No dia 27 de maio de 1995, a vida de Christopher Reeve mudou radicalmente e para sempre. Até aí, ele era uma estrela de cinema e o intérprete perfeito, carismático e aclamado de Super-Homem; um marido extremoso e pai de família feliz, com três filhos (um rapaz e uma rapariga da sua primeira relação, com a agente de modelos inglesa Gae Exton, com quem não se chegou a casar, e outro rapaz da primeira mulher, Dana); um homem com preocupações cívicas; e um atleta hiperativo, praticante de esqui, futebol, vela e equitação, e piloto de ligeiros. Mas nesse dia, um acidente durante uma prova de equitação quase o matou, tornando-o tetraplégico, pondo-o numa cadeira de rodas sem conseguir sequer respirar de forma autónoma e exigindo cuidados contínuos. Reeve ficou dependente de outros para absolutamente tudo.

A situação era tão obviamente irónica como trágica, pelo facto de actor e personagem se confundirem na mente de milhões de pessoas, de tal forma e tão perfeitamente Christopher Reeve conseguiu personificar Super-Homem nos filmes da série. Por causa de uma queda de um cavalo (que teria morto Reeve se ele tivesse batido com o pescoço um pouco mais acima, e de que teria saído ileso se tivesse sido um nadinha mais abaixo) o Homem de Aço estava paralisado do pescoço para baixo para o resto da vida (numa coincidência arrepiante, o ator tinha concluído, pouco tempo antes, um thriller intitulado Um Polícia Acima de Qualquer Suspeita, em que fazia um polícia que fica paralítico).

No documentário Super/Homem: A História de Christopher Reeve, Ian Bonhôte e Peter Ettedgui recorrem a imagens de arquivo, fotos e  filmes caseiros nunca vistos até hoje e a entrevistas com colegas, amigos, figuras públicas e familiares (nomeadamente, os três filhos do ator, Matthew, Alexandra e Will), para contarem como Christopher Reeve (que morreu em outubro de 2004, faz em breve 20 anos) resistiu a deixar-se ir nos dramáticos e delicados dias de indefinição após o acidente, para o que foi fundamental a presença da mulher, Dana Reeve, e as palavras de amor e incentivo que lhe dirigiu então (Dana morreria de cancro em 2006, dois anos após o marido).

[Veja o trailer de “Super/Homem: A História de Christopher Reeve”:]

E contam também como depois de ter sido o maior super-herói de todos na tela em quatro filmes, entre 1978 e 1987, Reeve se transformou num herói de carne e osso no mundo real. Não só pela forma abnegada como passou a enfrentar uma existência quotidiana em que já não podia fazer nada do que gostava, dependia de um respirador para estar vivo e não conseguia, literalmente, mexer um dedo; como também pela maneira como usou a sua fama como Super-Homem para se tornar num ativista dos direitos dos tetraplégicos e, através da fundação que criou com a mulher, angariar dinheiro para a investigação científica às lesões da espinal medula, e agir junto dos políticos para ser elaborada legislação para o efeito. Por vezes mesmo, com a oposição de associações de deficientes que o consideravam um hipócrita e não acreditavam nas possibilidades de cura da paralisia.

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Bonhôte e Ettedgui mostram como foram fundamentais o amor e a dedicação de Dana Reeve para que o marido conseguisse viver o dia-a-dia tão frustrantemente diminuído, e a força e o ânimo que ela lhe transmitia. E salientam a fria lucidez com que o ator via a sua situação (“Apercebi-me de que tinha arruinado a minha vida, e as de todos à minha volta”, diz ele numa entrevista), não escamoteando o desafio exaustivo e desgastante em que a vida do casal se tornou e a complicada logística que tratar de Reeve requeria. E realçam o clima de entreajuda e apoio que se estabeleceu na família, e da parte de pessoas como o amigo de juventude do ator que se tornou no director da fundação dos Reeve, e em especial de Robin Williams, que aquele conheceu quando frequentavam a Julliard em Nova Iorque nos anos 70, tendo-se tornado amigos como irmãos.

[Veja uma entrevista com os dois realizadores do filme e os três filhos de Christopher Reeve:]

Williams esteve sempre presente para animar e apoiar o amigo e a sua família, e chegou a ajudar a pagar as despesas médicas de Christopher Reeve (este, após o acidente, continuou a trabalhar à frente e atrás das câmaras, como realizador, embora muito menos e com claras limitações, e apesar da sua posição privilegiada em relação a muitas outras pessoas no seu estado, e da qual tinha perfeita noção, enfrentava despesas grandes e constantes). Glenn Close, também ela amiga de longa data do intérprete de Super-Homem, afirma, aliás, num dos seus depoimentos no filme, que está convicta que se Reeve não tivesse morrido, Robin Williams estaria também hoje vivo.

Os dois realizadores articulam esta faceta do documentário com outra mais especificamente biográfica e pré-acidente. Descobrimos assim os problemas que Christopher Reeve tinha por vir de uma família desfeita e ter um pai académico que desprezava tudo o que não fosse arte “séria” (quando o filho conseguiu o papel de Super-Homem, ele felicitou-o julgando que era na peça Homem e Super-Homem, de George Bernard Shaw), e que o deixou com medo de se comprometer sentimentalmente; vemos como ele passou de actor desconhecido a vedeta mundial graças a ‘Super-Homem’ – um papel que Schwarzenegger e Neil Diamond (!) cobiçaram -, sem perder a modéstia ou o tino, e como procurou afirmar-se profissionalmente e não ficar prisioneiro do Homem de Aço; e saboreamos histórias como aquela em que William Hurt, ao ser-lhe dito por Reeve, nos bastidores de uma peça off Broadway, que ia a Londres fazer uma audição para o papel de Super-Homem, lhe gritou: “Não vás! Não vás! Vais-te vender!”.

[Veja um excerto do documentário:]

Ian Bonhôte e Peter Ettedgui rejeitam as piedades e as facilidades do sentimentalismo edificante e “inspirador”, comovendo-nos antes com a dimensão incomensurável do carinho, da devoção, do espírito de sacrifício e da união dos membros da família de Christopher Reeve, e com a força de vontade, a coragem e a humildade do ator na adversidade que o atingiu. E que em vez de o fazer fechar-se sobre si mesmo e virar as costas ao mundo, o levou a dedicar-se aos que estavam nas mesmas circunstâncias que ele. Depois de Super/Homem: A História de Christopher Reeve, ficamos a admirá-lo ainda mais. Para além do melhor Super-Homem da história do cinema, Christopher Reeve foi um grande, generoso e exemplar ser humano.