“Mesmo se eu disser milhares de vezes que as carnes com hormonas não vão entrar na Europa, as pessoas continuam a não acreditar. É como fazer a defesa de um inocente”. É este o ponto de vista de Cecilia Malmstrom, comissária europeia do Comércio que admite não compreender as razões para uma oposição crescente em países como a Áustria ou a Alemanha ao Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre a União Europeia e os Estados Unidos da América (TTIP). Malmstrom diz que este é o acordo comercial mais ambicioso de sempre e que está nas mãos dos 28, em conjunto com os Estados Unidos, mudar os “padrões de comércio globais”, tornando-os mais exigentes.

Com a oitava ronda de negociações terminada em fevereiro, o TTIP tem encontrado um pouco por toda a Europa entraves à sua concretização e embora Malmstrom tenha defendido perante vários jornalistas em Bruxelas que já se sentou com alguns dos principais líderes desta oposição (como lóbis da agricultura, da pecuária ou organizações não-governamentais anti-globalização), a comissária defende que a resposta final em alguns casos é “somos contra o comércio e contra os Estados Unidos”. O principal objetivo deste acordo é reduzir ao máximo e na maior parte dos casos abolir as tarifas aduaneiras e harmonizar a regulamentação de produtos entre os dois lados do Atlântico.

Acusada de falta de transparência, a comissão Juncker disponibilizou no final do ano passado alguns documentos desta instituição – que está encarregue de negociar por todos os Estados-membros este acordo – e esta terça-feira, a comissária reforçou que há áreas em que o acordo “não vai tocar”, como a importação para a Europa de carnes geneticamente modificadas ou a possibilidade de empresas norte-americanas concorrerem a concursos públicos para administrar serviços públicos europeus relacionados com educação, saúde ou águas. O que, na sua opinião, não deixa de fazer do TTIP, o acordo comercial mais ambicioso de sempre.

“Nem sempre concordamos, mas partilhamos os nossos valores como os direitos humanos e a democracia”, afirma a comissária.

No entanto, o debate em muitos países europeus é “intenso”. Segundo fonte da própria instituição, “não é a Comissão que vai ganhar o debate público, são os Estados-Membros e o Parlamento Europeu”. A mesma fonte referiu mesmo que esta instituição não tem capacidade para desfazer os preconceitos criados em vários países sobre o tratado, nem podendo esclarecer muitas vezes o que está a ser negociado com Washington já que as negociações são secretas.

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Problemas e soluções para o TTIP

Este não é, no entanto, o único acordo comercial a gerar polémica. Também o Acordo Global de Economia e Comércio com o Canadá (CETA) cujas negociações terminaram no ano passado, mas que agora está a ser verificado para se adequar à legislação europeia e canadiana está a dar que falar em Bruxelas. Merkel já veio falar em pequenas alterações, especialmente no que diz respeito ao investor-to-state dispute settlement (ISDS) ou acordos de disputa. Estes acordos estabelecem-se entre investidores e os Estados e asseguram em acordos bilaterais comerciais que empresas de um país a investir noutro podem processar diretamente esse Estado num tribunal arbitral internacional, caso se verifique uma situação de discriminação, protecionismo ou expropriação.

Fonte da Comissão considera que há pouco espaço para abrir negociações e a própria comissária recusou esta tarde essa possibilidade. O mecanismo de ISDS é também uma das maiores críticas ao TTIP, já que permitiria às grandes empresas norte-americanas processar os Estados-membros. Para Malmstrom este acordo pode criar um novo tipo de ISDS, mais ligado aos tribunais de cada país e ser um primeiro passo para a criação de um tribunal internacional comercial, algo que agora só é possível em disputas entre Estados na Organização Mundial do Comércio.

Segundo a mesma fonte da Comissão, o ISDS pode acabar por sair das negociações – embora a UE mantenha este tipo de entendimentos com outros países e a Alemanha, um dos países que mais se opõe a este mecanismo, também os mantenha nos seus acordos bilaterais -, mas ainda é cedo para tal acontecer, sendo pouco provável que os Estados Unidos aceitem ficar sem este tipo de proteção para os seus investidores.

Sobre o andamento do processo, a própria Comissão Europeia admite que a cronologia para concluir este acordo ainda no mandato de Barack Obama (ou seja, até 2016), é “muito ambiciosa” dado que o tempo normal de negociações varia entre quatro a oito anos para um tratado deste género. Para além do TTIP, Obama tem ainda em mãos as negociações da Parceria Trans-Pacífico que junta no mesmo acordo, para além dos Estados Unidos, a Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietname. Já este mês, o Presidente dos EUA vai pedir ao Congresso poderes para acelerar o processo (fast track) dos dois grande acordos comerciais e aí, apesar de a maioria ser republicana neste momento, Obama terá de se bater contra o seu próprio partido, onde há maior oposição a estes grandes compromissos comerciais.