Com um tablet numa só mão, circula pela sala de audiências e vai até ao pé dos juízes para apontar para a tela projetada na parede. Pede ao funcionário judicial que mostre este e aquele documento constitutivo de sociedades. “Está ali o Dr. Manuel António Costa, administrador único de todas as empresas ligadas a Carlos Silva e Iglesio Soares. Não há nenhuma referência a Manuel Vicente”, reiterou. A juíza Helena Pinto pergunta-lhe quais são os factos que ligam estas empresas a Carlos Silva. “Factos?”, interroga Orlando Figueira. “Sim, factos concretos”, responde a juíza”. “Factos concretos: eu falei com o Carlos Silva e assinei contrato com Manuel António Costa”.
Na segunda sessão do julgamento que envolve o ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, Orlando Figueira voltou a apontar o dedo a Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico. Esta terça-feira, no Campus de Justiça, o procurador acusado de corrupção, branqueamento de capitais, falsificação e violação do segredo de justiça continuou a desmontar a acusação ponto por ponto. Por diversas vezes teceu elogios ao seu trabalho “irrepreensível”, e pediu perdão pela sua “imodéstia”. “Eu era uma pessoa muito referenciada e altamente conceituada junto do procurador-geral de Angola”, chegou a dizer. Tanto na parte da manhã, como à tarde, insistiu: a Primagest, a empresa que o contratou, não está ligada a Manuel Vicente — como acusa o Ministério Público —mas sim a ao Grupo Privado Atlântico, de Carlos Silva.
“Houve uma necessidade da investigação do Ministério Público em pôr o Manuel Vicente e não o Carlos Silva, porque, se deixa de haver Carlos Silva, deixa de haver corrupção e crime. Portanto, com todo o respeito, se onde se lesse Manuel Vicente se lesse Carlos Silva, não havia corrupção”, disse.
O arguido explicou que uma mera pesquisa no Google mostra que a Primagest participou num consórcio liderado pela Sonangol num negócio com a Coba. E que, eventualmente, terá sido essa informação que levou a relacionar a empresa com a qual assinou contrato com Manuel Vicente. “Estou preso inocentemente há dois anos. Desgraçaram-me a vida. O dr. Carlos Silva não quis assumir a responsabilidade de me ter contratado”, viria a dizer mais tarde. “Porquê?”, pergunta o juiz presidente Alfredo Costa. “Não sei. Gostava de saber”, responde o arguido.
O que tem de saber sobre esta sessão
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As frases do dia
“Houve uma necessidade da investigação do Ministério Público em pôr o Manuel Vicente e não o Carlos Silva porque, se deixa de haver Carlos Silva, deixa de haver corrupção e crime. Portanto, com todo o respeito, se onde se lesse Manuel Vicente, se lesse Carlos Silva, não havia corrupção”, disse Orlando Figueira.
“Eu era uma pessoal muito referenciada e altamente conceituada junto do Procurador Geral de Angola”, disse Orlando Figueira.
Decisões importantes
Dada a morosidade das declarações do arguido Orlando Figueira, e como os restantes arguidos também querem falar, as testemunhas foram notificadas para comparecer apenas a partir da próxima semana.
Quem foi ouvido
Nesta segunda sessão foi ouvido o magistrado Orlando Figueira, que continuou a tentar desmontar a acusação.
Quando é a próxima sessão
Quarta-feira, 24 de janeiro.
Orlando Figueira voltou a falar no empréstimo de 130 mil euros que lhe foi concedido pelo Banco Privado Atlântico, sem garantias e que ainda não foi amortizado. Conta que o empréstimo foi aprovado por Graça Proença de Carvalho (filha do advogado Proença de Carvalho, que representa Carlos Silva) e que o contrato de mútuo foi depois assinado por ela e por Helena Barro. “Segundo esta tese do MP, pergunto, porque é que, segundo a teoria geral da infração, não foram constituídos arguidos? Porquê? Não quero acreditar que haja bruxas, teorias da conspiração, mas acho estranho”, disse.
O juiz Alfredo Costa intervém: “As interpretações deixamos para mais tarde”.
Entre a sua defesa e as poucas perguntas do coletivo de juízes, há assuntos que o magistrado toca e foge. A certa altura, o arguido diz que vai contar tudo sobre o contrato de trabalho e a sua revogação — que o MP diz serem documentos falsos para justificarem parte dos 740 mil euros que terá recebido. “Eu tinha que ter uma capacidade mirabolante para estar a inventar isto tudo”, atirou. Para depois mudar de assunto e ficar por esclarecer porque é que o contrato foi revogado quando soube que estava a ser investigado.
Os documentos dos processos arquivados que tinha em casa
O discurso foge, depois, para as razões que o levaram a devolver a Manuel Vicente os documentos que justificavam os valores auferidos e que atestariam a sua capacidade financeira. Documentos pedidos ao processo, devolvidos ao seu advogado, mas cujas cópias foram encontradas na busca domiciliária feita à casa do magistrado quando foi detido. Orlando Figueira diz que devolveu os documentos para garantir a reserva da vida privada de Manuel Vicente. “Os jornalistas só querem saber quanto estas pessoas ganham. Iam consultar o processo e iam ver. E é um particular. Tinha que salvaguardar. Eu era uma referência no MP”, disse. “Então porque guardou cópias em casa?”, perguntou o juiz Alfredo Costa. A resposta só veio depois de uma pausa no julgamento, quando se voltou ao tema.
“Quer que eu fale sobre isso? Eu falo!” Diz o magistrado que, mal entregou o pedido de licença sem vencimento, começou a especular-se que iria trabalhar “para o BIC ou para a Isabel dos Santos”. Chegou mesmo a ser avançado pela comunicação social. “Eu precisava destes documentos para me salvaguardar. Mas quando deixaram de falar eu comecei a destruir tudo o que guardei. Sobraram estes”, justificou.
Tinha que puxar pela funcionária
A acusação do MP refere que Orlando Figueira trabalhava e despachava processos até em férias judiciais. Mais: que insistia com a funcionária judicial que os casos que tinha em mãos — nomeadamente os de Manuel Vicente — eram urgentes. Neste ponto da acusação, que Orlando Figueira está a rebater ponto por ponto, o magistrado defende-se. E volta a atacar o empenho da funcionária, como aliás já tinha feito na primeira sessão. “Ela trabalhava das 11h00 às 15h00, com duas horas de almoço. Eu tinha que estar sempre a insistir para que fizesse o que eu lhe pedia. Cheguei a questionar se não se devia avançar com um inquérito disciplinar por causa disso. Se calhar foi por isso…” E cala-se.
O magistrado, mais uma vez, diz que assume todas as decisões dos inquéritos que assinou. “Isto está, desculpem a imodéstia, tecnicamente irrepreensível”, uma “imodéstia” vária vezes evocada ao longo da sua defesa.
“Eu nem sequer estava a investigar o Manuel Vicente”
A acusação do Ministério Público diz que o procurador foi influenciado e recebeu dinheiro para arquivar em dois processos. Nos dois há uma empresa em comum: a Portmill. Num primeiro caso, diz o MP, estava a ser investigada a compra de vários apartamentos no condomínio Estoril Sol por várias sociedades — uma delas a Portmill. Neste caso, Orlando Figueira terá extraído uma certidão para que Manuel Vicente fosse investigado separadamente, inquérito este arquivado. Já num outro processo, Manuel Vicente estaria a ser investigado por causa da compra de 24% do BES Angola pela Portmill.
Negócios que Orlando Figueira diz nada terem a ver. “Há uma Portmill que compra os apartamentos. Mas a Portmill de que estamos a falar é a que comprou 24% do BESA Angola”, explicou. “Porque a outra Portmill ninguém lhe consegue chegar, a que comprou os condomínios”, diz o magistrado, explicando que, se mandasse cartas rogatórias para Angola a pedir esta informação, nunca obteria resposta. Assim, garante, o que estava no centro da investigação não era Manuel Vicente, mas sim a origem dos fundos que a Portmill usou para adquirir o BES Angola.
“Eu nem sequer estava a investigar o Manuel Vicente”, afirmou.
Quanto ao arquivamento do processo que abriu para investigar Manuel Vicente, Orlando Figueira diz que, quando pediu para ser afastado dos processos, chegou a solicitar ao então procurador-geral, Pinto Monteiro, que escrutinasse os seus despachos — nesta altura já era público que iria trabalhar para o setor privado. Mas o então responsável pelo Ministério Público disse que não se conheciam elementos que o levassem a “desconfiar” das suas decisões.
O segundo processo, relativamente ao BES Angola, foi reaberto por outro procurador meses depois. E acabou por ser, igualmente, arquivado.
O juiz que veio espreitar a sessão por uns minutos
O juiz do caso BPN Homeland, Pedro Cunha Lopes, entrou na sala de audiência e sentou-se ao lado dos advogados a ouvir as declarações do antigo procurador. Minutos depois, o advogado João Correia — que representa o arguido e advogado Paulo Blanco — perguntou ao coletivo o que ele fazia ali. Mas, antes que o presidente do coletivo respondesse, Pedro Cunha Lopes respondeu-lhe: “Olhe, eu conheço-o muito bem”, e fixou olhar no advogado.
O episódio aconteceu nesta tarde de terça-feira. O juiz presidente, Alfredo Costa respondeu: “Este senhor é magistrado e, como não tinha lugar na sala para se sentar, sentou-se aqui”, disse. “Mas há ali cadeiras”, atirou um advogado, indignado. O juiz desembargador no Tribunal da Relação de Guimarães, que é bem conhecido no meio, manteve-se alguns minutos na sala, mas acabou por sair pouco depois.
Ao sair ainda olhou para o advogado e ex-autarca Fernando Seara — que estava na plateia e é testemunha no processo de Orlando Figueira. Também esta tarde, Fernando Seara anunciou que, afinal, era advogado de Paulo Blanco e não seria mais testemunha. Seara é sócio de João Correia.
Manuel Vicente fora do processo
Na primeira sessão, o coletivo de juízes decidiu separar o ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, deste processo. Isto depois de as autoridades angolanas terem, finalmente, respondido à carta rogatória do MP português. O MP angolano recusou notificar Manuel Vicente da constituição de arguido e do despacho de acusação — bloqueando o seguimento do processo em relação a ele — alegando que goza de imunidade.
A acusação diz que foi Manuel Vicente quem corrompeu Orlando Figueira. Mas como os arguidos Paulo Blanco e Armindo Pires estão acusados do crime de corrupção ativa em co-autoria com Manuel Vicente, continua a estar em causa o crime de corrupção.