“A União Europeia e a zona euro só funcionam se as regras forem observadas e se não estivermos sujeitos ao que os mercados dizem”, afirmou esta sexta-feira Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal. Mas “não basta ter regras, é preciso ter instituições”, defende o responsável, juntando-se às várias vozes que defendem a criação de um Fundo Monetário Europeu (FME), um órgão “forte, com mandato para resolver os desequilíbrios”. Isto porque, diz Carlos Costa, o projeto europeu e da moeda única tem tido “demasiados sobressaltos para a nossa capacidade cardíaca”.
“Se em 2010 alguém dissesse que cinco anos depois íamos ter um Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) e todos os mecanismos que hoje temos, dir-se-ia que não seria possível”, afirma Carlos Costa, na sua apresentação de abertura num seminário sobre “Governação e Políticas para a Prosperidade na Europa”, no Ministério das Finanças, em Lisboa. “Mas a realidade de hoje obriga-nos a dar um salto do ponto de vista institucional” e isso passa pela criação de “um órgão especializado em resolver os desequilíbrios”.
Para Carlos Costa, um órgão que terá de ser criado é um Fundo Monetário Europeu (FME), uma ideia que foi lançada há vários anos por think tanks como o Bruegel e a que se juntaram, por exemplo, vozes como o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, e o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.
Por muitas regras que se criem, diz Carlos Costa, apenas se conseguirá mitigar o risco de crises, já que estas podem sempre acontecer. “Quer tenha sido por um Estado-membro ter adotado políticas insustentáveis ou por haver um choque comum, com efeitos assimétricos (como um choque de petróleo na Europa – que tem efeitos assimétricos). O governador do Banco de Portugal diz que “aí, o grupo não pode dizer ‘má sorte a vossa’, tem de manifestar solidariedade, ainda que uma solidariedade contratualizada”.
Aí, “é necessário haver uma instituição com mandato para liderar esse processo, que não esteja dependente da aprovação nos parlamentos nacionais”. “Quando se corre as capitais europeias a pedir dinheiro, os problemas continuam a avolumar-se”, pelo que a criação de um FME é a única forma de garantir uma resposta adequada a esses problemas, diz Carlos Costa. Contudo, “é preciso estar atento ao facto de que não é possível transformar os contratos de assistência em contratos de tutela”, sublinha o governador do Banco de Portugal.
Carlos Costa defendeu, ainda, que “no plano europeu é preciso tirar do plano político para o plano técnico a emissão dos pareceres sobre os planos orçamentais. Depois passa-se para a apreciação política, mas deve haver antes uma apreciação técnica, para evitar surpresas e para evitar que quando o Estado é grande os problemas sejam resolvidos de uma forma e, quando são pequenos, de outra”.
“Engano mútuo” levou à crise
Carlos Costa defende a criação de um Fundo Monetário Europeu, mas dá, também, a receita para que este tenha de atuar o mínimo possível. “Durante a presente crise houve dois problemas que vieram à tona: a UE e a zona euro têm um enviesamento reativo, já que não antecipa, reage tarde e tende a entrar, numa primeira fase, em estado de negação”. Basta voltar a maio de 2010, diz Carlos Costa, ao início dos grandes problemas, e lembrar a dificuldade que tivemos para reconhecer que estávamos perante um problema comum”.
Por outro lado, a crise mostrou que a UE e a zona euro têm “um enviesamento nacional, já que partimos da parte para o todo e não do todo para as partes, o que leva a que se olhe para o todo de forma redutora”. “Há uma tendência dos países para transportar para a discussão a sua própria forma de ver, os seus a priori, e isso tornou muito difícil, muitas vezes, ultrapassar os problemas”.
Antes disso, contudo, Carlos Costa salienta que “as regras são a base para a confiança mútua na UE e na união monetária”. “Regras que estão consagradas no Tratado, que equivale a uma peça Constitucional e é o que assegura que o grupo se mantém coeso. Se não se cumprirem as regras, o grupo desagrega-se necessariamente”, avisa o governador do Banco de Portugal.
“A Europa só funciona se tiver regras observadas e não estar sujeita ao que o mercado diz”, afirma Carlos Costa. “Nós fomos condescendentes nas regras porque dizíamos que os mercados não eram condescendentes, e o inverso”, o que levou a um “engano mútuo” e levou à crise. “A UE não pode crescer na base de que o mercado é que confere a disciplina, essas regras têm de ser auto-impostas, tem de se basear numa confiança mútua muito forte e tem de haver consagração institucional”.
Equidade atual não pode prejudicar equidade futura
E como definir as políticas orçamentais entre os vários Estados-membros? Carlos Costa recorre à imagem da engenharia: “As pontes não podem ser rígidas, têm de ter alguma flexibilidade”. Mas Carlos Costa diz que não gosta da palavra flexibilidade e prefere falar em “resiliência”, ou seja, definir políticas que permitam que se resista a choques e voltar ao ponto de equilíbrio”.
Para isso, são precisas “reformas estruturais que contribuam para aumentar a resiliência”. Isto para garantir o “crescimento do emprego, que garante coesão social a prazo; um crescimento potencial que garanta capacidade para fazer convergir para valores sustentáveis o défice e a dívida; e, finalmente, assegurar respostas à evolução demográfica”. “Se não formos capazes de crescer com atenção a estas três coisas, estamos, na prática, a criar um problema que a prazo se revela insustentável”. A solução é apostar no “crescimento da produtividade e na integração da população que estava em setores não transacionáveis e foi dispensada”. “O que não é possível é dar o máximo de equidade hoje e comprometer a sustentabilidade futura”, alerta Carlos Costa.