A questão da coligação PSD/CDS para as legislativas está a deixar de ser tabu. Enquanto as negociações decorrem ao mais alto nível, as bases dos dois partidos começam a movimentar-se e, para a semana, arranca uma dose intensiva de sessões conjuntas sobre investimento. Uma iniciativa que está a ser vista como um presságio de que o anúncio da coligação está mais perto do que parece. Há apenas um entrave: o critério para a elaboração das listas conjuntas, que parece ser a questão mais sensível das negociações.

Depois de terem sido noticiadas as intenções do primeiro-ministro de fechar as negociações em abril, numa altura em que Portugal tem de delinear um novo Documento de Estratégia Orçamental, a maior parte dos centristas não se mostra preocupada. Há quem diga que o pretexto do DEO é a “última oportunidade” e pode ser o “detonador de todas as decisões”, mas também há quem diga que o caso está melhor encaminhado do que isso e que, até antes de abril, haverá fumo branco.

A verdade é que, depois de um período mais conturbado, onde o pulso da coligação parecia estar a ser medido ao ritmo dos números e das sondagens, agora há cada vez mais sinais que apontam no sentido de dar um desfecho à especulação. Na próxima quinta-feira arranca uma série de sessões políticas conjuntas, as chamadas Jornadas de Investimento, que vão juntar as distritais do PSD e do CDS ao longo de todo o país, com a presença de dirigentes de ambos os lados e membros do Governo – incluindo Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. A abertura, já no dia 19, vai estar a cargo dos dois líderes, o que está a ser interpretado por muitos como um dos indícios mais fortes em meses de que PSD e CDS continuam de mãos dadas.

“Os sinais são todos positivos, os partidos estão-se a mobilizar e há iniciativas conjuntas, por isso tudo indica que [a coligação] está no bom caminho”, afirmou ao Observador um dirigente centrista, arriscando que a decisão sobre a coligação vá chegar mesmo antes de abril, ao contrário do que tem sido noticiado na última semana.

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Problema: distribuição de lugares

Que o tema está a ser discutido entre Passos e Portas pelo menos desde finais de janeiro, já se sabe. E como entre o grupo parlamentar do CDS reina a ideia de que a pasta está bem entregue, a tendência entre os deputados, mesmo na presidência da bancada, é chutar o assunto para cima. Ao Observador, Nuno Magalhães, que já defendeu diversas vezes que é adepto de uma aliança pré-eleitoral, não se mostra preocupado com o facto de o assunto estar a ser sucessivamente adiado. Precisamente porque está a ser negociado ao mais alto nível. “Eu não tenho os dados todos”, diz, recusando-se a alimentar o assunto do lado de fora da mesa das negociações por achar que pode ser prejudicial para o próprio acordo.

Resta saber que dados faltam, mas Magalhães arrisca dizer que pode ser a mais pequena coisa, como a vontade de uns e outros face ao timing ideal para fazer o anúncio.

Mas há outro dado que pode estar a pesar: a distribuição de lugares nas listas conjuntas. É que no CDS predomina a tese de que o critério usado nas próximas eleições deve ser o que foi usado nas europeias, isto é, que a distribuição deve ser calculada com base nos resultados alcançados nas eleições anteriores, neste caso nas legislativas de 2011 (onde o CDS teve um dos seus melhores resultados). Para o deputado centrista Artur Rego a questão não parece ser um problema, uma vez que a ideia que ficou das europeias foi que “o critério das eleições anteriores era para ser usado sempre dali em diante”. Pelo menos foi assim que os centristas interpretaram.

Não parece ter sido essa, no entanto, a leitura do PSD. Em entrevista ao Expresso este sábado, o vice-presidente de Passos na direção do partido, José Matos Correia, veio dar o pontapé de saída para a discussão, dando a entender que a repetição do critério não estava em cima da mesa e, mais, que não lhe parecia “razoável” trabalhar “nessa base”. E volta a reiterar ao Observador que, pelo menos nas negociações onde esteve presente, “nunca foi decidido” que iria haver transposição de critérios para as eleições seguintes.

O tema das listas é sensível e, mesmo entre os centristas, as opiniões dividem-se. Uma fonte da direção democrata-cristã admite que pode não ser justo para o partido maior usar como barómetro umas eleições onde não teve um resultado por aí além, apesar da vitória, e onde o partido mais pequeno teve um dos seus melhores resultados – “há que fazer cedências” senão nem seriam parceiros de coligação, diz. Nas europeias, segundo a mesma fonte, não ficou claro que iria haver transposição do critério para o ato eleitoral seguinte, “até porque nessa altura não se falava com clareza numa coligação para o futuro”.

Assunção Cristas, vice-presidente do CDS e ministra da Agricultura, também comentou a discussão na noite de quarta-feira, dizendo à TVI24 que esse “não é o tópico mais importante”, pois a prioridade “é definir as ideias políticas”.

Mas esta visão mais pacificadora não é comum a toda a bancada. Especialmente na ala crítica da liderança de Paulo Portas, onde se ouvem queixas de falta de debate e de discussão – “está tudo entregue a sinais de fumo”. Ao Observador, o deputado José Ribeiro e Castro defendeu que a posição anunciada por Matos Correia pode mesmo ser um entrave à coligação, no sentido em que é um “recuo face ao que foi acordado entre os dois partidos na altura das eleições europeias”, em maio. A mesma ideia foi reforçada por um outro conselheiro nacional centrista. “Do ponto de vista político ou se tem o critério das últimas legislativas ou o CDS perde a jogada”, disse a mesma fonte, acrescentando que, caso prevaleça outro critério, será um sinal de “fraqueza de Paulo Portas”.

Uma coisa é certa, na bancada centrista o tom afina quando é para dizer que a questão da distribuição dos lugares é acessória, se ainda nem há coligação. “Primeiro as ideias, a substância, o programa político, depois os lugares”, resume o líder parlamentar Nuno Magalhães.

“Quanto mais tarde for, mais difícil é explicar por que não foi mais cedo”

Entre os centristas, no entanto, nem todos estão a encarar com a mesma despreocupação a questão do timing. O deputado José Ribeiro e Castro é uma das vozes mais críticas do modo como a direção do CDS tem lidado com o assunto. “O adiamento coloca o CDS numa grande debilidade, porque parece que é um parceiro para a ocasião”, defendeu o ex-líder centrista ao Observador, acrescentando que a ideia que passa é de “incerteza” e que, nesse sentido, não é bom “para o Governo, não é bom para os partidos, nem para a coligação, mas muito menos para o país”.

Certo é que as expectativas em torno da coligação estiveram todas concentradas em dezembro, na altura em que os dois partidos reuniram os seus conselhos nacionais. Mas o assunto passou deliberadamente ao lado. “Toda a gente achava que no último Conselho Nacional se ia decidir isso, e nada”, lembra Ribeiro e Castro. Para o deputado da ala mais afastada de Portas no CDS, o timing está longe de ser o certo, uma vez que a questão da coligação já devia ter ficado esclarecida na altura dos congressos dos dois partidos, entre janeiro e fevereiro do ano passado, mais tardar nas europeias, em maio. “Quando se definiu um projeto comum para a Europa, devia ter-se definido um projeto mais alargado para o país, numa perspetiva de vários anos”, bem ao jeito de uma Aliança Democrática, defende.

Não tendo acontecido em nenhuma dessas ocasiões, o deputado centrista vê agora uma luz ao fundo do túnel: o momento em que Portugal tem de apresentar em Bruxelas um novo Documento de Estratégia Orçamental, pós-programa de assistência. “É a última oportunidade” e pode mesmo ser o “detonador de todas as decisões”, afirma. E vai mais longe. Ribeiro e Castro defende mesmo que todos os partidos se devem apresentar às legislativas com um DEO próprio, onde elaborem um plano alargado para o futuro de Portugal. Seria nessa lógica que PSD e CDS se juntariam para delinear um projeto comum, primeiro para apresentar em Bruxelas, e depois para levar às legislativas.

Para a ala crítica do CDS, a questão é urgente na medida em que fragiliza o projeto comum e deixa, nessa lógica, o país em suspenso com o “Governo de gestão mais longo da história”. E à medida que o tempo passa, torna-se cada vez mais difícil de explicar aos eleitores o porquê da demora. “Quanto mais tarde for mais difícil é explicar por que não foi mais cedo”, vaticina Ribeiro e Castro. Tarde ou cedo, são cada vez mais as certezas de que a aliança pré-eleitoral vai avançar. Talvez mais cedo do que tarde.