebeu numa conta em Andorra, aberta a 17 de março de 2014, o magistrado justificou que foi uma proposta da entidade patronal, uma vez que era uma forma de pouparem nos impostos que sempre prometeram estar a seu cargo. “Eu faço conferências sobre branqueamento de capitais, se quisesse esconder alguma coisa tinha aberto uma offshore“, justificou. Mais. Disse ainda que era “ignorância” da acusação não perceber que o dinheiro recebido em Andorra estava registado no Banco Privado Atlântico em Lisboa

Como o procurador explica os arquivamentos que estão na origem do caso?

Na última parte da audiência desta segunda-feira, o juiz Alfredo Costa pediu a Orlando Figueira que explicasse as circunstâncias em que foram assinados os despachos de arquivamento dos processos que envolviam Manuel Vicente e que estão no centro deste caso. Orlando Figueira reiterou que assume “total responsabilidade pelos despachos de arquivamento”, recusando que se “atire alguma coisa para cima da doutora Teresa Sanchez”, procuradora-adjunta que o estava a assessorar naqueles casos.

Relativamente ao caso que envolve a sociedade Portmill, uma empresa ligada a Manuel Vicente, Orlando Figueira admitiu que a procuradora-adjunta manifestou reservas sobre o arquivamento. “Ela disse ‘ó Orlando, eu não arquivava já'”, disse Orlando Figueira em tribunal. Mas depois o caso “foi reaberto e voltou a ser arquivado”, lembrou o ex-procurador, dizendo que tinha razão. “Passe a imodéstia. Faz-me bem, no estado em que estou”, atirou Figueira.

O ex-procurador insistiu que o despacho de arquivamento do processo foi “tecnicamente irrepreensível”. “O senhor doutor não me consegue apontar, no processo 246, que não apurei esta parte ou aquela parte. Não me consegue apontar um erro, um lapso ou uma leviandade que seja”, sublinhou. Recordando que em causa estavam empresas offshore, Orlando Figueira disse ter tido em conta o “espírito prático da celeridade da Justiça”. “Não há nenhuma rogatória que tenha ido para as Ilhas Virgens Britânicas e que tivesse vindo com sucesso”, afirmou, garantindo não fazer “diligências que sejam inúteis”.

Lembrando ainda que estando o caso relacionado com angolanos, e que o procurador-geral da República de Angola depende diretamente do presidente, não iria conseguir “quebrar o sigilo” naquele país. “Ia eu azedar as relações diplomáticas entre dois estados? Quem é que ia quebrar o sigilo em Angola?”, questionou. “Eu antevi que isto era inútil”, acrescentou.

O juiz confrontou-o depois: “Aquilo que o senhor diz, no fundo, é: ‘Tudo isto era estranho, parecia estranho, mas o que havia a fazer?'” Orlando Figueira respondeu que “não se trata de ser estranho”, mas que “tem a ver com o mundo dos negócios dos angolanos”. E deixou uma pergunta: “Descobriram o rasto a algum daquele dinheiro? Não. E porque é que não descobriram? Passe a imodéstia, eu sou um visionário”.

Manuel Vicente vai ser alvo de um processo à parte. Como?

Depois de suspender a primeira sessão de julgamento por alguns minutos para deliberar sobre os pedidos do Ministério Público e de Manuel Vicente, o coletivo de juízes decidiu separar o processo e prosseguir com o julgamento. A decisão foi tomada por uma questão de justiça para os restantes arguidos, que não se opuseram à separação.

O ex-vice-Presidente angolano foi formalmente acusado em fevereiro de 2017 pelo Ministério Público pelos crimes de corrupção ativa, branqueamento e falsificação de documentos por ter pago ao procurador Orlando Figueira — através do seu advogado Paulo Blanco e do amigo Armindo Pires — para que este arquivasse os inquéritos-crime que corriam contra ele no Departamento Central de Investigação e Ação Penal.

O MP enviou, então, uma carta rogatória à autoridades angolanas para que estas notificassem Manuel Vicente da sua constituição de arguido e da acusação. O ex-governante poderia, assim, pedir a abertura de instrução e contestar a acusação. A resposta foi apenas conhecida esta segunda-feira: as autoridades angolanas não podiam satisfazer o pedido português, uma vez que Manuel Vicente goza do estatuto de imunidade por ter tido funções governativas. Propõem, então, uma alternativa: que o processo seja transferido para Angola para avaliar um possível levantamento da imunidade. Imunidade esta que o Ministério Público português considera não existir — uma vez que os factos de que é acusado ter ocorrido antes de ser eleito ministro. O coletivo de juízes considerou a resposta um “obstáculo” ao julgamento de Manuel Vicente em Portugal e escolheu separar os processos. Só não se pronunciou, para já, se vai entregar o processo aos angolanos.

Assim, o julgamento da Operação Fizz prossegue, mas os factos relativos a Manuel Vicente serão apreciados num outro processo. Neste as autoridades vão tentar voltar a notificar o ex-governante da sua constituição de arguido e da acusação.

O advogado Rui Patrício representa Manuel Vicente e o amigo Armindo Pires

O advogado de Manuel Vicente, Rui Patrício, recusa que ele esteja a fugir à Justiça. “Senão porque teria pedido a separação do processo?”, interrogou o advogado aos jornalistas à porta do tribunal, antes da sessão começar, esta segunda-feira no Campus de Justiça, em Lisboa. “Manuel Vicente não está a fugir à Justiça”, disse Rui Patrício, que também representa no processo o amigo de Manuel Vicente, Armindo Pires.

O que diz o MP sobre as suspeitas levantadas contra Carlos Silva e Proença de Carvalho?

A contestação apresentada pelo arguido e advogado Paulo Blanco e a exposição de Orlando Figueira em que implicam o administrador do Millennium BCP e presidente do Banco Privado Atlântico, Carlos Silva, e o seu advogado Proença de Carvalho levaram a procuradora Leonor Machado a pronunciar-se logo no início desta primeira sessão de julgamento. Isto depois de o procurador coordenador José Góis (responsável pela parte dos requerimentos e recursos) ter dito que estas novas declarações não seriam tidas em conta no julgamento.

Estas declarações “não beliscam a acusação e o despacho de pronúncia e assumem-se como factos laterais”, disse a magistrada. “Aquando da dedução da acusação, o MP não dispunha de indícios contra” Carlos Silva e Proença de Carvalho, acrescentou. Mostrando que Carlos Silva mantinha uma relação de grande confiança com Manuel Vicente baseada em “interesses financeiros”. Ainda assim, salvaguardou que a existirem novos indícios, será extraída uma certidão e dar-se-á origem a um novo inquérito.

O procurador Orlando Figueira, suspeito de ter recebido dinheiro de Manuel Vicente para arquivar os inquéritos crime que tinha em mãos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) chegou ao tribunal aparentemente bem disposto. Disse que ia prestar declarações já nesta primeira sessão de julgamento e que “verdade só há uma”.

Dinheiro, arquivamentos e poder. Nove perguntas para entender o caso Manuel Vicente

* com Luís Rosa

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