Quase dois anos depois de ter retirado as duas mamas para prevenir o aparecimento de um cancro, a atriz norte-americana Angelina Jolie volta a chamar atenção para o assunto anunciando uma nova cirurgia. Desta vez, retirou os ovários e as trompas de Falópio. À semelhança daquilo que já tinha feito em maio de  2013, a atriz contou a história desta nova operação num artigo no New York Times. Em ambos os textos, sublinhou a importância que teve para a sua decisão o facto de lhe ter morrido a mãe, uma avó e uma tia vítimas de cancro da mama e do ovário.

Em Portugal, referem três médicos contactados pelo Observador, este tipo de procedimento, conhecido por cirurgia profilática, é usado com alguma regularidade nos casos em que existe um historial de cancro da mama ou ovários na família. “Não há nada de diferente entre o que aconteceu com a Angelina Jolie do que aquilo que acontece com uma doente cá em Portugal”, assegura Luís Costa, diretor de oncologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Na grande maioria dos casos, estas cirurgias são feitas no Serviço Nacional de Saúde.

O objetivo é prevenir o aparecimento de cancro. Por isso, uma mulher que tenha historial familiar de cancro da mama ou em qualquer órgão do aparelho reprodutor, pode fazer uma consulta para fins de estudo genético. É após essa pesquisa que se consegue perceber se o paciente tem mutações no gene BRCA1 ou BRCA2, responsáveis por estes tipos de cancro.

Caso se confirme o problema, tal como aconteceu a Jolie, a opção de fazer uma mastectomia ou uma ooforectomia (remoção das duas mamas e dos ovários, respetivamente) é apresentada como uma de três opções. As outras duas passam ou por uma vigilância apertada do caso clínico da paciente ou pela via da quimioprevenção, em que a doente fica sujeita a efeitos secundários fortes. A opção mais eficaz é, de longe, a remoção preventiva dos órgãos.

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Risco de cancro desce 90% de probabilidade

“No caso da ooforectomia, esta cirurgia chega a reduzir a probabilidade do cancro do ovário em cerca de 90%. Isto é uma redução impressionante”, refere Luís Costa. “E este gesto também reduz para 50% a probabilidade de cancro da mama”, acrescenta o diretor de oncologia do Hospital de Santa Maria. Já a mastectomia reduz o risco de aparecimento de tumores nas mamas a 5%, não tendo qualquer repercussão nos ovários.

Apesar da agressividade que este tipo de operação pode representar, Rosa Felix, cirurgiã no Hospital do Espírito Santo de Évora, assegura que a maior parte das pacientes a quem é sugerida esta via não costuma hesitar. “As doentes que optam pela via profilática são geralmente pessoas que têm uma mãe ou uma irmã que tiveram cancro da mama, portanto elas já viram aquilo por que as suas familiares mais próximas passaram. E naquela altura costuma ser bastante óbvio para elas que não querem passar pelo mesmo.” Os níveis de certeza, ainda assim, diminuem conforme a distância de parentesco com o familiar com antecedente de doença oncológica. Por exemplo, uma tia ou uma prima.

Citada pelo Expresso Diário, Ana Luís, do serviço de Consulta de Risco Familiar de Cancro da Mama e Ovário no Instituto Português de Oncologia, garante que após Angelina Jolie ter contado o seu caso “apareceram mais pessoas a contatar aquele serviço, de forma direta, com medo e a garantir que tinham um risco elevado, quando na verdade isso não acontecia”.

É pouco provável que alguém tenha conseguido chamar tanta atenção para este tema quanto a atriz norte-americana. Na versão digital do New York Times, o texto que assina hoje como Angelina Jolie Pitt, usando o apelido do marido, Brad Pitt, conta com mais de 700 comentários.

Reconstrução pode ser “relativamente simples”

O tema das cirurgias profiláticas não é consensual, sendo frequentemente evocadas as consequências negativas que estas operações podem ter para as mulheres que passam por elas. A remoção dos ovários, além de tornar impossível que a paciente volte a engravidar, coloca-a num estado de menopausa provocada e repentina. Quanto à mastectomia, as consequências estéticas podem resultar numa perda de autoestima.

Ainda assim, garante a cirurgiã plástica Maria Afonso, do Hospital do Espírito de Santo de Évora, “a reconstrução da mama é um processo relativamente simples”. É frequente a pele da mama e o mamilo serem conservados, o que permite que seja colocado um implante “em apenas 15 minutos, logo após a remoção do resto da mama”.