Depois de um longo jejum de 19 anos, o FC Porto conseguiu finalmente ser campeão nacional em 1978. Três anos depois, quando defrontou a Roma para a segunda eliminatória da Taça dos Vencedores das Taças, o conjunto azul e branco somava sete títulos na principal prova portuguesa, mais quatro Taças de Portugal e uma Supertaça. Ou seja, contas feitas, 12 troféus. Na época seguinte a esse duelo entre dragões e transalpinos, Pinto da Costa chegou à liderança do clube e, quase quatro décadas depois, a realidade mudou. Mudou tanto que os portistas têm cinco vezes mais conquistas do que até aí, incluindo sete internacionais. Na antecâmara do encontro, Lorenzo Pellegrini falou de um adversário com uma excelente equipa mas que não é do topo europeu. E essa frase, que surgiu como algo aparentemente inofensivo, tornou-se uma questão central neste encontro.

https://observador.pt/2019/02/12/roma-fc-porto-dragoes-querem-manter-historico-positivo-na-capital-italiana-no-regresso-da-champions/

“Ouvi-o há pouco a dizer que o FC Porto é uma excelente equipa mas não é de topo europeu. E de facto não é: é de topo mundial”, atirou Sérgio Conceição. O técnico chegou mesmo a admitir que o facto de ter representado (com sucesso) a Lazio na sua carreira de jogador pode ter influenciado a forma como os elementos da Roma projetaram a partida dos oitavos, mas desde o sorteio que se sentia uma certa sobranceria dos romanos perante a fuga a equipas como Real Madrid, Barcelona ou Juventus, passando por cima de factos tão evidentes como ter sido a melhor equipa na fase de grupos, com 16 pontos em 18 possíveis. A ideia, na teoria, estava certa; o eco que ganhou em termos práticos nem por isso. E bastava apenas recordar a caminhada europeia dos dragões com José Mourinho entre 2002 e 2004, quando o clube venceu a Taça UEFA (garantindo a final precisamente no Olímpico de Roma frente à Lazio) e a Liga dos Campeões, para perceber que isso do “topo” tem muito que se lhe diga.

A bola rolou e Pellegrini até foi dos jogadores mais em foco na Roma, que aproveitou a fase menos conseguida do FC Porto para chegar a uma vantagem de dois golos já nos últimos 15 minutos do encontro. Depois, veio o outro lado – um golo de Adrián López, substituições dos italianos a baixar linhas, pressing final dos azuis e brancos com bolas cortadas para onde se estava virado. O conjunto de Sérgio Conceição já chegava a território transalpino sem os lesionados Marega e Aboubakar, além do castigado Corona. A meio da segunda parte, Brahimi também saiu a coxear com um problema no tornozelo. Ou seja, os quatro jogadores que tantas vezes foram titulares nas vitórias azuis e brancas do ano passado estavam de fora. E foi nessa fase, quando se viam mais as fraquezas, que surgiram as forças. Nos descontos, Iker Casillas defendeu com a cara um míssil de Kolarov de pé esquerdo e esse acabou por ser o lance que salvou a face do que é uma verdadeira equipa de topo: nas contrariedades, perante os problemas, surgem as soluções. Com isso, a eliminatória chega em aberto ao Dragão.

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Ficha de jogo

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Roma-FC Porto, 2-1

1.ª mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões

Estádio Olímpico, em Roma

Árbitro: Danny Makkelie (Holanda)

Roma: Mirante; Florenzi, Manolas, Fazio, Kolarov; Cristante, De Rossi, Pellegrini (N’Zonzi, 83′); Zaniolo (Santon, 87′), El Shaarawy (Kluivert, 90′) e Dzeko

Suplentes não utilizados: Olsen, Juan Jesus, Marcano e Pastore

Treinador: Eusébio Di Francesco

FC Porto: Casillas; Éder Militão, Pepe, Felipe e Alex Telles; Otávio (Hernâni, 84′), Herrera, Danilo e Brahimi (Adrián López, 68′); Fernando Andrade (André Pereira, 76′) e Soares

Suplentes não utilizados: Vaná, Maxi Pereira, Bruno Costa e Óliver Torres

Treinador: Sérgio Conceição

Golos: Zaniolo (70′ e 76′) e Adrián López (79′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Herrera (74′) e El Shaarawy (88′)

Quase numa afirmação desse estatuto europeu que o próprio mercado de inverno acabou por deixar transparecer (nomeadamente com a contratação de Pepe, que 12 anos depois voltou a jogar na Liga milionária pelos azuis e brancos), Sérgio Conceição tinha uma surpresa preparada no onze inicial, com a entrada de Fernando Andrade além de Otávio para uma equipa que, em termos estratégicos, fugiu ao habitual 4x3x3 da fórmula Champions utilizado em vários encontros, incluindo o último em Moreira de Cónegos. Sem Marega, Corona e Aboubakar, o técnico portista quis apostar numa estratégia onde a melhor defesa era a pressão do ataque a um setor recuado dos transalpinos que tem surgido (de novo) na presente época como o calcanhar de Aquiles da equipa. Contudo, não foi uma boa entrada em campo. Com tanto ou mais demérito do FC Porto do que mérito da Roma.

Felipe, numa “brincadeira” anormal que o fez perder a bola em zona proibida, abriu a porta à velocidade de El Shaawary que, não rematando na altura em que teve essa oportunidade, acabou por desperdiçar o primeiro lance prometedor (4′). E ainda houve mais uma ou duas situações onde a transição defensiva falhou perante a capacidade de chegar rápido às unidades da frente da formação romana. O FC Porto, com o objetivo de controlar o encontro anulando as principais virtudes dos transalpinos, deixou esse trabalho por metade mas assumiu as rédeas do jogo com o passar dos minutos, tendo maior capacidade de circular a bola com segurança e conseguindo algumas chegadas ao último terço que não se transformavam em lances de maior perigo pela distância que ainda ia existindo entre linhas, que deixava Soares e Fernando demasiado isolados na frente.

Seria preciso esperar até aos 26 minutos para haver um remate – isto quando o jogo que tinha demorado mais tempo sem uma única tentativa à baliza na Champions da presente temporada ficara por metade (13′). Pellegrini atirou para defesa segura de Iker Casillas (que antes já tinha tirado “à palmada” alguns cruzamentos perigosos de Kolarov), antes de Fernando Andrade aparecer no seu estilo Derlei para desencantar espaço na área e rematar à figura de Mirante (30′). O embrulho no jogo estava desfeito e por pouco a Roma não abriu mais uma prenda da defesa azul e branca, quando Dzeko recebeu na área descaído na esquerda, tirou com facilidade Éder Militão do lance com uma finta para dentro e atirou um míssil ao poste da baliza dos dragões (38′). Foi o lance de maior perigo mas nem por isso anulou um registo “negativo” – esta foi a partida que teve menos remates tentados na primeira parte em toda a Liga dos Campeões, com apenas cinco tentativas (duas enquadradas). E Otávio era um exemplo paradigmático das explicações: sendo um elemento ofensivo, foi dos melhores do FC Porto… em ações defensivas.

Sem mexidas ao intervalo, o encontro recomeçou com uma outra tendência onde a Roma conseguiu aproveitar a incapacidade do FC Porto em sair com bola para pressionar mais alto e aproveitar alguns lances mais trapalhões da defesa azul e branca, como um onde até Iker Casillas, sempre seguro, andou meio aos papéis na área depois de um cruzamento onde não conseguiu agarrar à primeira (nem à segunda, nem à terceira se a mesma houvesse porque parecia que a bola estava viva). Pouco depois, Cristante conseguiu espaço em zona perigosa – onde costumavam sempre existir pernas portistas no corte – para rodar bem e rematar forte mas à figura do guarda-redes espanhol. A dupla que monitorizava a defesa, Felipe e Pepe, falava quando a bola saía; a dupla que comandava toda a equipa, Danilo e Herrera, trocava opiniões com linguagem gestual sobre posicionamentos. E seria preciso esperar apenas alguns minutos para o internacional português, de cabeça, ficar a centímetros do primeiro golo (57′).

A meio da segunda parte, Brahimi, o senhor dribles conseguidos que funcionava como escape para uma tendência portista de jogar mais longo (nem sempre com sucesso, ou muitas vezes sem sucesso), lesionou-se no tornozelo em mais um grande lance individual e começou aí um período de cerca de dez minutos onde a Roma aproveitou a desconcentração do FC Porto para quase colocar a eliminatória resolvida: primeiro foi Pellegrini, com um remate fortíssimo à entrada da área para grande defesa de Iker Casillas (ainda não tinha feito tantas intervenções esta temporada como as que fez esta noite) que originou depois “guerra” nos bancos porque o argelino estava no chão para sair (67′); depois foi Zaniolo a inaugurar o marcador depois de uma jogada em que Dzeko recebeu e assistiu com demasiado espaço na área (70′); uns minutos depois, o jovem italiano de 19 anos contratado ao Inter fez o primeiro bis como sénior numa recarga a um remate ao poste de Dzeko (76′).

Depois, apareceu o FC Porto. E foi aquela equipa “à FC Porto”, como tantas vezes Sérgio Conceição pediu e aplaudiu. Houve uma dose de sorte à mistura, porque um remate falhado de Soares em rosca acabou por transformar-se numa assistência para o golo de Adrián López, espanhol que desde o póquer ao Vila Real que não tinha voltado a marcar (79′), mas Herrera, uns minutos depois, ficou a centímetros de empatar num tiro de fora da área (84′) e ainda houve mais dois lances onde a defesa da Roma passou por dificuldades inesperadas face ao que tinha conseguido no pior momento dos azuis e brancos. Pelo meio, Di Francesco assumiu ao que ia e tirou um Zaniolo para lançar Santón, fazendo subir Florenzi na direita.

Mesmo tratando-se de uma eliminatória a duas mãos, mesmo estando privado de quatro elementos que seriam em condições normais titulares no ataque e mesmo jogando fora perante uma equipa que aposta tudo na Champions, o FC Porto assumiu o risco de sofrer o terceiro golo com vontade de manter a série de 26 jogos consecutivos sem derrotas (22 triunfos, 18 dos quais consecutivos, e quatro empates) e foi numa transição com a equipa balanceada para a frente que Casillas, com a cara, evitou o 3-1 de Kolarov. Alguns minutos depois, na zona das entrevistas rápidas, o guarda-redes tinha ainda o nariz vermelho por causa desse lance. Mas foi a sua cara que trouxe ao de cima a face de uma equipa de topo mesmo quando perde um jogo.