(Artigo atualizado às 14:20)

As notícias multiplicam-se e as ligações entre Lula da Silva, o processo Lava Jato, a maior investigação de corrupção na história do Brasil, a construtora Odebrecht e Portugal, parecem cada vez mais evidentes. Na edição deste domingo, o Correio da Manhã avança a informação, confirmada pelo Ministério Público do Paraná, de que a justiça brasileira terá pedido a colaboração de Portugal no âmbito do Lava Jato. Telegramas diplomáticos trocados entre 2011 e 2014, citados pela imprensa brasileira, dão conta de que Lula terá feito lobby para a Odebrecht em Portugal e também em Cuba. A Procuradoria-Geral da República já confirmou o pedido de colaboração das autoridades brasileiras: “Confirma-se a receção de pedido de cooperação judiciária internacional, através de carta rogatória”. A PGR acrescenta ainda que “o Ministério Público português não deixará de investigar todos os factos com relevância criminal que cheguem ao seu conhecimento.”

Não se sabe o que está na origem do pedido de colaboração com a justiça portuguesa. Segundo o Correio da Manhã, podem estar em causa algumas das recentes viagens do ex-presidente brasileiro a a Portugal: seis delas estão a ser alvo de investigação por terem sido alegadamente pagas pela construtora Odebrecth, incluindo a vinda de Lula a Lisboa, em 2013, para apresentar o livro de José Sócrates sobre a tortura em democracia. O presidente da Odebrecht Portugal, Fábio Januário, garantiu, no entanto, em declarações ao semanário Expresso, que aquela viagem financiada pela construtora foi apenas para trazer Lula às comemorações dos 25 anos da empresa.

Certo é que a imprensa brasileira cita hoje algumas das habituais mensagens trocadas entre 2011 e 2014, entre embaixadores brasileiros no estrangeiro e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, para dar conta das suas atividades. Em algumas delas mostra-se como as atividades de Lula da Silva em favor do grupo Odebrecht no estrangeiro ultrapassaram a mera contratação para “dar palestras”, que tem sido sempre o pretexto defendido pelo Partido Trabalhista e pela construtora.

Com o título “Documentos mostram que Lula fez lobby para a Odebrecht em Portugal e Cuba”, o jornal Globo dá conta de que Lula, já depois de ter deixado a Presidência da República, agiu mais do que uma vez em benefício direto da Odebrecht. Um dos casos revelados é o de um pedido expresso ao primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, para que desse atenção especial aos interesses daquela construtora no processo de privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF), sub-holding da Águas de Portugal. Como se sabe, a Odebrecht acabaria por perder a corrida à privatização da EGF contra a portuguesa Mota-Engil.

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Os telegramas comprometedores

A relação de Lula da Silva Portugal aparece relatada em dois desses telegramas. O primeiro, a 25 de outubro de 2013, onde o embaixador brasileiro em Lisboa enviou um comunicado ao ministério brasileiro dos Negócios Estrangeiros a dar conta da visita do ex-presidente a Portugal, que tinha ocorrido entre os dias 21 e 23 de outubro. Os documentos deixam claro que a visita foi feita a convite da Odebrecht Portugal e revelam reuniões em Lisboa com empresários brasileiros ligados à construtora.

O segundo telegrama trocado entre os diplomatas surge apenas sete meses depois, e nele faz-se uma análise da privatização da EGF. O embaixador brasileiro em Lisboa, Mario Vivalva, sublinhava nessa altura que as brasileiras Odebrecht e Solvi, em parceria com o grupo português Visabeira, demonstravam interesse no negócio, o que tinha gerado “simpatia dos formadores de opinião em Portugal”. Aí referia-se, segundo o Globo, “a ação direta de Lula em favor da Odebrecht”. O diplomata autor do telegrama, citado pelo jornal Globo, realça:

“Repercutiu positivamente na imprensa a recente declaração do ex-presidente Luiz Ináciao Lula da Silva, em entrevista à RTP no dia 27/04, no sentido de que o Brasil se deve engajar mais ativamente na aquisição de empresas estatais portuguesas. O ex-presidente também reforçou o interesse da Odebrecht pela EGF ao primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, que reagiu positivamente ao pleito brasileiro.”

A mesma mensagem acabaria por ser transmitida por Lula da Silva numa entrevista que deu à televisão portuguesa, a propósito dos 40 anos do 25 de abril de 1974, onde defendeu uma maior participação das empresas brasileiras nas privatizações conduzidas em Portugal. Nessa altura não se referiu a nenhuma empresa em particular. A 24 de abril o ex-presidente brasileiro reuniu-se com Passos mas, oficialmente, teriam apenas falado da situação económica em geral e das questões relacionadas com o Mundial de futebol que se iria realizar no Brasil.

A privatização da EGF foi ganha no ano passado pelo grupo Mota-Engil. Os brasileiros nem sequer chegaram à fase final que foi disputada entre a empresa portuguesa e a espanhola FCC. O consórcio da Odebrecht acabou por desistir depois de ter visto recusado um pedido para adiar a entrega de uma proposta vinculativa.

Em nota publicada no site, a construtora brasileira nega que o ex-presidente tenha atuado em seu favor e garante que não pagou nada a Lula da Silva em troca de lobby ou tráfico de influências relacionadas com o Instituto Lula.

Lula da Silva está a ser investigado pelo Ministério Público brasileiro desde o dia 8 de julho por suspeitas de tráfico de influência no estrangeiro em benefício da construtora Odebrecht. Agora, as suspeitas da influência de Lula chegam também a Portugal. E a história não deve ficar por aqui.

Os negócios que passaram por Portugal

Lula e Sócrates estavam no poder quando se realizou em 2010 o polémico negócio de venda da Vivo pela Portugal Telecom à Telefónica e que teve como contrapartida a entrada da empresa portuguesa na Oi em 2010, operação que teve envolvimento político ao mais alto nível. O ex-presidente brasileiro foi também apoiante da entrada da Petrobras na Galp, um negócio que acabou por cair quando Lula abandonou o cargo.

Um dos detidos nesta investigação é Otávio Marques de Azevedo, o presidente da Andrade Gutierrez, que é administrador da Oi e que esteve na administração da Portugal Telecom. Foi Otávio Azevedo, que em conjunto com outro acionista da Oi, o banco BTG, negociou a venda da PT Portugal à Altice, tendo reunido com Hernâni Antunes, o intermediário que reclama o pagamento de 69 milhões de euros à Oi pelo seu contributo no maior negócio de sempre com uma empresa portuguesa.

Otávio Marques de Azevedo, em conjunto com outros quadros da construtora, foi indiciado este domingo por suspeitas de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude à licitação.

Esta investigação é a 14 a operação do mega inquérito Lava Jato que começou na Petrobras. O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, está entre os detidos.

O escândalo também apanhou a Camargo Corrêa, cujo ex-presidente também foi detido, obrigando a uma mudança de liderança em junho deste ano. A empresa de é dona da Cimpor em Portugal desde 2012 e chegou a ter Armando Vara como seu colaborador nas operações em Angola.