Porque deixa Zidane o Real?

O cargo de treinador tem esta parte. Discuti com o presidente duas vezes o que havia que fazer com as contratações e com o plantel, e isso não tem nada a ver com a minha decisão. Quereres continuar a treinar é uma parte importante para desempenhares o teu cargo. Esta é uma decisão para o bem de todos. Primeiro o meu, mas também o do plantel. É preciso uma mudança para continuar a ganhar.”

O treinador nunca chegar a explicar bem o porquê da saída na conferência de imprensa surpresa desta quinta-feira de manhã, que tirou o protagonismo a outro momento que marca o dia em Espanha: a discussão da moção de censura do PSOE contra Rajoy, que pode fazer cair o governo espanhol. Fala em desgaste, percebe-se que já tinha a possibilidade na cabeça há algum tempo (embora nunca diga diretamente quando tomou a decisão) e é óbvio também que ter perdido o Campeonato este ano com menos 17 pontos do que o Barcelona pesou.

Mas houve algo em concreto para Zidane bater com a porta?

É tudo mais simples do que parece, há etapas em que vivemos tudo muito intensamente e é preciso saber quando parar. Houve momentos complicados este Campeonato, que não me esqueço. Quando estamos neste clube, é preciso saber… Se se trata apenas de fazer mais uma temporada e pronto, começar uma época que pode acabar mal, não quero. Quero acabar bem a minha passagem pelo Real Madrid.”

Segundo Zidane, não houve um motivo em específico mas só os próximos dias poderão dar resposta clara a esta pergunta. Ao longo de toda a conversa com os jornalistas, Zidane foi sempre dizendo que o plantel era ótimo, que tinha uma relação perfeita com os adeptos, que já estava a discutir a próxima época, mas… Noutras intervenções, Zidane também diz que seria muito difícil continuar a ganhar. E são estas dificuldades de que Zidane falou que se conhecerão nos próximos dias. Podem ser contratações (fala-se de Neymar) ou até saídas (com Ronaldo — mas também Bale — nas notícias). Zidane respondeu apenas sobre o avançado português: “Não tem nada a ver”. Há também uma clara alusão à fase mais complicada que atravessou durante a época, quando somou uma série de resultados negativos e ouviu assobios no Santiago Bernabéu… mesmo estando a caminho da terceira Champions.

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O que é que mudou para Zidane sair depois de ganhar a Champions?

Não mudou nada, é um desgaste natural. Quando o disse a 20 de fevereiro [que queria ficar], não pensei bem no que significava, sinceramente. Mas sempre soube que neste clube se pode acabar de um momento para o outro. E o dia chegou para mim, depois de três anos. Não estou cansado de treinar, mas para mim, aqui, chegou o momento. Se não tivesse ganho a Liga dos Campeões? Não sei. Talvez ficasse se tivéssemos perdido, talvez…”

Zidane teve um discurso redondo, dizendo sempre o mesmo. Que sai para que o Real Madrid possa volta a ganhar. Porque o seu tempo no clube acabou. Porque depois de três anos, é difícil continuar a melhorar. Mas também admitiu que se tivesse perdido a Liga dos Campeões talvez ficasse. Mais uma vez, só os próximos dias poderão dar para perceber o que o levou a pôr fim a um ciclo de três anos em que foi três vezes campeão europeu e ganhou um Campeonato espanhol entre nove títulos. Olhando para outros casos semelhantes, é o que se costuma chamar de “fim de ciclo”. Entre o último capítulo de uma era e o próximo de um novo tempo, Zidane saiu da história.

As derrotas no Campeonato espanhol pesaram (sobretudo a deste ano)?

Sou um ganhador, gosto de ganhar em qualquer coisa, não gosto de perder. Se tenho a sensação de que não vou ganhar, preciso mudar. Tal como quando era jogador, sempre que vi que não estava a ganhar, mudei. Não culpo ninguém. A culpa só pode ser minha, por isso vou embora. Depois de três anos, posso até estar errado, mas acho que era o momento. Quando não vejo que posso continuar a ganhar… Se não vejo claramente que vamos continuar a ganhar…  Se não vejo as coisas claras como quero… Chega o momento em que dizes que é melhor mudar para não continuar a fazer ‘tontérias’. Há momentos complicados onde perguntas se és a pessoas certa. Houve momentos complicados esta temporada e isso fez-me refletir. Mesmo que tenhamos acabado de forma muito bonita.”

O Real acabou em terceiro, atrás do Barcelona e do Atl. Madrid, numa das épocas que “internamente” pior lhe correram exceção feita à Supertaça. Se na Liga dos Campeões a forma como a equipa reagiu e se impôs marcou o futebol europeu, em Espanha o Campeonato foi perdido muito cedo, nem sequer houve rivalidades e indecisões até ao fim. Muitas vezes os adeptos assobiaram e criticaram. Esse ambiente seguramente levou Zidane a pensar o seu futuro. Até porque, como o próprio admitiu, não se via capaz de ganhar na próxima época. O francês pode continuar a achar que quer Barcelona, quer Atl. Madrid, continuam com equipas mais consistentes e é aqui que pode entrar de novo a questão das saídas e entradas…  Por alguma razão Florentino Pérez disse apenas: “Quero agradecer a sua entrega e tudo o que fez pelo Real Madrid estes anos. Mas se necessita de um descanso, merece-o”.

E os jogadores? Faltam reforços?

Os jogadores não têm nada a ver com a minha decisão. É um plantel que sempre demonstrou ser muito válido. Do que vem a seguir já não tenho de falar eu. Os jogadores precisavam de uma mudança.”

Por outras palavras, faltam reforços. E é preciso impedir saídas. Com o Mundial a menos de duas semanas, a possível perda de Ronaldo e quem sabe de Gareth Bale (que é muito mais provável), e não se ouvir falar em nomes sonantes para reforçar a equipa, podem ter pesado na decisão. Até porque não se conhece qual era a opinião de Zidane sobre a hipótese Neymar, a não ser quando disse de forma redonda que todos os treinadores ficariam satisfeitos por terem o brasileiro. As palavras do treinador parecem fazer antever uma revolução em forma de renovação num plantel onde as principais figuras já entraram na casa dos 30 (ou mais): Ronaldo, Sergio Ramos, Marcelo, Modric e Benzema.

Quando é que o Real Madrid, presidente e jogadores, souberam?

Quero agradecer aos jogadores porque são eles que lutam em campo. A história deste clube faz com que os pressionemos porque queremos sempre mais. Mas chegou o momento de lhes pedir que o continuem a fazer sem mim… Porque acho que precisam de outro discurso. Eles sabem da minha decisão, todo o plantel sabe, por mensagem. Já falei com o Sergio Ramos, agora vou falar com os outros capitães. Jogámos juntos, ele respeitou a minha decisão e desejou-me sorte.”

Florentino Pérez soube quarta-feira à noite. Os jogadores terão recebido todos a mesma mensagem na manhã desta quinta-feira. Conversa ao telefone houve apenas com Sergio Ramos. E a surpresa terá sido geral. Apesar de Zidane afirmar que o plantel sabia, a Marca, por exemplo, diz que foi como se uma bomba tivesse caído no balneário: ninguém estava à espera de uma saída nesta altura. As reações começam agora a aparecer nas redes sociais e são todas de incredibilidade. Por isso Zidane apanhou mesmo todos de surpresa.

Como era a relação com os adeptos?

Tanto como treinador como jogador, os adeptos sempre me apoiaram. Tenho um grande carinho por eles. Tenho de lhes agradecer todo o apoio. Houve momentos complicados na temporada , houve assobios, mas isso faz parte de um clube que tem adeptos exigentes. Temos de dar a cara. Isto pode ser um até logo. O Real deu-me tudo e vou continuar perto deste clube toda a vida. Claro que para muitos esta decisão não tem sentido, mas para mim tem.”

Zidane disse que sempre sentiu apoio dos adeptos. Mas também falou nos momentos difíceis da temporada. Dos assobios. E se perdesse no próximo ano? E se voltasse a deixar de ter hipóteses de ganhar a meio da temporada? Zidane terá ponderado estas possibilidades e talvez até as consequências de sair pela porta pequena a meio da época. Antecipou-se e, com isso, fugiu à memória curta de quem poderia olhar para ele mais como o técnico que pela terceira vez deixava fugir o Campeonato para um rival do que para o treinador tricampeão europeu.

O que vai fazer Zidane?

“Não procuro outra equipa”.

Zidane diz que sai não para outro clube, mas para parar. Uma paragem de um ano de um treinador que esteve sobre a pressão da alta roda do futebol nos últimos três anos é absolutamente normal, havendo o exemplo paradigmático de Pep Guardiola, que foi viver um ano para Nova Iorque. Mas também não quer dizer que não apareçam ofertas tentadoras daqui a uns meses, provavelmente do outro lado do Mundo. No plano europeu, e com o sucessor de Emery no PSG escolhido, só há um grande clube com futuro técnico indefinido: o Chelsea de Antonio Conte. Depois, há sempre o “efeito dominó” no mercado. Exemplo? Se Allegri fosse para o Chelsea, a Juventus, onde Zidane também jogou e foi campeão, andaria à procura de um treinador. Por norma, a seguir a uma saída destas vem sempre um período sabático, mas o futebol ganhou uma vertigem onde o que hoje é verdade amanhã pode ser mentira.