Por alguns dias, uma descida à realidade. Os sete pontos de avanço na liderança do Campeonato quando só faltam sete jornadas para o final da prova dão um conforto suficiente para evitar sinais de alarme mas aquela derrota no clássico, não só pelo resultado em si mas pela forma como o FC Porto se conseguiu superiorizar, teve o seu peso no trajeto que o Benfica estava a levar, com oito vitórias consecutivas entre a Champions e a Primeira Liga. Agora, era dia de resposta. Como a resposta que houve depois da derrota em Braga, sendo que não mais até agora a equipa tinha perdido. Como a resposta que apareceu após a eliminação da Taça de Portugal com uma vitória na Bélgica frente ao Club Brugge. Como a resposta que a Luz também esperava.

Inter vence na Luz por 2-0 com golos de Barella e Lukaku e complica contas do Benfica na Champions

“Faz parte do futebol perder jogos. Sexta-feira perdemos um jogo importante [com o FC Porto] mas penso que já tínhamos vencido muito antes. Crescemos com as vitórias e com as derrotas. Podemos usar as derrotas para crescer e criar algo positivo. Vi a minha equipa deixar para trás o que se passou muito rapidamente e nos últimos dias temos estado concentrados no Inter. Claro que considerámos os jogos contra o FC Porto na Liga dos Campeões, analisámos a equipa nesse jogo mas não só. O Inter é uma equipa com muita experiência, que sabe jogar futebol atacante e defensivo. Venceram o primeiro jogo em casa por 1-0 e depois vieram defender o resultado na segunda mão. É um pouco o estilo italiano e sei que conseguem mudar esse estilo. Estamos preparados para tudo e queremos jogar no nosso melhor”, explicara Roger Schmidt.

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Nem mesmo o atual momento do Inter desviava o germânico da sua linha de discurso, com um total de seis jogos consecutivos sem vitórias, a cabeça de Simone Inzaghi a prémio (e com Sérgio Conceição na lista dos potenciais sucessores) e alguns jogadores longe do melhor momento. Nem mesmo a forma como a equipa nerazzurri chegou ao empate em Turim frente à Juventus na primeira mão das meias-finais da Taça de Itália serviu de trampolim para a redenção, seguindo-se nova igualdade na Serie A com a Salernitana consentida em cima do minuto 90. “É um jogo diferente, acho que é preciso ver as coisas de maneira independente. Para ambas as equipas é uma situação muito especial. Acho que os resultados passados não vão ter impacto. Eles jogam um futebol físico e têm muitas opções, podem usar jogadores diferentes. Temos de estar ao nosso máximo e temos de acreditar em nós”, voltou a reforçar o técnico germânico no lançamento do jogo.

“Jogos resolvidos nos pormenores? Claro que sim. Nestes quartos de final, sendo uma fase a eliminar, devemos esperar sempre que o adversário jogue no seu melhor. Para ambas as equipas, vai ser muito importante. Tanto nós como o Inter estamos nas últimas oito equipas. Esperamos um adversário de topo, muito concentrado, que também é o que esperamos de nós. Queremos jogar o nosso melhor futebol e temos de estar preparados para uma equipa muito boa, com muita qualidade individual, muitas opções nos vários setores. Precisamos de estar no nosso melhor”, resumiu sobre um encontro entre equipas em busca de um passado perdido – o Benfica nunca chegou às meias-finais da Champions no atual formato desde 1992 (tendo no historial duas vitórias na prova entre sete finais), o Inter não mais atingiu o top 4 europeu desde que se sagrou campeão com José Mourinho no comando em 2010 (três vitórias no total em cinco finais disputadas).

Em paralelo com tudo isso havia em campo um jogador com passado e presente comum entre as duas equipas: João Mário. Que saiu em 2016 como a maior venda de sempre do Sporting para o Inter, que nunca vingou em Milão tendo sido cedido a West Ham, Lokomotiv Moscovo e de novo aos leões, que acabou por ir para a Luz depois de uma guerra do Benfica com o rival lisboeta. E se a primeira época nos encarnados foi discreta, a presente com Schmidt trouxe a melhor versão do médio agora com 30 anos. “Espero que seja tão importante como tem sido toda a temporada. É um jogador chave para nós, um líder, é o segundo capitão. Acho que até agora tem estado fantástico, não só por marcar muitos golos e fazer assistências, mas também por ser um jogador completo e fiável a nível tático, com bola e sem bola”, enaltecera Roger Schmidt.

João Mário foi capitão mas não foi “o” capitão. E, entre uma exibição muito abaixo do que tem vindo a fazer, ainda acabou por ficar diretamente ligado ao resultado com a grande penalidade que deu a Lukaku o 2-0 final. O médio funcionou quase como um espelho de tudo aquilo que a equipa não conseguiu fazer, em vários pontos num prolongamento do que já tinha falhado com o FC Porto. Faltou velocidade, faltou largura, faltou unidades perto do portador da bola, faltou não deixar o jogo cair para o que o Inter mais queria. Faltou muita coisa, inclusive força para procurar uma outra reação. O tanque voltou a ficar sem gasolina, o motor voltou a gripar e o mecânico Roger Schmidt voltou a não perceber a tempo que assim o carro não andava…

Ficha de jogo

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Benfica-Inter, 0-2

1.ª mão dos quartos da Liga dos Campeões

Estádio da Luz, em Lisboa

Árbitro: Michael Oliver (Inglaterra)

Benfica: Vlachodimos; Gilberto, António Silva, Morato, Grimaldo; Florentino Luís (David Neres, 64′), Chiquinho; João Mário, Rafa, Aursnes e Gonçalo Ramos

Suplentes não utilizados: Samuel Soares, André Gomes, Lucas Veríssimo, Gonçalo Guedes, Tengstedt, Schjelderup, Musa, Rafael Rodrigues, João Tomé, Ndour e João Neves

Treinador: Roger Schmidt

Inter: Onana; Darmian, Acerbi, Bastoni (De Vrij, 90+1′); Dumfries (D’Ambrosio, 86′), Brozovic, Mkhitaryan, Barella, Dimarco (Gosens, 63′); Lautaro Martínez (Correa, 63′) e Dzeko (Lukaku, 63′)

Suplentes não utilizados: Handanovic, Cordaz, Gagliardini, Bellanova, Asllani, Carboni e Zanotti

Treinador: Simone Inzaghi

Golos: Barella (51′) e Lukaku (82′, g.p.)

Ação disciplinar: cartão amarelo a António Silva (22′), Brozovic (50′) e Dzeko (83′)

Se a ideia do Benfica era fazer um prolongamento da exibição de gala que vinha das bancadas, o Inter foi mais sagaz e conseguiu colocar o “gelo” necessário nos minutos iniciais para acalmar essa euforia. Às vezes dava até a ideia de que poderia arriscar mais nos passes para quem andava entre linhas ou na profundidade mas só o simples facto de ter posse, rodar com segurança e evitar qualquer tipo de calafrio parecia chegar a um conjunto de Milão com maior experiência de Champions (347-201 no total de encontros na competição entre os 11 titulares de cada lado). Quando arriscou pressionar mais alto, teve resultados: após duas bolas ganhas no primeiro terço dos encarnados em zonas laterais, Dimarco encontrou a cabeça de Dzeko mas o desvio saiu ao lado (9′). Quando foi pressionado mais alto e em bloco pelo Benfica, mostrou fragilidades e falta de confiança pela forma como não ocupou o espaço fora da área onde Florentino Luís atirou muito ao lado (13′) e como um corte “assistiu” Rafa para um disparo travado por instinto por Onana (16′).

Dimarco era o exemplo paradigmático do momento que o Inter atravessa e que se fazia sentir ainda na Luz, apesar do contexto e das características diferentes do encontro. Lá na frente, quando a bola passava por aquele pé esquerdo, dava sensação de perigo; atrás, quando a bola ia para o seu lado, o Benfica criava perigo. Foi assim que João Mário, ganhando a posse depois de mais um corte defeituoso, rematou cruzado mas ao lado da baliza de Onana (20′). Acabava aí o primeiro-melhor-período-do-Benfica, começava a partir daí um novo período-menos-mau-mas-de-controlo-do-Inter, com Acerbi a subir a zonas menos habituais aos três centrais dos italianos para um remate forte de pé esquerdo que saiu muito perto da trave da baliza de Vlachodimos (25′). E, como acontecera antes, esses sustos colocaram um “travão” nos encarnados.

Até ao intervalo, que chegou quase de “surpresa” por não ter havido qualquer minuto de descontos, ainda houve um cruzamento/remate de Grimaldo que com o arco a fugir da baliza passou ao lado e dois centros de Dimarco à procura de Dzeko que foram cortados para canto e pouco mais, numa partida que estava mais ao jeito do que o Inter queria do que à vontade que o Benfica pretendia. E era esse o grande desafio de Roger Schmidt: colocar mais em jogo Gonçalo Ramos em apoios frontais ou a explorar os espaços entre centrais e laterais, posicionais João Mário e Aursnes mais ao meio para os laterais darem a profundidade e criarem mais situações de perigo que mantivessem os transalpinos mais remetidos ao seu meio-campo.

Foi tudo isso que se viu nos minutos iniciais do segundo tempo, com os adeptos a puxarem também pela equipa encarnada por perceberem que havia vontade de fazer mais e melhor. No entanto, e entre as duas aproximações que não deram depois remate na área dos italianos, acabou por ser o Inter a adiantar-se no marcador numa jogada com vários erros à mistura: Bastoni, central pela esquerda, subiu sem ter marcação de João Mário, Rafa ou um dos médios, Gilberto ficou com Dimarco e houve o espaço para cruzar largo ao segundo poste onde Barella apareceu vindo de trás a antecipar-se a Grimaldo para desviar de cabeça para o 1-0 (51′). Pouco depois, num lance onde a bola parecia não querer entrar após um cruzamento rasteiro de João Mário para a área que terminou com Acerbi a cortar entre as pernas de Gonçalo Ramos, o empate parecia certo entre os ressaltos. Não foi. E os transalpinos agarravam na partida colocando-a mais a seu jeito.

Se essa jogado tem entrado (ou se houvesse grande penalidade como foi reclamado), a história do encontro seria diferente. Assim, e durante alguns momentos, mais pareceu um remake do filme que se tinha passado com o FC Porto do que propriamente uma série capaz de mudar com o rumo dos acontecimentos – e até a primeira substituição de Roger Schmidt foi a mesma, abdicando de Florentino no meio, colocando Aursnes mais no corredor central e lançando David Neres na ala direita. O que se viu? Inter e mais Inter, que sem ser brilhante limitou-se a aproveitar todos os erros posicionais do Benfica para ver Vlachodimos negar o golo a Mkhitaryan após assistência de Correa (66′) e evitar o golo de Dumfries num lance tirado a papel químico do 1-0 com a diferença de que o cabeceamento do neerlandês não foi puxado ao poste (78′).

Grimaldo, o jogador do Benfica que mais vezes tocou na bola na área contrária apesar de ser lateral, ainda teve dois remates desviados para canto após baterem em defesas do Inter mas o pior estava ainda para vir: num lance que inicialmente até passou despercebido no estádio, o VAR viu uma mão de João Mário após desviar na cabeça num cruzamento de Dumfries, Michel Oliver foi ao ecrã analisar o lance e marcou mesmo grande penalidade, dando a oportunidade a Lukaku de aumentar para 2-0 (82′). No último minuto do tempo de descontos, Gonçalo Ramos ainda teve a melhor oportunidade para reduzir mas permitiu a defesa de Onana (90+4′). Antes, mais um episódio que mostrou bem o momento que o Benfica vive: Schmidt foi demorando e demorando a mexer, decidiu-se por Gonçalo Guedes e Musa em cima do minuto 90 mas os dois avançados acabaram depois por voltar ao banco sem sequer entrarem. Um pormenor que diz muito…