A mitologia Grega está repleta de mortais que nas suas tentativas de escaparem ao destino que lhes é transmitido mais ou menos enigmaticamente pelo oráculo, caem ainda mais depressa nos seus braços.

Tal como na sua mitologia, a Grécia está também condenada a mudar. Num mundo globalizado e cada vez mais competitivo, um oráculo moderno teria dito aos governantes gregos, muitas vezes descendentes de antigos senadores, que economia grega teria sempre de se reformar e preparar-se melhor para os embates da globalização. A decisão do atual Governo grego de tentar adiar estas reformas através de negociações desajeitadas, intermináveis e infrutíferas poderá levar a um ajustamento mais rápido do que alguma vez qualquer credor da Grécia desejou.

As notícias mais recentes sugerem que o primeiro-ministro Tsipras terá concordado esta manhã com a maioria das reformas propostas pela Comissão no passado fim de semana para prolongar o programa de assistência financeira que tinha sido estendido até o final de junho. Por outro lado, Tsipras solicitou um terceiro resgate aos seus parceiros Europeus, agora excluindo o FMI. O Eurogrupo deverá reunir esta tarde para falar sobre estas evoluções, mas tudo aponta para que os restantes países Europeus optem por esperar até saberem o resultado do referendo.

A particularidade dos desenvolvimentos dos últimos dias é que o referendo que se prepara este fim de semana parece saído de uma nova mitologia Grega, em que as histórias que lemos têm um significado real muito diferente do que aparentam.

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Futuro-da-Grécia

O primeiro mito começa logo pela pergunta a que o povo Grego vai responder no domingo sobre o acordo proposto pela Comissão Europeia no passado fim de semana. Essa pergunta na realidade já não se põe, porque o programa de assistência financeira terminou no dia 30 de junho. O Governo de Tsipras já se avançou e enviou um pedido para um terceiro programa, mas aparentemente não é esse que quer referendar. Por isso, o resultado do referendo não terá significado nenhum. O que irá acontecer é que um voto a favor da proposta da Comissão será interpretado pelos restantes países da Zona Euro como o desejo do povo Grego de permanecer na União Monetária, o que provavelmente os levaria a considerar retomar negociações com o Governo Grego para implementar um terceiro resgate. Um voto contra significaria que o povo grego rejeita a condicionalidade de um novo programa, o que provavelmente impediria um novo acordo e conduziria ao incumprimento quase total da dívida pública Grega.

O segundo mito é que a Grécia não tem de sair da Zona Euro ainda que rejeite a proposta dos credores. O ministro das Finanças Varoufakis argumenta que não existe mecanismo legal para expulsar a Grécia, o que é verdade. No entanto, as consequências de não haver resgate seriam de tal forma gravosas para a Grécia que, mais cedo ou mais tarde, o país acabaria por ter de usar outra moeda.

  • Por um lado, o Estado grego, que já não tem praticamente acesso ao financiamento nos mercados internacionais, deixaria também de ter acesso a financiamento da UE e do FMI. Ainda que entrasse em incumprimento relativamente à totalidade da dívida, neste momento provavelmente já não tem receitas suficientes para pagar a totalidade dos salários e das pensões em a partir de julho. Isto obrigaria o Estado a pagar a sua despesa corrente excluindo juros em títulos/bilhetes de dívida a partir de julho.
  • Por outro, em caso de incumprimento generalizado e sem perspetiva de um novo acordo, o BCE teria de limitar fortemente o acesso do sistema financeiro grego à liquidez do banco central. Neste cenário vários bancos gregos não teriam condições para sobreviver. Os gregos procurariam guardar debaixo do colchão as notas e moedas de euros que conseguissem obter e optariam por voltar a um sistema de trocas, para preservar os euros

Esta situação exigiria, para a simples sobrevivência quotidiana, a emissão de um novo sistema de pagamentos, seja ele através de títulos de dívida pública ou de trocas diretas de bens e serviços. Um sistema desta natureza poderia subsistir durante algumas semanas mas teria eventualmente de ser substituído por nova moeda, para a vida poder simplesmente funcionar com alguma normalidade.

O terceiro mito é que, se os gregos votarem a favor das propostas dos credores, o primeiro-ministro Tsipras irá respeitar a vontade deles e implementar um terceiro programa de assistência financeira. Nada nas negociações dos últimos dias sugere que é possível confiar neste Governo para levar a bom porto as reformas necessárias para a economia grega. Por outro lado, vários governantes do Syriza já anunciaram que poderá ser necessário convocar eleições, porque não estão dispostos a aceitar um novo programa.

Ainda que os gregos votem a favor dos pedidos dos credores oficiais da Grécia no referendo de domingo, os desenvolvimentos dos últimos dias já causaram danos que serão difíceis reverter. Os controlos de capitais que foram introduzidos no espaço de algumas horas e que têm causado dificuldades enormes para as pessoas que o próprio Syriza diz querer proteger, deverão levar meses (possivelmente anos) a eliminar. Os depósitos e ativos que têm saído da Grécia poderão eventualmente regressar, mas só se um novo governo for suficientemente credível na implementação de medidas que restaurem a estabilidade macroeconómica do país. Mas existe alguma esperança que a Grécia retome alguma estabilidade e prosperidade que tinha conseguido antes das eleições de janeiro. Já um voto contra terá consequências difíceis de prever e poderá resultar em mais uma década perdida para a Grécia em termos de crescimento, de bem-estar e de estabilidade política e social.

Economista, Macrometria