O abrandamento foi uma consequência inevitável da quarentena, mas para Matilde Travassos, que há mais de dez anos mantém uma carreira como fotógrafa de moda, isso não foi necessariamente mau. Durante quase três meses, refugiou-se no campo e limou as arestas de uma ideia que nasceu com a maternidade, há quase um ano. A ambição de criar uma marca de roupa para criança já vinha de trás. A pandemia fê-la eliminar excessos e resumir-se ao essencial — a qualidade das peças e as memórias que elas podem despertar.

“Sempre gostei de malhas. Acho que tem muito a ver com a minha avó, que me ensinou a tricotar e a fazer crochet quando ainda era miúda”, revela Matilde ao Observador, num estúdio fotográfico agora adaptado para ser também showroom da marca. A Jangada viu a luz do dia há cerca de uma semana, no culminar de um processo de certezas e hesitações. De um lado, o desejo de desenvolver um projeto estimulante do ponto de vista criativo. Do outro, o primeiro impulso de criar um guarda-roupa de palmo e meio repleto de cor e peças fortes. A pandemia trocou-lhe as voltas, mas acabou por melhorar o resultado final.

Aos 34 anos, Matilde Travassos trabalha há cerca de 13 como fotógrafa. Já viveu em Paris e em Londres. Aqui, está com o filho, Joaquim © Fotografia cedida por Matilde Travassos

“Já tinha tudo pronto para produzir quando apareceu a Covid-19. Fiquei assustada, mas aproveitei para repensar a marca completamente, segundo aquilo que as pessoas precisam realmente de comprar para as crianças. Em vez de ir pela moda, quis fazer coisas essenciais que durassem e pudessem passar de irmãos para irmãos”, continua.

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O confinamento — no caso de Matilde e da família, um retiro de quase três meses no Minho, em contacto constante com a natureza — deu-lhe o tempo necessário para pensar em todos os detalhes, a começar pelas etiquetas com espaço para os nomes dos diferentes donos da peça. Estão previstos três, embora nada obrigue estes polos, casacos e t-shirts a ficarem pela terceira mão. Quanto às outras etiquetas (as que se tiram antes de vestir), vêm com uma missão original. Entre o papel, há sementes de papoila que só precisam de alguns centímetros de terra para germinar.

A caixa é o retoque final no lado lúdico da marca, com um jogo de tabuleiro para entreter os mais pequenos. “É um jogo britânico chamado Snakes and Ladders. Só têm de ter dados em casa e no site encontram as instruções. Apesar de já ser totalmente reciclada, é uma forma da caixa ter algum aproveitamento. Hoje em dia, não há outra opção senão fazer uma marca sustentável”, explica.

A Jangada está a vender online, embora Matilde também receba clientes por marcação no showroom, em Lisboa. Em todas as caixas, uma versão de Snakes and Ladders © Matilde Travassos

A sustentabilidade de que fala Matilde assenta sobretudo na escala da Jangada. Uma produção pequena (cerca de 100 exemplares de cada peça), levada a cabo por duas fábricas, em Barcelos e na Póvoa de Varzim, e que foge à dinâmica sazonal da indústria. Em vez de coleções, quer trabalhar com uma seleção de peças intemporais que podem ganhar novas cores ou, pontualmente, ver surgir modelos novos. Os tamanhos, para já, vão dos dois aos dez anos, embora já haja alguns adultos a pedir malhas para gente grande.

Para o processo criativo, a fotógrafa abriu o baú da família. “Tenho uma fotografia do meu avô com um polo muito parecido com este”, revela, enquanto pega numa das peças em malha canelada, com colarinhos e carcela em contraste. As malhas predominam, bem como os modelos influenciados pelas modas do século passado, da gola alta “à francesa” à t-shirt em algodão, inspirada por um visual de Mick Jagger. No exercício de design, contou com a ajuda da designer e amiga Inês Maldonado.

7 fotos

“Em Portugal, a moda de criança é um bocadinho estranha. É muito clássica e, ao mesmo tempo, muito virada para as raparigas”, comenta Matilde. Por essas e por outras, embora a referência sejam as roupas de rapaz, prefere não vincular as peças ao género e a sessão fotográfica que assinala o lançamento da Jangada é prova disso. Meninos e meninas exploram o potencial universal das malhas, movidos por peripécias e irrequietos por natureza. Podia ser Tom Sawyer, até porque as propostas da nova marca fazem da infância uma imagem sem época.

Nome: Jangada
Data: 2020
Ponto de venda: loja online
Preços: dos 26 aos 63 euros

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