Em apenas um trimestre, o primeiro de 2015, a empresa pública de imobiliário encaixou uma receita mais alta do que a conseguida nos últimos 15 anos. Isto considerando apenas as vendas de imóveis a entidades fora do Estado.
A Estamo é a empresa do grupo Parpública que gere o património imobiliário do Estado com o objetivo de o rentabilizar. Depois de passar anos a comprar imóveis a departamentos públicos, com recurso a empréstimos bancários que acabaram por pesar no défice, a Estamo está a começar a tirar partido da retoma do mercado imobiliário, pelo menos nas zonas mais procuradas sobretudo por investidores estrangeiros, com Lisboa em destaque.
No primeiro trimestre, a empresa encaixou 56 milhões de euros com a alienação de um conjunto de imóveis na capital, cuja negociação foi realizada ainda no final do ano passado, mas cujo contrato só ficou fechado este ano. O principal comprador foi um grupo imobiliário belga, Krest, através da Krestlist. O negócio, já noticiado pelo Observador, envolveu 10 imóveis em zonas nobres da capital, incluindo a antiga Alfândega de Lisboa e movimentou 46,5 milhões de euros.
Para as contas do primeiro trimestre entram ainda imóveis em Lisboa alienados por quase 10 milhões de euros à KSHG Real State Investments. Esta imobiliária portuguesa, lançada em 2013 por residentes de Macau, tem estado muito ativa também na compra de património à Câmara de Lisboa.
A Estamo colocou, entretanto, no mercado mais 25 imóveis localizados sobretudo em Lisboa, Porto e Setúbal com preços de referência que superam os 60 milhões de euros. O prazo para apresentar ofertas já terminou para cerca de metade destas propriedades, mas fonte oficial da Parpública, a dona da Estamo, explica ao Observador que ainda “decorrem negociações com os interessados nos vários imóveis, sujeitas a reserva, pelo que qualquer informação será divulgada após a assinatura dos contratos promessa de compra e venda.”
Ainda estão à venda 13 imóveis que vão à praça com preços de referência que rondam os 40 milhões de euros e cujo prazo final para a apresentação de ofertas termina a 7 de julho.
Estrangeiros puxam investimento recorde de 800 milhões até maio
A retoma no mercado português acelerou ainda mais este ano, com o investimento comercial em ativos do setor a atingir 800 milhões de euros nos primeiros cinco meses do ano. Os dados divulgados esta segunda-feira pela consultora Cushman & Wakefield revelam que este investimento correspondeu a transações de mais de 20 ativos, com os compradores estrangeiros a aplicarem 600 milhões de euros, ou seja, 75% do total.
Segundo esta empresa de imobiliário, “estes valores retratam um máximo histórico no mercado imobiliário em Portugal, nunca em mais de 15 anos de registo de transações foi atingido no primeiro semestre do ano um valor tão elevado em termos de operações de investimento imobiliário”. Os capitais norte-americanos lideram este regresso dos investidores ao mercado português, com operações avaliadas em 400 milhões de euros que incluem os centros comerciais Almada Fórum e Fórum Montijo. Seguem-se os espanhóis e os tailandeses, que entram no ranking graças à compra dos hotéis Tivoli.
O boom no mercado contagiou também a venda de património do Estado. O encaixe realizado nos primeiros três meses do ano pela Estamo de 56 milhões de euros é o mais alto desde 2011, quando foi registada uma receita de 77,4 milhões de euros. No entanto, excluindo os imóveis alienados a outras entidades públicas, o fundo da própria Estamo (Fundiestamo) e a Parque Escolar, a receita líquida obtida nos primeiros três meses do ano é a mais elevada dos últimos 15 anos.
Vendas dentro do Estado inflacionaram receitas no passado
Aliás, o mesmo fenómeno, transações realizadas dentro do universo do Estado, inflacionou as receitas com venda de imóveis, em particular entre 2006 e 2012 quando estas operações movimentaram cerca de 228 milhões de euros. A Fundiestamo, um fundo imobiliário detido pela Sagestamo, holding que também controla a Estamo, foi a principal compradora neste período. A Parque Escolar também adquiriu imóveis, sobretudo nos anos de 2010 e 2011, quando esteve mais ativo o programa de reabilitação de escolas.
Desde 2000, primeiro ano para o qual há dados, as vendas de património imobiliário protagonizadas pela Estamo atingiram 582 milhões de euros. Mas, se forem excluídas as transações no universo do Estado, com exceção das autarquias, esta receita cai cerca de 40% para 353,4 milhões de euros. E as receitas anuais atingidas estiverem sempre abaixo do montante já encaixado no primeiro trimestre deste ano.
Desde 2103 que a Estamo deixou de realizar vendas significativas dentro da esfera do Estado, o que fez baixar de forma significativa o valor da receita com a alienação de património, evolução que foi também marcada pela forte recessão que afetou este mercado. A retoma chegou ao setor no ano passado e os resultados começam a ser visíveis nos negócios imobiliários do Estado este ano.
O património da Estamo foi constituído ao longo de mais de uma década através da compra de imóveis ao Estado e a entidades públicas, que incluíram todo o tipo de edifícios e serviços públicos, desde quartéis, prisões e hospitais, passando por repartições das Finanças ou a sede de organismos do Estado. Nem todos estes imóveis estão classificados para a venda, muitos continuam a ser ocupados pelos serviços que, em tese, devem pagar renda, embora existam casos de atrasos significativos.
Aquisições pararam quando começaram a pesar no défice
A alienação destas propriedades foi uma forma de o Estado se financiar que assumiu uma especial dimensão nos governos de José Sócrates, quando chegaram a ser movimentadas centenas de milhões de euros num ano. Muitos dos imóveis eram colocados em hasta pública e, quando não apareciam outros compradores, designadamente privados, a Estamo entrava em ação, embora a empresa sempre tenha assegurado que pagou preços de mercado que resultaram de avaliações independentes.
A política sistemática de compra propriedades e edifícios por uma empresa pública foi assegurada graças ao recurso a crédito bancário e financiamento externo, numa espiral que se tornou insustentável a partir de 2011, sobretudo pela demora na rentabilização dos projetos e imóveis. A Estamo acabou por entrar nas contas do Estado, tal como o Grupo Parpública, passando a pesar nas contas do défice e da dívida públicos.
A partir de 2012, as compras da Estamo ao Estado reduziram-se substancialmente. Em 2014, as aquisições feitas por ajuste direto totalizaram cerca de 26 milhões de euros, com o Hospital de Santa Marta, adquirido por 17,8 milhões de euros a ser a maior operação. Em 2015, as compras comunicadas ascendem a 4,7 milhões de euros.
Corrigido às 16.30 do dia 15 de junho com indicação de que o hospital comprado pela Estamo foi o de Santa Marta e não o de Santa Maria.